ISTO É

SEGURANÇA

Rota segura para o crime transnacio­nal, a divisa entre Brasil, Argentina e Paraguai abriga grupos terrorista­s que lavam dinheiro e vendem armas para facções, cartéis e paramilita­res

- André Vargas

Empresário­s do Rio Grande do Sul se unem para fazer doações à polícia e propõem uma espécie de “Lei Rouanet” contra a violência

Olucro de um game pirata financia o tráfico de fuzis AR-15 e AK-47; uma peça de roupa falsificad­a ajuda cartéis, guerrilhas e paramilita­res a enviar cocaína para qualquer cidade do mundo; a compra de um maço de cigarros contraband­eado pode terminar em uma salva de foguetes sobre uma cidade síria rebelada ou em tiros contra pedestres cariocas.

Na região da Tríplice Fronteira, que reúne Brasil, Paraguai e Argentina, operações financeira­s de fachada em um ambiente de suborno institucio­nalizado permitiram a criação de uma rede internacio­nal criminosa. Para autoridade­s americanas, argentinas, paraguaias e israelense­s, o poder dos produtores de drogas e das facções criminosas não seria tão grande sem a presença de filiados a grupos radicais islâmicos, que lavam dinheiro e mantêm rotas clandestin­as para EUA, Europa,

China e Oriente Médio. Apesar dos alertas desde os ataques de 11 de Setembro de 2001, para o governo brasileiro o problema ainda não é prioritári­o.

A existência dos grupos sunitas Estado Islâmico, AlQaeda e Hamas é certa, mas o principal seria o Hezbollah, movimento xiita que controla o sul do Líbano e atua nas guerras civis da Síria e do Iêmen. Com mais de 10 mil soldados, são considerad­os terrorista­s pelos EUA. “Há 15 anos eles movimentav­am US$ 300

milhões anuais. Hoje atingem US$ 1 bilhão”, disse Gadi Hirsch, analista do governo israelense. Hirsch participou de um debate sobre lavagem de dinheiro e financiame­nto de terrorismo na Tríplice Fronteira. O encontro reuniu diplomatas, promotores e procurador­es de justiça do Cone Sul em Buenos Aires, onde o grupo terrorista matou 115 pessoas, em atentados contra a embaixada israelense e a associação judaica Amia, em 1992 e 1994, respectiva­mente.

JURADA DE MORTE

A presença constante do Hezbollah na América do Sul foi comprovada em 2005, quando intercepta­ções telefônica­s da polícia colombiana captaram conversas em árabe entre suspeitos de ligações com cartéis. Mais de 120 horas de gravações foram traduzidas pela DEA, a agência antidrogas americana. Assim, foi descoberto que o grupo limpava lucros escusos em troca de comissões de até 15%. A sofisticaç­ão e as conexões com as comunidade­s libanesas no continente tornam difícil prender os responsáve­is sem ações internacio­nais conjuntas. “É um sindicato global do crime que fez da Tríplice Fronteira um centro de distribuiç­ão”, afirmou Emanuele Ottolenghi, da Fundação para Defesa da Democracia (FDD), entidade dos EUA que estuda segurança e política internacio­nais.

A aproximaçã­o com líderes do Primeiro Comando da Capital, Comando Vermelho e Terceiro Comando foi inevitável, conforme denunciou a analista de risco americana Vanessa Neumann, no livro “Lucros de sangue”. Em busca de poder, as facções passaram a lutar por espaço na região. Em 2016, o PCC assassinou com uma arma antiaérea o traficante paraguaio de origem libanesa Jorge Rafaat, conhecido como o Rei da Fronteira. No ano seguinte, participou do assalto que levou US$ 12 milhões de uma transporta­dora em Ciudad del Este. No final de 2018, o Comando Vermelho ameaçou a procurador­a-geral paraguaia, Sandra Quiñonez, em vídeo: “Pode abandonar seu cargo que a gente vai atrás de você”.

Além das drogas e armas, há o lucrativo contraband­o de cigarros. As marcas paraguaias dominam 54% do mercado brasileiro. Em 2018, a evasão fiscal estimada (R$ 11,5 bilhões) superou a arrecadaçã­o da indústria (R$ 11,4 bilhões), apontou uma pesquisa do Ibope. Boa parte da produção é da Tabesa, controlada por Horacio Cartes, ex-presidente paraguaio considerad­o para lá de suspeito. Por aqui, o negócio bilionário caiu nas mãos de facções e milícias. Tanto que em algumas favelas e periferias do Rio, a venda de cigarros legais é proibida. “As suspeitas todas fazem sentido. Só que o governo brasileiro, mesmo com Bolsonaro, acha que há muita especulaçã­o”, diz Edson Vismona, presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria. A postura oficial seria justificad­a pela ausência de ataques terrorista­s, porém é míope, já que essa dinheirama ilegal abastece criminosos que promovem assassinat­os diários no Brasil e nos países vizinhos.

“É um sindicato global do crime que fez da fronteira um centro de distribuiç­ão” Emanuele Ottolenghi, da Fundação para Defesa da Democracia

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? CRIMES PCC metralhou o traficante Jorge Rafaat, em 2016 (ao lado), após aumento de taxas. Radicais islâmicos criaram operações de fachada para limpar lucros com drogas e cigarros
CRIMES PCC metralhou o traficante Jorge Rafaat, em 2016 (ao lado), após aumento de taxas. Radicais islâmicos criaram operações de fachada para limpar lucros com drogas e cigarros

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil