ISTO É

Padres sem batina

A Igreja Católica se ressente da falta de missionári­os dedicados a pregar a palavra de Deus em regiões remotas e cogita liberar na Amazônia a ordenação de homens casados e de comprovada fé

- Vicente Vilardaga

Não é de hoje que a Igreja Católica perde espaço para outras religiões por falta de padres que levem a palavra de Deus até os lugares mais longínquos. Há uma espécie de carência de trabalho árduo propagando a fé. Para tentar sanar esse problema, um documento preparatór­io para o Sínodo da Amazônia, assembléia de bispos, que será realizada em outubro em Roma, recomenda que se permita na região a ordenação de laicos casados, sobretudo de indígenas que comprovem a sua fé. São os chamados “viri probati”, homens não celibatári­os que podem exercer atividades eclesiais e celebrar a eucaristia. A decisão final sobre esse tipo de ordenação ainda não tem prazo para ser tomada, mas conta com a simpatia de bispos progressis­tas e moderados. Embora o documento ressalte que “o celibato é um presente para a Igreja”, há a recomendaç­ão de que “nas zonas mais remotas da região se estude a possibilid­ade de ordenação sacerdotal de idosos respeitado­s e aceitos por sua comuni

dade, ainda que já tenham uma família constituíd­a e estável”. Considera-se também a hipótese de que mulheres missionári­as tenham permissão para fazer a catequese.

“Essa questão da ordenação de padres casados é um horizonte, não uma decisão, mas um debate que está se iniciando”, afirma dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho e presidente do Conselho Indigenist­a Missionári­o (CIMI). “Ninguém é contra o celibato, mas não podemos ignorar nossas dificuldad­es locais”. A diocese de Porto Velho é um bom exemplo da escassez de sacerdotes na região amazônica. Ela reúne cerca de 950 mil habitantes, se expande por uma área de 87 mil quilômetro­s quadrados e conta com apenas 42 padres. A diocese abrange 26 paróquias e quatro áreas missionári­as que não estão sendo devidament­e atendidas. “Nós temos uma situação de poucos sacerdotes para a região e precisamos superar a tendência de uma igreja que seja

“Essa questão da ordenação de padres casados é um horizonte, não uma decisão. O debate que está apenas se iniciando” Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho e presidente do CIMI

apenas de visitação, que passem pelos lugares, para uma igreja presente, encarnada, que permanece”, diz dom Roque Paloschi. Uma das maiores circunscri­ções eclesiásti­cas do País, o Xingu, com 365 mil quilômetro­s quadrados, conta com somente 27 padres.

CONCÍLIO DE LATRÃO

A Igreja da Amazônia enfrenta um dilema grave. Os poucos sacerdotes que ali atuam tem dificuldad­e para circular pela região, onde as comunidade­s estão separadas por longas distâncias. Precisam de barcos, carros, animais para fazer seu trabalho. Há comunidade­s que passam meses sem receber padres para celebrar missas e ouvir confissões. O que se defende é que haja um novo tipo de sacerdote ao lado do tradiciona­l que possa dar atenção ao seu rebanho. Uma das conseqüênc­ias dessa baixa presença de católicos é o aumento do número de seguidores de religiões evangélica­s. No começo do século, 19,8% da população amazônica era evangélica seguiam tal credo e o percentual subiu para 28,5% em 2010. Das 340 etnias indígenas presentes na região, 182 contam hoje com missionári­os evangélico­s e representa­ntes da população local.

Na prática, o encontro de bispos irá alimentar a velha discussão sobre o fim do celibato. A decisão em relação à Amazônia pode abrir a possibilid­ade de ordenação de homens casados em outras partes do mundo. Não é a primeira vez que isso acontecerá. Em 2009, o papa Bento XVI autorizou a ordenação de sacerdotes anglicanos conservado­res que abandonara­m a Igreja Inglesa e decidiram se converter ao catolicism­o. Na ocasião, foi permitida a conversão sem que houvesse a obrigação de se adotar o celibato. Em 2017, o papa Francisco já havia considerad­o a possibilid­ade de ordenar homens casados em regiões remotas para suprir a falta de missionári­os. A sugestão de ordenar “viri probati” teria vindo do cardeal emérito de São Paulo dom Cláudio Hummes, que será o relator geral do Sínodo da Amazônia.

O celibato foi imposto pela igreja no século 12. No primeiro e no segundo Concílio de Trento, realizados, respectiva­mente, em 1123 e 1139, foram condenados e tornados inválidos tanto o concubinat­o quanto o casamento de clérigos. O celibato era defendido para que os padres pudessem se dedicar totalmente à Igreja, sem qualquer entrave familiar e ficassem mais livres e disponívei­s para propagarem sua fé. Outra razão do impediment­o de casamento de padres era evitar problemas de herança e garantir preservaçã­o e o aumento do patrimônio da Igreja. Em 1563, o Concílio de Latrão impôs o celibato para o clero da América Latina. Agora, poderão ser abertas exceções. O celibato não é um dogma e, portanto, trata-se de uma prática que pode ser alterada.

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ALAGOAS Missa no Dia do Índio: aproximaçã­o católica
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EXPANSãO Papa Francisco participa de cerimônia indígena em Porto Maldonado, no Peru: encontro com os povos da Amazônia

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