“NÃO SEREI SUBMISSO A BOLSONARO”
Op rocurador-geral da República Augusto Aras é árduo defensor de que o cumprimento da pena aconteça a partir da segunda instância, mas ressalva, em entrevista exclusiva à ISTOÉ, que se o STF determinar que a prisão deve começar após o trânsito em julgado, a medida não deve retroagir: quem está preso, que preso fique. É o caso de Lula
Se a decisão da maioria dos ministros do STF for mesmo pelo fim da prisão após condenação em segunda instância, o senhor acredita que poderá representar um retrocesso no combate à corrupção e à criminalidade?
Vai depender da modulação que for dada pela Suprema Corte. É possível ocorrer uma modulação em que o tribunal fixe o entendimento da irretroatividade dos efeitos do julgado e que deva o tribunal estadual ou federal, ao condenar, estabelecer a possibilidade de o condenado recorrer ou não em liberdade - a partir da consideração de existir ou não elementos objetivos e, principalmente, subjetivos, no que toca à culpa
bilidade e à periculosidade. Se o crime for grave, o indivíduo tem que ser preso antes do trânsito em julgado para que ele não volte a delinquir.
Essa decisão favoreceria o ex-presidente Lula e outros 38 presos da Lava Jato. O senhor acha que a soltura desses presos poderia provocar um quadro de agitação social?
Novamente, dependeremos desta avaliação que, porventura, o STF venha a impor na modulação. Se esse for o resultado, caberá aos tribunais, em cada caso, ao proferirem o seu julgamento, averiguarem as condições objetivas e subjetivas para que cada condenado responda ou não em liberdade às demais fases do processo, especialmente no recurso especial para o STJ ou extraordinário, propriamente dito, para o STF.
Como o senhor vê o combate à corrupção no atual governo?
Não há influência negativa do atual governo sobre o combate à corrupção. As instituições continuam nas suas atividades
de combate à corrupção. Ocorre que as questões mais imediatas da Lava Jato foram superadas e a grande maioria dos processos do início da operação já foram julgados e outros, em menor quantidade, estão em curso. Atualmente, a Lava jato que mais se destaca é a do Rio de Janeiro, e nós estamos investindo recursos de pessoal e materiais para fomentar e sustentar o desenvolvimento da operação nesse estado, que é um dos maiores do Brasil.
Então, a Lava Jato não morreu?
Não. A Lava Jato é apenas um símbolo de operação, de forçatarefa, que tem uma meta a atingir, que é o enfrentamento da macrocriminalidade no que toca à corrupção, em segmentos econômicos públicos e privados. E como uma política de estado, e não de governo, ela vai se estender por todo tempo de forma eficiente no combate ao crime, de modo que tudo fique reduzido a um limite de normalidade.
O senhor já disse que essa operação foi um sucesso, mas
merece correções. Quais são os reparos?
Devemos evitar a quebra da impessoalidade, para impedir a promoção pessoal e, mais que isso, os seus efeitos, que são o personalismo, a soberba institucional incompatível com a rés pública, o que pode desafiar o espírito de cada um que se sente mais mais capaz do que os outros. Temos que impedir que uma vontade de poder possa macular o exercício das atribuições do MPF como órgão do sistema de Justiça.
O que o senhor acha da Lei de Abuso de Autoridade?
Há exageros no que toca à Lei de Abuso de Autoridade. Ela tem alguns tipos penais abertos, que devem ser corrigidos, inclusive merecendo uma interpretação a ser feita oportunamente pela Suprema Corte. Contudo, de um modo geral, o Brasil precisa de uma Lei de Abuso de Autoridade não para impedir que as autoridades cumpram com o seu dever nos estritos limites legais, mas para coibir e punir quem abusa dessa autoridade.
Depois que o seu nome foi aprovado, o senhor foi ao Planalto agradecer ao presidente Bolsonaro? Haverá algum tipo de submissão da PGR ao Poder Executivo?
Ao final da sabatina, fui agradecer a confiança que o presidente depositou em mim, como deve fazer qualquer homem civilizado. Isso não significa nenhuma submissão. A Constituição garante ao Procurador-Geral da República sua autonomia e independência e, por isso, cada membro do Ministério Público Federal que chega a este mais alto cargo só poderá ser submisso se tiver uma personalidade fraca e voltada para esse tipo de posição na vida. Não é o meu caso, graças a Deus.
O senhor acha que o foro privilegiado deve acabar?
Não. Entendemos que a prerrogativa de foro é a porta de uma
garantia para as instituições e não um favor pessoal para quem quer que seja a autoridade que exerça o poder público. Mas sabemos que houve cobranças da sociedade pelo fim da prerrogativa de foro. Não se pode falar em abolição da prerrogativa de foro porque nós sabemos que um julgamento, imparcial e justo, exige, no mínimo, que o eventual processado esteja sendo julgado por seus pares. Não se admite também que um ministro do Supremo seja julgado por um juiz de primeira instância. Não se admite que um juiz de primeira instância seja julgado por um juiz de paz ou um juiz não togado e, assim, sucessivamente. A quebra da prerrogativa de foro pode importar em um desequilíbrio entre quem julga e quem é julgado.
O procurador Deltan Dallagnol preferiu optar por ficar na Lava Jato e não aceitar a promoção para a Procuradoria Regional da República. O senhor pretende mudar os procuradores da Lava Jato?
Serei preocupado em cumprir a Constituição. O dr. Dallagnol tem a garantia do procurador natural e ele, dali, só será afastado por decisão do Conselho Superior do Ministério Público Federal ou do Conselho Nacional do Ministério Público.
O que o senhor achou do caso do senador Flávio Bolsonaro, que teve os dados de sua movimentação financeira, e também de seu ex-motorista Fabrício Queiróz, divulgados sem ordem judicial?
O julgamento desse caso (Coaf), que envolve o senador Flávio Bolsonaro e outras autoridades, está marcado para o dia 21 de novembro. Até lá, nós prepararemos os nossos memoriais, faremos sustentação oral e buscaremos a solução que melhor represente o Ministério Público Federal em defesa da sociedade brasileira.