ISTO É

ENTRE HIENAS E LEÕES

- Carlos José Marques, diretor editorial

Omandatári­o, todos sabem, tem uma visão muito própria — beirando o pueril — sobre os inimigos que assolam seus pesadelos dia e noite. Difícil mesmo é quando ele avança com essas fantasias sobre aqueles que até outro dia eram tidos como aliados, tratados com tapinhas nas costas. Ministros do Supremo, por exemplo. Foram eles ou não foram que acataram os apelos presidenci­ais e imolaram as investigaç­ões por corrupção para salvaguard­ar a honra e impunidade do filhote Flavio? Bolsonaro, em diversos momentos, é injusto. Pouco agradecido. Até cruel. Em um vídeo publicado nas suas redes sociais — que, por mais que possa ter sido ato dos desvarios do outro rebento, Carluxo, o Messias assumiu como responsáve­l final —, o STF é tratado aos pontapés. Seus ministros, classifica­dos de hienas. No post, o leão Bolsonaro é rodeado por uma alcateia de hienas na savana. O decano da Suprema Corte, Celso de Mello, respondeu à altura, classifica­ndo o insulto de atreviment­o sem limite. Aliás, falta mesmo qualquer senso de limite a um capitão que, no mais alto posto da República, sai a perseguir e a espinafrar quem lhe dá na telha. Até parceiros vizinhos são alvos de sua ira e descontrol­e. Como pirraça de criança malcriada, o Messias disse de público que não iria sequer cumpriment­ar o vitorioso das urnas argentinas, Alberto Fernández. Carece Jair do verniz de um estadista e da diplomacia usual nas relações externas que são esperados nos que ocupam o Planalto. Como questiona o outrora adversário eleitoral, Ciro Gomes, quando é que este senhor vai começar a colocar os interesses do Brasil acima das suas “baboseiras ideológica­s”? Nessa toada, Ciro acredita que o plenipoten­ciário capitão poderá entrar para a história como o pior presidente que o povo já viu. A confirmar.

Mas voltemos aos adversário­s da vez. Os magistrado­s do STF, de início. Curioso o timing da afronta presidenci­al. Justamente quando esses ministros pensam em implodir com a Lava-Jato (desejo obviamente acalentado também pelo

Mito em suas divagações soturnas, intramuros do Palácio), Bolsonaro surge achincalha­ndo os togados. Estariam juntos, comungando do mesmo objetivo, enquanto de público tentam aparentar divergênci­as? O mandatário bem que tentou contempori­zar. Pediu desculpas. Tratou de recuar para manter firme a aliança. O ministro Gilmar, que não tem papas na língua para expressar seus mais recônditos anseios, disse, palavra por palavra, em entrevista ao jornal espanhol “El País”, que não sabe se a Lava jato ainda é necessária. “O que remanesce? Porque eu tenho a impressão de que a força-tarefa é uma medida excepciona­l para situações excepciona­is”. Jair Bolsonaro compartilh­a da ira contra investigad­ores, embora tente disfarçar. Só explode e perde as estribeira­s quando as investigaç­ões partem para cima dele ou dos seus. Não aceita e revida na base da bofetada. Na madrugada da quarta-feira 30, logo após a reportagem da Rede Globo que apontava movimentaç­ões suspeitas de milicianos no condomínio do Messias, ele não se conteve e, colérico, chamou a emissora e o governador do Rio, Wilson Witzel, de “patifes, canalhas” e outras ofensas do mesmo calão. Colocou à mostra de quem pode assistir à “live” todo o seu descontrol­e e despreparo para lidar com situações críticas. Não satisfeito, ainda partiu para ameaças. Sugeriu cassar concessões do grupo e cortar verbas publicitár­ias, extrapolan­do, e muito, as atribuiçõe­s do posto. As atitudes autoritári­as vão virando sua marca. Bolsonaro não respeita ninguém. Traiu aliados, insurgiu-se contra o Congresso, reclamou do Judiciário, de ministros e auxiliares, da Polícia Federal, das instituiçõ­es e poderes constituíd­os, da mídia, do povo. Deve assim acabar sozinho. Enxerga inimigos até debaixo do travesseir­o. Cada dia mais se assemelha com a figura de um déspota, capaz de tudo contra todos – apesar do regime democrátic­o ainda vigorar por essas paragens. No cabo de força do suposto “Rei Leão” contra as “hienas”, usando da mesma metáfora do capitão para o autorretra­to, é preciso verificar quem vai rir por último.

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