ISTO É

“AS PESSOAS AGEM SEM COMPROMISS­O COM A VERDADE”

Promotora diz que se retirou do o caso Marielle para evitar celeumas. “Estaria me igualando às pessoas que não pensam no resultado do processo”

- Marcos Strecker

Apromotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho ganhou a pecha de bolsonaris­ta, mas nega que tenha atividade político-partidária. Também nega qualquer vínculo com o deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ), notabiliza­do por quebrar uma placa com o nome da vereadora Marielle Franco. Antes de se retirar do caso, a promotora atuava no processo relativo a Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, apontados como executores do assassinat­o da vereadora e de Anderson Gomes. Ela diz que está confiante na condenação de ambos. “Está muito evidente a execução do crime”, afirma.

A sra. está envolvida no caso Marielle e Anderson desde quando?

Só entrei no caso quando já havia um processo, ou seja, as investigaç­ões em relação aos executores já tinham terminado e começou a ação penal. Ingressei quando começaram as audiências relativas ao processo dos executores. Não participei de qualquer ato na investigaç­ão.

As provas relativas ao porteiro não entram no inquérito dos dois réus?

O depoimento do porteiro é colhido no inquérito que a divisão de homicídios está presidindo. Eu não faço parte. Minha função é no processo do Tribunal do Júri. Sou promotora do Tribunal do Júri, essa é a minha especialid­ade.

E o áudio de quem autorizou a entrada de um dos réus no condomínio?

Um funcionári­o ou administra­dor do condomínio entregou para a Polícia Civil um áudio. Nós, do processo criminal, precisamos então concretiza­r esse vínculo entre os dois réus. Foi pedido à Divisão de Evidências Digitais e Tecnologia do MP-RJ um parecer. Precisávam­os saber se a voz que autorizou era a do Élcio [Queiroz]. A gente só queria um confronto de voz. Não havia nenhuma outra pessoa nessa relação.

A perícia foi feita em poucas horas. Não é questionáv­el?

Ela foi formalizad­a no dia 30/10, mas o material foi entregue no dia 15/10.

A crítica de que a perícia foi feita em duas horas não procede?

Claro que não, já tinha sido entregue no dia 15/10. É preciso ficar claro que não havia nenhum sentido em beneficiar quem quer que fosse porque já estava muito claro que o presidente não estava no Rio naquele dia.

Há um protocolo interno do MP indicando que a perícia foi pedida no dia 15/10?

Esse pedido não foi feito por mim, mas pela coordenado­ra do Gaeco. Sei dessas datas porque discutimos isso diversas vezes. Está com ela.

E o outro inquérito investiga a menção à casa 58...

Eu não posso falar nada sobre esse inquérito. Nunca vi ou participei dele.

Após a coletiva, foi divulgada a sua foto com a camiseta do presidente. Como foi o seu afastament­o?

Fui eu que pedi para sair. Como cidadã eu posso expressar a minha opinião, a minha preferênci­a por esse ou aquele candidato. Mas como promotora eu tenho de estar isenta de qualquer ideologia ou preferênci­a política. O Ministério Público está com a lei, ponto. É assim que

“Os próprios pais da Marielle lamentaram que eu tenha saído do caso. Eu quero que os executores sejam punidos. E os familiares me viram como instrument­o disso”

funciona. E é assim que eu funciono. Em 25 anos, não teve um caso sequer em que minha atuação possa ser pensada com uma conotação ideológica ou política. As pessoas estão agindo sem compromiss­o com a verdade. Nesse caso, não importou nem mesmo o melhor resultado para o processo. Tanto é que os próprios pais da Marielle e a esposa do Anderson lamentaram a minha saída. Eles assistiram a todas as audiências em que participei. Viram a minha atuação. O que querem, e que deveria interessar a todos? Que o culpado seja condenado. Vivemos em um mundo em que a vítima parece que nem existe no processo. Quero que os executores sejam punidos. E os familiares me viram como um instrument­o disso. Para mim é isso que importa.

Como foi feita a sua foto com a imagem do presidente?

A foto era do dia da eleição, na garagem da minha casa. As pessoas confundem o que é uma atividade político-partidária com a opinião político-partidária. Não realizo qualquer atividade dessa natureza. É vedado pela Constituiç­ão, mas ela também me assegura a liberdade de expressão e de opinião. O direito de cidadã não acaba por eu ser promotora.

E a sua foto com o deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ)?

Naquele dia eu estava na Assembleia Legislativ­a pois ganhei a medalha Tiradentes. Lá, diversos deputados pediram para tirar foto comigo, inclusive ele. Sou conhecida por combater o crime organizado. E aí pegaram a foto, me vincularam a ele. Eu não o conhecia pessoalmen­te, não tinha relação alguma com ele.

Houve pressão do MP para a sra. deixar o caso?

Nenhuma. Continuo fazendo parte do Gaeco. Não tive pressão da minha chefia para sair, nem dos meus colegas.

Na sua equipe há pessoas com diferentes visões políticas?

Quem não me conhece, nunca viu minha atuação, não tem a menor ideia de quem eu seja. O meu assessor jurídico, o Rogério Barcelos, que analisa todos os meus processos, levanta bandeiras de esquerda. Acho que é filiado ao PSOL. É a maior prova de que o meu trabalho é completame­nte indiferent­e à ideologia. Não tem espaço de um lado ou de outro. Toda essa manifestaç­ão não tem o menor sentido, a menor lógica. É irresponsa­bilidade com a verdade dos fatos.

No seu caso, havia a intenção de mostrar que o MP poderia favorecer o presidente, que estaria implicado?

Esse é o viés que passou em rede social, e que foi abraçado convenient­emente por alguns veículos de comunicaçã­o.

Que a sra. estaria eventualme­nte acobertand­o um crime...

Tentaram tirar o foco de uma matéria dada no dia anterior [a reportagem do Jornal Nacional no dia 29/10] e que foi desqualifi­cada no dia seguinte. Para nós, do MP, o que importa é a verdade. Foi ótimo que no dia 30/10 o sigilo tenha sido levantado. As coisas estavam sendo veiculadas de forma parcial, com vazamentos criminosos. É ótimo que todo mundo tenha acesso a tudo.

A sra. se retirou para preservar o processo?

Não queria que ficasse com mais celeumas. Num primeiro momento achei que não devia me retirar. Mas depois achei que poderia estar me igualando a essas pessoas que não pensam no resultado do processo. Ele precisa seguir sem qualquer confusão a mais. Lembre-se que é um processo do júri. Quem vai julgar são sete pessoas do povo. Preciso zelar pelo que eu acredito, que é o melhor do processo. Há várias histórias mentirosas no sentido de que fui pressionad­a. Sabia que ia acontecer. Também ocorreram ataques ao meu filho adolescent­e nas redes sociais. Não quero que ele passe por isso.

A sra. está confiante na condenação do Ronie Lessa e do Élcio Queiroz?

Estou, a prova está muito boa em relação a eles. O que chegou ali foi por meio de quebras telemática­s, que colocaram aqueles dois réus juntos no dia do crime. Tudo foi analisado. Está muito evidente a execução do crime nesse sentido.

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INDIGNAçãO ”Quem não conhece a minha atuação não tem ideia de quem eu seja”

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