PRÁTICAS TRIBAIS
O garoto Murtaja vai morrer na Arábia Saudita por “crimes” cometidos aos 10 anos de idade e ladrões são presos no Iraque por xeques de aluguel. Justiça dos países árabes remonta à antiguidade
Apossibilidade de condenação à morte do adolescente saudita Murtaja Qureiris, de 18 anos, mostra que práticas tribais e desumanas vigoram na Arábia Saudita e em outros países árabes sem que haja qualquer perspectiva de evolução. Murtaja, que é membro da minoria xiita do País, foi condenado por três “crimes” que ele cometeu aos 10 anos de idade: participação em protestos contra o governo, posse de arma de fogo e envolvimento com uma organização terrorista. Por conta da intransigência política do regime, ele está preso desde 2014 e as chances de execução são altas. Se isso acontecer será uma das mais graves violações de direitos humanos que se tem notícia em todo o mundo. “Há poucas violações mais graves da lei internacional do que a execução de uma criança”, diz Maya Foa, diretora do Reprieve, um dos grupos de direitos humanos que atuam no país. Além de Murtaja, outros três jovens que eram menores na época em que cometeram supostos crimes também estão na fila da pena de morte.
O governo saudita pratica uma perseguição sistemática contra os xiitas, tratados como subversivos.
LóGICA TRIBALISTA
Há uma lógica tribalista que orienta a justiça nos países da região. No Iraque, xeques de aluguel substituem o poder judiciário e impõem sua própria lei através de conselhos tribais, onde idiossincrasias e rivalidades prevalecem sobre os critérios justos. Condenações em casos de roubo, por exemplo, são decididas por eles, que ocupam um espaço deixado por um Estado frágil e corrupto. O avanço desses xeques se deu a partir de 2003, depois da queda de Saddam
Hussein, que tentava enfraquecê-los. Ligados a poderosas milícias eles definem os destinos das pessoas e frequentemente praticam extorsões em disputas familiares ou comunitárias. Praticam a chamada intimidação tribal ou “degga ashairiya”, um ato de terror que envolve dar tiros na casa de um suposto devedor para pressioná-lo a negociar. Fazem justiça com as próprias mãos.
A condenação à pena de morte é comum na Arábia Saudita. Só no ano passado 139 pessoas foram executadas, das quais 54 foram condenadas por crimes não violentos. Nos cinco primeiros meses deste ano houve outras 110 execuções, de acordo com a Anistia Internacional. O caso de Murtaja, porém, choca pela crueldade. Ele vem sendo mantido preso há vários anos sem qualquer acusação formal. Passou um longo tempo numa solitária, sem acesso a um advogado e, finalmente, foi coagido, sob tortura, a confessar seus “crimes”, cometidos quando era uma criança. No ano passado, um promotor recomendou que lhe fosse aplicada a pena de morte. Normalmente, na Arábia Saudita, a execução é feita por decapitação. “Não há dúvida de que as autoridades sauditas estão dispostas a tudo para reprimir dissidentes, incluindo o recurso da pena capital para homens que eram meninos à época da sua prisão”, afirma Lynn Maalouf, diretora de pesquisa da Anistia Internacional para o Oriente Médio. Como no passado remoto, morre-se por pouco na Arábia Saudita.
A condenação à pena de morte é comum na Arábia Saudita. Em 2018, 139 pessoas foram executadas, 54 por crimes não violentos