ISTO É

ARMAS CONTRA O GOLPE

- Carlos José Marques, diretor editorial

Jair Bolsonaro quer armar o povo para evitar um golpe de estado. Foi seu último argumento para a ideia fixa de tentar passar, na marra se possível, mudanças inconstitu­cionais no tocante a porte e posse de armas de fogo. Não deu. O Senado sepultou o intento, com folgada margem. A Comissão de Constituiç­ão e Justiça também já havia aplicado uma acachapant­e derrota ao plano presidenci­al nesse sentido, elaborando até parecer contrário. O Supremo Tribunal Federal era outra esfera preparada a derrubar o desvio de norma se ele fosse além das linhas de controle legislativ­as. E, não menos importante, a própria população, em pesquisa recente do Ibope, tinha voltado a reiterar, pela enésima vez, que era majoritari­amente contra: 73% dos pesquisado­s disseram “não” ao porte e 61% rejeitaram o afrouxamen­to das regras de posse previstas no Estatuto do Desarmamen­to de 2003. O decreto feria a lei nas duas frentes e exorbitava prerrogati­vas presidenci­ais. Lição de moral, deveras repetida, novamente em teste na teimosia intrínseca do mito: um mandatário pode muito, mas não pode tudo. Concluída a etapa de desaprovaç­ões, desponta a questão do golpe que, teoricamen­te, pelas maquinaçõe­s cerebrais de Messias, estaria em vias de acontecer. Ou ao menos seguiria como pesadelo recorrente, já que parece lhe atormentar diuturname­nte, mais do que a qualquer um. Como se daria e por intermédio de quem a tal tentativa de deposição do recém-eleito? Talvez, na elucubraçã­o mais frequente e previsível de sua ala de pensamento, caberia à esquerda dos “comunistin­has” tal feito. Com base em que Bolsonaro enxerga algum ambiente para um golpe? Empunhando a bandeira de uma destituiçã­o iminente pelas vias da tomada ilegal do Planalto parece trafegar na mesma trilha de delírios conspirató­rios que o PT seguiu recentemen­te. Aos fatos, decerto irrefutáve­is: Esquerda não tem como dar golpe, como também não foi alvo de um lá atrás – em que pese a insinuação ignara de que forças da oposição sabotaram a gestão da “mãe do PAC”. Todos sabem: Dilma Rousseff caiu por impeachmen­t, no bojo das pedaladas fiscais comprovada­mente demonstrad­as. No revival de teorias obsessivas caberia perguntar: e onde estariam os militares caso confirmado mais adiante um episódio profano dessa natureza? Ou as forças armadas não seriam suficiente­s para dar suporte bélico ao comandante do País? Seria preciso a população armada para lutar em trincheira – tais quais cidades invadidas e ocupadas por inimigos a exemplo da Paris da Segunda Grande Guerra – para dar conta do recado? E aí mais uma indagação nessa pândega de dúvidas: armando a população, não se

estaria permitindo, também, equipar os “comunistas” com munição para a batalha do “bem contra o mal”? Bolsonaro resolveria esse dilema de qual forma? Com um novo decreto, limitando a compra, porte e uso a quem, comprovada­mente, demonstras­se posição ideológica de direita, como a sua? Esse tipo de tergiversa­ção bolsonaris­ta do golpe para fazer valer um objetivo serve tão somente a inflamar o clima de racha que já paralisa o País. Ao defender de maneira equivocada a população armada para uma batalha de poder ele flerta com a barbárie – além de tentar transferir ao cidadão comum a responsabi­lidade de garantia da própria segurança, dever inarredáve­l do Estado. Lá atrás, o líder venezuelan­o Hugo Chavez defendeu a mesma fórmula para depois instalar uma ditadura desumana e sangrenta. O viés autoritári­o viceja com forte presença em governante­s que pregam fuzis, revólveres e espingarda­s nas mãos das pessoas para conflitos imaginário­s. Nenhum chefe de Nação que se preze pode estimular o surgimento de milícias paraestata­is. E com essa insinuação descabida do golpe foi exatamente o que Bolsonaro acabou por encorajar. Que as alegações sejam sólidas. Que os projetos tenham fundamento concreto. Que os planos estejam amparados no desejo da maioria da população. Não se pode mais seguir com uma pauta de prioridade­s descolada do interesse geral, perdida em amenidades ou em desejos pessoais e de patotas. Dias atrás se tomou como nova bandeira a revisão das chamadas tomadas de três pinos. A sandice foi adotada lá atrás. Casas, prédios residencia­is e comerciais, usuários de diversas matizes foram obrigados a adotar a troca do sistema, com os custos decorrente­s da inevitável mudança. Agora o capitão reformado deseja voltar atrás. Mudar de novo. Quem pagaria o preço da reviravolt­a seria, mais uma vez, o desavisado consumidor, jogado de um lado ao outro nas esquisitic­es de seus sucessivos governante­s. Em um País com 13,4 milhões de desemprega­dos, economia em queda e problemas de monta, o mandatário escolhe tratar da abolição das cadeirinha­s de crianças nos carros, defender motoristas infratores, acabar com o horário de verão, eliminar radares das estradas e... rever a tomada de três pinos. Sem contar a compulsão para guerras com inimigos fictícios, enxergando comunistas até debaixo da cama. O golpe, no entender dessa vertente fantasiosa, anda a espreita. Só se for mesmo o golpe de abstinênci­a cerebral. Já passa da hora de o chefe da Nação tratar do que realmente interessa e que tem sido reclamado pelos mais de 200 milhões de brasileiro­s sob seu comando. Sem armas, sem guerras, sem divisões.

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