ISTO É

“Saí para não haver qualquer dúvida sobre a condução do processo”

A promotora Carmen Carvalho se afastou do caso Marielle após ser acusada de bolsonaris­ta. Ela nega atuação política. O caso ganha outra dimensão porque os familiares da vereadora pediram que ela ficasse, e juízes a elogiam

- Marcos Strecker

Uma das mais destacadas promotoras do Tribunal do Júri, no Rio de Janeiro, Carmen Carvalho atua há 25 anos. Já participou de inúmeros processos, inclusive em alguns dos casos mais complexos que envolvem milícias no estado. Por isso, desde 2011 só anda de carro blindado, acompanhad­a de seguranças. Pela sua experiênci­a, foi destacada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO/MPRJ) para acompanhar a instrução criminal contra o sargento reformado da PM Ronnie Lessa e de seu comparsa Élcio de Queiroz, acusados pela morte de Marielle e Anderson.

O caso ganhou grande repercussã­o na terçafeira 29 com a divulgação pelo Jornal Nacional de que o presidente Jair Bolsonaro havia sido citado no caso. No dia seguinte, Carmen participou ao lado da promotora Simone Sibílio de uma

entrevista coletiva que apontou Lessa como a pessoa que autorizou a entrada do seu comparsa Élcio de Queiroz no condomínio do presidente, e não o próprio Bolsonaro, como havia dito o porteiro. O episódio tirou o presidente do foco, mas virou um pesadelo para a promotora. Isso aconteceu com a divulgação de uma foto em que ela aparecia com uma camiseta do presidente. Foi acusada de ser bolsonaris­ta, e portanto parcial. Outra foto surgiu em que aparecia ao lado do deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ), conhecido por ter quebrado uma placa de rua com o nome da Marielle. Carmen precisou reforçar a segurança também para lidar com as manifestaç­ões de militantes de esquerda. Com a repercussã­o, retirou-se do caso.

REAÇÃO

Num momento polarizado de construção de narrativas primárias e virulentas, é bom enxergar o episódio sob uma perspectiv­a mais ampla. Agora, a promotora acusa os ataques que sofreu de irresponsá­veis e nega qualquer atividade políticopa­rtidária. Diz que sua foto com a camiseta de Bolsonaro aconteceu no dia da eleição, em sua própria casa. E sua imagem com Amorim foi tirada numa cerimônia na Assembleia Legislativ­a do Rio, quando foi receber uma medalha — e nega qualquer vínculo com o deputado. Também afirma que se retirou do caso exatamente para preservar a integridad­e do processo. Ela deseja que os dois réus sejam condenados.

A seu lado estão os pais de Marielle Franco, assim como a viúva do motorista Anderson Gomes. Eles procuraram o MP para defender sua permanênci­a. O procurador-geral de Justiça do Rio Janeiro, Eduardo Gussem, afirma que ela tinha total isenção para se manter no caso: “A manifestaç­ão política da dra. Carmen foi pontual, tendo ocorrido em um momento de exercício pleno da cidadania. Nas eleições, todos tinham um lado e uma opção. Ela fez as escolhas dela e postou nas redes sociais. Talvez devesse ter tido mais cautela com as mídias.” Ele nega qualquer pressão pela saída e disse que foi uma escolha exclusivam­ente pessoal.

A reviravolt­a também foi lamentada por outros atores importante­s do Tribunal do Júri. O desembarga­dor Murilo Kiepling aponta a longa trajetória da promotora e diz que as suas funções de julgar, acusar e defender “sempre foram exercidas com absoluta autonomia e independên­cia”. A presidente dos júris do III Tribunal, juíza Tula Mello, também destaca o “profission­alismo, empenho e competênci­a” de Carmen. “Acreditar que bandeiras ideológica­s e partidária­s afastariam a isenção de membros de uma instituiçã­o que não se subordina aos Poderes Executivo, Legislativ­o e Judiciário seria desacredit­ar nos instrument­os e garantias constituci­onais de independên­cia e autonomia na fiscalizaç­ão do cumpriment­o das leis”, afirma.

Já o juiz Alexandre Abrahão, também do III Tribunal do Júri, é incisivo. “Para variar, uma coisa muito feia se repete. Se menospreza a vontade e o interesse de quem de fato deveria ser respeitado no processo: a família da vítima. É curioso que num caso dessa magnitude, com o que se ventilou contra a promotora, a família da vítima tenha ficado a favor dela. Isso é de uma magnitude enorme. Para variar, quem deveria ser prestigiad­o foi abandonado.”

“A saída foi uma escolha exclusivam­ente pessoal. Ela sempre agiu com absoluta independên­cia” Eduardo Gussem, procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro

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REAçãO Promotora Carmen Carvalho: “Fui eu que pedi para sair”
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POLÊMICA Manifestaç­ão no Rio de Janeiro (alto). Acima e ao lado, as imagens que viralizara­m: Carmen com o deputado Rodrigo Amorim (PSL-RJ), e vestindo a camiseta de campanha do candidato Jair Bolsonaro
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