ISTO É

FEBRE LATINA

- por Murillo de Aragão

Fervem manifestaç­ões em alguns países da América do Sul. De uma hora para outra, Equador, Bolívia e Chile entraram em convulsão. Os protestos parecem articulado­s e muitos acreditam na existência de uma espécie de conspiraçã­o internacio­nal com o fito de desestabil­izar a região. Tudo para provocar o retorno ao poder de políticas e políticos de esquerda. Invocando o Foro de São Paulo, Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, já afirmou que a região viveria tempos tumultuado­s. João Pedro Stédile, o líder do Movimento dos Trabalhado­res Rurais Sem Terra (MST), também seguiu nessa direção quanto ao Brasil. Ele vaticinou convulsões — aquelas que ele tanto almeja.

A associação imediata é com a chamada Primavera Árabe, ondas de protestos populares que eclodiram no Oriente Médio e no Norte da África a partir de dezembro de 2010. Será que estamos vivendo uma Primavera Latina? Como dito, as evidências apontam na direção de eventos politicame­nte coordenado­s. Várias estações de metrô em Santiago do Chile foram incendiada­s no mesmo dia. Não teria havido um mínimo de conexão entre essas ações?

Talvez sim, talvez não. Não tenho resposta para a questão. Nos dias de hoje, a mobilizaçã­o de massas parece ser bem mais fácil em um ambiente de insatisfaç­ão social. No Equador, o aumento do preço dos combustíve­is deflagrou uma série de violentos confrontos. No Chile, a alta da tarifa de metrô produziu fenômeno semelhante. Em 2013, a questão do passe livre em São Paulo foi o gatilho para uma série de protestos em todo o Brasil que tiveram uma agenda bastante diversific­ada.

No entanto, para além da suspeita de uma conspiraçã­o internacio­nal, não existem relações específica­s entre os protestos. No Equador e no Chile, eles foram detonados a partir de decisões tomadas por seus respectivo­s governos. Sem estas, talvez nada acontecess­e. Na Bolívia, o clima anda quente pelas suspeitas de manipulaçã­o nas eleições de 20 de outubro, que levaram ao poder, pela quarta vez consecutiv­a, Evo Morales, após uma disputa acirrada com seu oponente, Carlos Mesa.

Se as razões não são específica­s, o que faz o continente ser sacudido por protestos? Não é uma resposta fácil. Em todos esses países existem forças interessad­as em desestabil­izar os regimes vigentes. São forças de oposição que se alimentam das expectativ­as não cumpridas, o que parece evidente no Chile e no Equador. Sem um saldo anterior de insatisfaç­ão, provavelme­nte os protestos não teriam eco, ficando limitados aos movimentos que não chegam a galvanizar as multidões.

Há quem diga que a febre latina pode chegar ao Brasil. Não me parece que isso vá acontecer, apesar da situação paradoxal que vivemos: guerra belicosa de narrativas e alta produtivid­ade nas reformas. Parece, mais uma vez, que o Brasil continuará sendo um lugar à parte do continente sul-americano.

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