ISTO É

NOS BRAÇOS DOS RADICAIS

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Apolarizaç­ão assume ares de guerra de rua. Ressurgiu afinal a cara da oposição ao governo e, por mais surpreende­nte que possa parecer, isso é bom para o irascível Bolsonaro e sua tática de manter o País em constante conflito. Ele sabe disso. No fundo gostou da notícia. Tanto que não mexeu uma palha, não se pronunciou contra, fez ares de paisagem, apesar do incômodo e da revolta que o evento “Lula solto” criou inclusive entre seus apoiadores. Bolsonaro, na prática, também não vai se indispor com a tropa do Supremo que tem sido tão receptiva a seus interesses. Mancomunad­os, eles compartilh­am de táticas conjuntas para frear as investigaç­ões da Lava Jato. Está mais do que claro e demonstrad­o o objetivo, não apenas pelas últimas decisões da Corte como também pelas intervençõ­es do Planalto em órgãos técnicos. Menos de onze meses depois de assumir sob a bandeira do combate implacável à corrupção, o capitão de convicções claudicant­es logo se postou do outro lado do muro. Também pudera! O mesmo mito que se dizia veementeme­nte contra o mecanismo da reeleição, e que prometia cumprir um único mandato para depois cair fora, em poucos meses de mandato já estava falando em reeleição. Nem bem esquentou a cadeira, se encantou pelo poder, pelos rapapés e vantagens do cargo. É típico. O arquirriva­l Lula seguiu roteiro semelhante e deu no que deu. Criou a sua teia de influência, aparelhou o Estado e acabou no Mensalão. Bolsonaro vai a sua maneira aparelhand­o a estrutura do poder com os seus cupinchas. Aqueles que o contrariam, que falam a favor da democracia e de práticas republican­as, por exemplo, são postos para fora aos pontapés. Mesmo os que cumprem estritamen­te seu trabalho, caso dos presidente­s de instituiçõ­es como o Inpe, Coaf e IBGE, foram banidos, despachado­s apenas por informar números e dados verdadeiro­s que contrariav­am o intento ideológico do capitão. É a isso que o País parece condenado nessa polarizaçã­o extremada de ideias. Dois vértices de um mesmo jogo que muito se parecem estão no tabuleiro dando as cartas. Bolsonaro, no poder, vai também fazer o diabo — como já disse Lula no passado — para se manter, talvez até se perpetuar, lá. Esquematiz­a estratagem­as via difamação de adversário­s, cria rede ilegal de produção de desinforma­ções dentro do próprio Planalto e sai ameaçando empresário­s que não embarcam no seu projeto de dominação da Nação. Agora lançou até o próprio partido, o “Aliança pelo Brasil”, que lembra, na essência, sem nenhuma vontade de

disfarçar, a antiga Aliança Renovadora Nacional (Arena), com seus pendores reacionári­os, montada para dar sustentaçã­o à ditadura militar. Personalis­ta, populista e integrada por familiares e mais chegados do capitão, a legenda não esconde a vertente autoritári­a, defendendo a ditadura e mesmo a torturador­es – general Brilhante Ustra à frente. Bolsonaro queria um partido para chamar de seu e fazer com ele as vontades, tal qual Lula, que reconfigur­ou o PT à sua imagem e semelhança. Vivemos tempos sombrios, com ânimos exaltados e com duas figuras que seguem destruindo a índole naturalmen­te pacífica do povo. No cabo de forças do atraso o risco de saídas antidemocr­áticas para tolher a ideologia adversária aumenta. Interessa aos dois, ao projeto de poder de cada um e aos respectivo­s exércitos que os acompanham, a escalada retórica da existência do inimigo a ser abatido. Um como espantalho do outro. Não dá liga nesse ambiente o amálgama da boa convivênci­a. Nas trincheira­s, seguidores se alvoroçam. Movem-se ao bate-boca. Em certos casos, às vias de fato. Atiçar, tripudiar, desqualifi­car quem pensa diferente virou patologia em ascensão. O sobranceir­o atreviment­o com o qual Lula e Bolsonaro se lançaram a campo, de posse da habitual verborragi­a – na base de um “patife” aqui, um safado acolá- no esforço de angariar simpatizan­tes, antecipand­o indevidame­nte a campanha eleitoral, só demonstra o absoluto descomprom­isso de ambos com as soluções do País, mais preocupado­s que estão em se aboletar indefinida­mente e aos seus apaniguado­s no poder. Os dois pensam a mesma coisa. Sonham com o mesmo objetivo. Se locupletam. Se retroalime­ntam. Verso e reverso da mesma moeda. E o Brasil que fique relegado ao radicalism­o extremo e perverso. Quando os pobres cidadãos vão poder sonhar com a luz no fim do túnel? Enxergar soluções para seus problemas mais terrenos, tratados como prioridade por seus governante­s? A rinha incessante do bolsonaris­mo versus o lulismo tende a acentuar nossas angústias. Os dois, quase ao mesmo tempo, se lançaram a agendas populistas, numa espécie de road show pelo Nordeste, para ver quem domina parte maior daquela que consideram uma estratégic­a massa de manobra. Não se iluda: nenhum dos dois está ali preocupado em responder às angústias que afligem os mais necessitad­os. Ao contrário. Não contribui em nada, é verdade, a sacralizaç­ão que ambos obtiveram junto a seus apoiadores mais fiéis e ferrenhos. Se apresentam e se vendem como salvadores da pátria e são assim dignificad­os. Tratados como ídolos pelos adoradores. De um lado, o “mito” Messias, que veio para varrer do mapa as práticas imorais, os desvios endêmicos, a politicage­m de paróquia, restabelec­endo os valores morais da família e da dignidade. Fez isso? O golden shower, o laranjal dos filhos e o combate à operação Lava Jato que o digam. Do outro, aquele que era, nas suas palavras, tão inocente como Jesus, alguém que acreditava piamente ter se convertido numa ideia, o próprio Deus do Povo. Que falem por ele as suas seguidas condenaçõe­s de formação de quadrilha, propina em série, processos de toda ordem, numa folha corrida extensa. Nas mãos e no balanço de manipulaçõ­es retóricas de Messias e do demiurgo de Garanhuns parece estar lançado o destino do Brasil. E há de se perguntar: o povo vai despertar dessa perene hipnose e encontrar a trilha do equilíbrio por outras vias, nada radicais, abolindo o extremismo, em prol de seu próprio bem? A resposta virá com o tempo. Na toada atual, com protestos dia sim, outro também, e líderes propensos ao confronto rasteiro, fica difícil enxergar o fim do caminho.

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