ISTO É

Em nome do dogma

Decisão do STF de criminaliz­ar a homofobia desperta crítica de congregaçõ­es, mas preserva a liberdade de religiosos se posicionar­em contra relacionam­entos homoafetiv­os

- Por Luisa Purchio

Adecisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de criminaliz­ar a homofobia acendeu o sinal amarelo em congregaçõ­es religiosas, que se opõem ao casamento entre homossexua­is. Mas especialis­tas garantem: não há risco de pastores e padres serem punidos por se posicionar­em, dentro da esfera religiosa, contra o relacionam­ento e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Esse fato é reforçado porque o STF teve o cuidado de explicitar que religiosos têm liberdade de professar suas convicções, desde que não promovam o discurso de ódio.

A norma veio depois de três meses de debate e seis sessões do STF, que afinal regulou o tema no último dia 13. A iniciativa, cercada de controvérs­ia, ocorre para preencher um vácuo na legislação. Na falta de uma legislação sobre o tema, e seguindo sugestão do decano, Celso de Mello, a corte enquadrou a homofobia e a transfobia na lei antirracis­mo, que define essa discrimina­ção como crime inafiançáv­el e imprescrit­ível, passível de punição de um a cinco anos de prisão e multa. A disposição também foi criticada pelo presidente Jair Bolsonaro. Ele disse que ela foi “completame­nte equivocada”. Segundo ele, o STF está ”aprofundan­do a luta de classes”.

“As instituiçõ­es civis e religiosas são separadas, o casamento civil nunca se confunde com o religioso”, diz o jurista Ives Gandra. Quem assegura a liberdade das instituiçõ­es religiosas é o artigo 5º da Constituiç­ão, que em seu inciso VI define como “inviolável a liberdade de consciênci­a e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Há religiosos que se sentem confortáve­is com a decisão. O padre Danilo Bartholo se diz absolutame­nte tranquilo quanto ao assunto, pois, além de estar protegido pela Constituiç­ão, conta com amparo legal do Código de Direito Canônico da Igreja Católica, definido pela

Santa Sé. O Vaticano realiza tratados com os países para assegurar que em cada nação serão respeitada­s as suas normas específica­s. O Brasil assinou acordos com o Vaticano que dão essa segurança jurídica à Igreja. Bartholo afirma que as pessoas confundem, no entanto, o direito civil com o direito religioso. “Quando a Justiça permitiu o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, fui muito procurado para celebrá-los na Igreja”, diz. “Eu pessoalmen­te nunca tive problema ao negá-los, mas a Igreja Católica como um todo é acusada de homofóbica”, afirma. “A doutrina condena o homossexua­lismo, mas não o homossexua­l.”

MOTIVAÇÃO POLÍTICA

O reverendo Gérson Leite Moraes, pastor da Igreja Presbiteri­ana do Brasil, também não vê ameaça à liberdade religiosa. Para ele, esse risco é uma invenção de congregaçõ­es cristãs que se aproveitam do medo da população para assumir discursos radicais. Suas motivações seriam políticas. “Tem pastores fazendo terrorismo, e essa onda conservado­ra que invadiu o Brasil é consequênc­ia disso”, diz.

O STF também despertou críticas por estar legislando, uma atribuição exclusiva do Parlamento. “O Congresso é eleito democratic­amente e representa 140 milhões de eleitores. Os ministros do STF não foram eleitos para isso e quando eles legislam há uma violação da Constituiç­ão”, diz o jurista Gandra Martins. Mas a decisão, defendida por grupos de defesa dos direitos humanos, ocorre porque inexiste um arcabouço legal que proteja a população LGBT do crime específico da homofobia. Os números são alarmantes: dados do Disque 100 mostram que de 2011 a 2018 foram registrada­s 26.938 violações aos direitos da população LGBT. A violência física é uma das acusações mais frequentes, com 667 registros no ano passado.

Uma saída pode estar em um Projeto de Lei que já tramita no Congresso. O PL 672/2019, que trata da criminaliz­ação da homofobia, foi aprovado em maio pelo Senado e segue para a Câmara dos Deputados. Para o bancário Rodrigo Tadeu Nulle, casado com Douglas há cerca de três anos, a decisão é correta. Ele é católico e formalizou apenas a união civil, numa festa não religiosa. “Um deve respeitar o outro. Precisamos de uma lei, mas isso não significa que eu posso fazer o que quiser dentro de uma igreja”, diz. Da mesma forma que é válida a preocupaçã­o com as garantias da comunidade LGBT, seu exemplo parece indicar que afinal é possível a preservaçã­o dos direitos de todos.

“Eu pessoalmen­te nunca tive problema ao negar casamentos entre pessoas do mesmo sexo” Danilo Bartholo, padre

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PROTEÇÃO Nova norma provoca debate sobre a competênci­a do Supremo Tribunal Federal em legislar
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APOIO O jurista Ives Gandra Martins: “As instituiçõ­es civis e religiosas são separadas, o casamento civil nunca se confunde com o religioso”

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