ISTO É

Saída para o saneamento

Congresso acelera o projeto que pode modernizar e abrir o setor no País, incentivan­do a competição entre operadores privados e públicos

- Marcos Strecker e Fernando Lavieri

Nas últimas décadas várias deficiênci­as históricas do País foram superadas. Depois da abertura do mercado de telecomuni­cações e de energia para a iniciativa privada, o que praticamen­te universali­zou o acesso ao telefone e à luz, pode-se viver um novo paradigma no saneamento básico com um projeto de lei recém aprovado no Senado.

O setor é regido atualmente por uma lei de 2007, que estabeleci­a metas e já permitia a participaç­ão privada. Mas não apresentav­a mecanismos que forçassem ou dessem condições de fato para que todos os municípios fornecesse­m água e esgoto encanado, além de tratamento adequado ao lixo. O ex-presidente Michel Temer editou uma medida provisória que abria o setor para enfrentar esses obstáculos, mas que

caducou no início de junho, com outras MPs, em função da desarticul­ação do governo, incapaz de impor pautas prioritári­as no Congresso.

Ao contrário do que acontece em outros casos, a proposta foi retomada em seguida pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e transformo­u-se em projeto de lei aprovado no Senado três dias depois da MP perder sua validade. Segue agora para a Câmara Federal, onde seu presidente, Rodrigo Maia, já afirmou que é necessária uma resposta do mundo político ao tema. Sua aprovação é essencial, especialme­nte porque a situação fiscal do País impede a utilização de recursos públicos no ritmo e no montante necessário­s.

MAIS INVESTIMEN­TOS

O novo projeto tem como objetivo ampliar a competição no setor e atrair investimen­tos. Prevê que empresas públicas e privadas poderão disputar, por meio de licitação, contratos de concessão. Para evitar que os municípios com menor capacidade de atrair recursos sejam penalizado­s, estes serão agrupados com outros mais rentáveis.

Apesar de representa­r uma evolução, Percy Soares Neto, diretor executivo da Abcon, que representa as concession­árias privadas, critica mudanças introduzid­as no Senado. Foram relaxadas as regras que forçam a competição entre os operadores privados e públicos. Contratos em vigor com as estatais poderão se estender por décadas com a possibilid­ade de renovação.“É um retrocesso. Mantém-se a reserva de mercado das companhias públicas”, diz Soares Neto, que conta com a reversão desse item na Câmara. As resistênci­as à ampla abertura do mercado partem, sobretudo, dos que privilegia­m a estatizaçã­o dos serviços públicos, ainda que precária e insuficien­te, e dos interesses políticos ligados às empresas estaduais de saneamento.

Um exemplo do drama da falta de saneamento está na comunidade Anchieta, no Grajaú, na zona sul de São Paulo. Ali os moradores tentam obter saneamento básico há seis anos, desde que se instalaram. O lugar está na área de atuação da concession­ária pública estadual Sabesp. O governo paulista deseja privatizar ou capitaliza­r a empresa, processo que depende da aprovação da nova lei.

De acordo com Moacir dos Santos Medeiros, pedreiro, presidente da associação dos moradores da região, desde o início da ocupação o pessoal tenta negociar com o poder público a regulariza­ção da situação. “Quando chegamos, esse terreno estava abandonado, servia como boca de fumo e para desova de corpos. Hoje, são só famílias que moram aqui.”

Ao caminhar pela favela, as necessidad­es saltam aos olhos. Junto ao cano fino cheio de emendas que leva água obtida de forma irregular, o esgoto de cozinhas e banheiros corre a céu aberto. Os moradores reclamam das constantes doenças provocadas pelo consumo e pelo contato com água contaminad­a. “Meus quatro filhos já tiverem infecção e diarreia. Fervemos a água todos os dias antes de beber”, diz Milena Nogueira. Um dos residentes mais antigos, o armador José Antonio Pereira, diz: “Nós queremos pagar pela água tratada, pelo saneamento básico. Queremos algo digno.”

 ??  ?? REALIDADE INSALUBRE Formada há seis anos, comunidade no Grajaú (SP) sofre com doenças causadas pela agua contaminad­a
REALIDADE INSALUBRE Formada há seis anos, comunidade no Grajaú (SP) sofre com doenças causadas pela agua contaminad­a
 ??  ?? REGULARIZA­ÇÃO José Pereira, morador mais antigo da favela: “Queremos pagar pela água tratada”
REGULARIZA­ÇÃO José Pereira, morador mais antigo da favela: “Queremos pagar pela água tratada”
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SEM ÁGUA Casal Milene e Renato, na comunidade Anchieta, no Grajaú (SP)

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