ISTO É

Quem tem medo do Queiroz?

- Caroline Oliveira

Em áudios de WhatsApp, Fabrício Queiroz, ex-motorista de Flávio Bolsonaro, revela, que apesar da Justiça ter “uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente”, ele ameaça: “não vejo ninguém se mover para me ajudar.” Queiroz é um homem-bomba contra os Bolsonaros?

Se Glauber Rocha ressuscita­sse e retornasse às terras brasileira­s atuais, poderia pensar que aqui ainda se vive sob a égide de “Terra em transe”, seu filme em preto e branco de 1967, que se desenvolve num país imaginário, Eldorado, onde um político populista ganha as eleições, mas suas ligações com latifundiá­rios o faz quebrar suas promessas eleitorais, mandando soltar policiais contra o povo. Desiludido, um de seus mais fiéis colaborado­res se lançou a uma vida de orgias e de náusea existencia­l. E é esse protagonis­mo do narrador do filme de Glauber que está sendo encarnado agora por Fabrício Queiroz, ex-motorista do senador Flávio Bolsonaro, e amigo do presidente Jair Bolsonaro há 40 anos. Ele ressurge do esconderij­o em que se encontra há 10 meses para demonstrar que pode estar se transforma­do em um homem bomba com potencial para detonar o governo dos amigos aos quais serviu por décadas, num papel muito semelhante ao que o empresário PC Farias represento­u para o governo Collor em 1992. Em áudios de WhatsApp, o ex-motorista de Flávio reconhece que ele pode ser o pivô de um escândalo a abalar a República, ao afirmar que se sente abandonado pelo clã bolsonaris­ta. Para ele, o Ministério Público tem em seu poder informaçõe­s suficiente­s para “enterrar uma pica do tamanho de um cometa na gente” e, mesmo assim, não vê “ninguém agindo” para defendê-lo: “Eu não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar aí”.

ESPALHA-BRASAS

A rigor, Queiroz reconhece que a Justiça tem munição não apenas para detoná-lo, mas também para queimar os que estão ao seu redor. Em outro momento, a narrativa do ex-motorista de Flávio reforça a tese de que se algo lhe acontecer, familiares do presidente também podem ser atingidos. Por isso, talvez, parece pouco preocupado com as investigaç­ões que o pegaram desviando dinheiro dos funcionári­os do gabinete do senador no tempo em que foi deputado estadual no Rio. Sarcastica­mente, diz que “até demorou” para as investigaç­ões chegarem nele. “Esses depoimento­s, cara, eles vão lá e pegam mesmo, esses filhos da puta, rapaz. Até demorou a pegar. O Agostinho (já) foi depor no dia 11 de janeiro”, afirma o ex-motorista e ex-policial militar nos áudios divulgados. Agostinho Moraes da Silva, ex-funcionári­o do gabinete de Flávio, é uma testemunha que confirmou ao MP carioca que depositava dois terços do seu salário na conta de

Queiroz, no esquema conhecido como “rachadinha”.

Os áudios mostram ainda que, ao contrário do que o Palácio do Planalto diz, o ex-motorista tem mais poder do que se imagina. Nas trocas de mensagens, Queiroz diz que, tão logo resolva os problemas que enfrenta na Justiça, voltará com tudo à vida política. “Resolvendo essa pica que está vindo na minha direção, vamos ver se a gente assume esse partido aí. Eu e você de frente aí. Lapidar essa porra”. O ex-assessor dos Bolsonaros se coloca à disposição do presidente para ajudá-lo. “Politicame­nte, eu só posso ir para o partido. Trabalha isso aí com o chefe. Passando essa ventania aí, ficamos eu e você de frente. A gente nunca vai trair o cara. Ele sabe disso. E a gente blinda legal essa porra aí. Espertalhã­o não vai se criar com a gente”, diz Queiroz no áudio. Ele chega a dar dicas de como fazer indicações políticas em gabinetes de parlamenta­res vinculados ao clã bolsonaris­ta, como o de Flávio. Em depoimento à CPMI da Fake News, na quarta-feira 30, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), ex-integrante da tropa de choque bolsonaris­ta, disse que Bolsonaro lhe telefonou para pedir que “calasse a matraca” sobre Queiroz. Frota afirmou que o presidente temia que o ex-motorista fosse preso e abrisse o bico. O deputado Rui Falcão (PT-SP) explicou que isso se configura como obstrução de Justiça e pode levar o presidente a ser afastado do cargo.

RACHADINHA

Queiroz trabalhou no gabinete de Flávio durante 11 anos. No fim de 2018, o Conselho de Controle de Atividades Financeira­s (Coaf) detectou uma movimentaç­ão financeira atípica na sua conta de cerca de R$ 1,2 milhão. A investigaç­ão do MP do Rio apurou que oito assessores do então deputado Flávio transferir­am dinheiro a Queiroz em datas próximas ao pagamento do salário. Entre as contrataçõ­es, ele empregou Danielle Nóbrega e Raimunda Veras Magalhães — ex-mulher e mãe, respectiva­mente, do ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, investigad­o por atuar no assassinat­o da vereadora Marielle Franco e liderar uma milícia na zona oeste do Rio de Janeiro. O próprio deputado recebeu de Queiroz quarenta e oito depósitos do valor de R$ 2 mil. Até mesmo a primeira-dama Michelle Bolsonaro recebeu cheques no valor de R$ 24 mil de Queiroz. O ex-motorista lembra que não se abandona soldados feridos no meio da batalha. Alguém tem medo dos segredos que ele guarda a sete chaves?

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Queiroz guarda em seu esconderij­o munição que pode explodir o clã Bolsonaro, como aconteceu com PC Farias no governo Collor?
EXPLOSIVO Queiroz guarda em seu esconderij­o munição que pode explodir o clã Bolsonaro, como aconteceu com PC Farias no governo Collor?

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