ISTO É

Cresce a “bancada da selfie”, formada por parlamenta­res, como Renata Abreu (foto), que usam as redes sociais como exercício de seus mandatos

Aumenta o número de parlamenta­res que utilizam as redes sociais obsessivam­ente no exercício de seus mandatos. Esse fato comprova que toma corpo um novo tipo de populismo — o digital

- Vicente Vilardaga e Wilson Lima

Né só o presidente Jair Bolsonaro que governa pela internet. Legisla-se da mesma forma no Brasil. Os deputados federais estão apostando suas fichas na capacidade de influência digital para se promover política e pessoalmen­te e vitaminar os seus mandatos. Em certos momentos, os resultados do exercício parlamenta­r chegam a se confundir com a presença nas redes sociais e com o número de likes, visualizaç­ões ou comentário­s feitos nas postagens. Há uma falsa sensação de democracia direta e uma vontade plebiscitá­ria que se dissemina rapidament­e entre alguns legislador­es junto à ideia de que a interação midiática significa a participaç­ão popular — trata-se, enfim, de um novo tipo de populismo, passando por cima dos patamares que compõem a democracia e criando uma arriscada linha direta com a população. Com celulares nas mãos e paus de selfie, diversos polícos estão sempre fazendo enquetes para orientar sua posição em cada projeto que votam. O risco desse procedimen­to é se deixar guiar por perfis falsos e robôs.

Ou de se confundir a opinião manifestad­a nas redes com a vontade real dos eleitores e da maioria.

A deputada federal Renata Abreu (Podemos-SP) é uma usuária incansável das mídias sociais — e, como seus correligio­nários, acredita na força das pesquisas e no engajament­o dos seguidores para fazer política. “Tem gente que ganha voto promovendo polêmicas. Nós preferimos promover o relacionam­ento em massa”, diz ela. “A ideia não é jogar para a plateia, mas sim permitir que o legislador possa se expressar com imparciali­dade” — fica a dúvida à qual imparciali­dade ela se refere, pois não existe nada mais parcial e extremista do que as redes. Renata acredita que é uma nova forma de se exercer a democracia. Um aplicativo do Podemos permite que se realizem sondagens com o público para verificar em tempo real o apoio ou a rejeição a algum projeto. Renata possui equipe de produção de conteúdo, cinegrafis­tas, em Brasília e em São Paulo, além de jornalista­s.

Como a deputada, diversos parlamenta­res têm ampliado sua estrutura de míão dia para aparecer melhor. Nomes como a da líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), montaram equipes específica­s para isso. Joice tem uma assessora exclusiva para trabalhar com as suas redes. O senador Jorge Kajuru (PSBGO) montou um estúdio de tevê em seu gabinete para gravar os seus vídeos. Ele dispõe de uma equipe de doze pessoas e produz cinco vídeos por dia. Outros políticos têm aproveitad­o as redes para transmitir reuniões e encontros importante­s. O deputado Júnior Bozzella (PSLSP) é um deles: “Desde que tomei posse me propus a um trabalho diferencia­do, um mandato participat­ivo, que contasse com a interação direta da população”.

ADESÃO MACIÇA

Uma pesquisa realizada pela consultori­a de lobby Celuppi Advogados mostra que os parlamenta­res de todo o Brasil aumentaram fortemente a sua presença nas redes sociais desde as últimas eleições. O levantamen­to, que considera uma base de 596 deputados federais e senadores, mostra que 98% deles têm páginas

oficiais no Facebook, 93% no Twitter e 91% no Instagram. Três quartos deles têm um uso muito freqüente e outros 12%, diariament­e. “O problema é que as redes são usadas como ferramenta­s de influência para assuntos específico­s e não contemplam todas as atividades e os nuances da atuação parlamenta­r”, diz Juliana Celuppi, responsáve­l pelo estudo. Como afirma o deputado Túlio Gadêlha (PSB-PE), as redes abrem canais de diálogo com os seguidores. Gadelha é um publicador dedicado do Instagram e de publicador­es de vídeos, como o IGTV, que permite gravações de até uma hora. Ele próprio gerencia suas redes e faz a análise de conteúdo: “Uso as mídias, mas não sou refém delas”. Ele não faz enquetes, por exemplo, mas acompanha atentament­e os comentário­s de seus seguidores: “Não considero as enquetes tão seguras porque há perfis falsos e bots entre os seguidores e a opinião dessa base não reflete necessaria­mente o pensamento dos meus eleitores”.

DISPERSÃO E FALTA DE FOCO

Em janeiro desse ano, nos corredores da Câmara, o então coordenado­r da Frente da Segurança Pública, chamada ‘Bancada da Bala’, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), desferia as suas dúvidas sobre o mandato com auxílio de suas redes sociais. “Queremos ver como vai ser essa bancada do Youtube. Legislar com base apenas nas redes tende a não dar muito certo”, diz ele. “Estamos perdendo o timing das votações, pois não conseguimo­s compreende­r a importânci­a de determinad­os projetos”. A preocupaçã­o excessiva em disseminar informaçõe­s nas mídias sociais pode levar à dispersão e à falta de foco. Outro que fez da sua vida parlamenta­r em um reality show é o deputado Luís Miranda (DEM-DF). Foi eleito a partir de seus discursos inflamados sobre os preços altos de produtos nos EUA e compartilh­a suas ações: “Estou percebendo que os parlamenta­res estão sendo pautados pelas mídias sociais e precisam tomar suas próprias decisões”. O fato é que as redes confundem seguidores sem engajament­o com eleitores e falseiam a expressão da maioria. Elas podem ser bom divertimen­to, mas, na política são o caminho da antidemocr­ática conexão direta com o povo.

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PROGRAMAÇíO Renata Abreu faz live para divulgar sua agenda e o balanço de atividades
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VAIDADE Alessandro Molon (Rede) e Henrique Fontana (PT) compartilh­am live durante votação na Câmara
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INFLUÊNCIA O senador Jorge Kajuru grava um de seus vídeos no estúdio que instalou em seu gabinete: produção diária

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