Invasão com o aval de Dudu
Ao apoiar a tomada da embaixada venezuelana, Eduardo Bolsonaro ampliou um incidente diplomático e aumentou seu rol de declarações antidemocráticas
Adiplomacia brasileira já foi exemplar. Deixou de sê-lo com intensa contribuição do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que nada tem com o Itamaraty, afora o desejo frustrado de assumir a embaixada brasileira em Washington. Dessa vez, Dudu, o filho 03 de Jair Bolsonaro, meteu os pés pelas mãos em um episódio de alcance internacional ao apoiar publicamente a ocupação temporária e ilegal da representação diplomática da Venezuela em
Brasília. Nada fora do roteiro irresponsável de quem já homenageou o torturador e assassino coronel Brilhante Ustra, afirmou que o STF poderia ser silenciado por soldados e defendeu a volta do AI-5, medida da ditadura militar que acabou com as garantias individuais e coletivas.
Desta vez, Eduardo emitiu declarações que prejudicaram a credibilidade brasileira justo no dia que seu pai presidente abriu, em Brasília, a 11ª Cúpula do Brics, formada por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Tudo começou por vota das 4h20 da manhã, a 4,3 quilômetros da sede da conferência econômica, quando um grupo de 20 venezuelanos e brasileiros apoiadores do opositor Juan Guaidó se apresentou na guarita da embaixada. O grupo forçou a entrada, ocupando a área por pouco mais de 12 horas. O clima esquentou já durante a manhã, quando militantes do PT, PSOL e PCdoB, simpáticos ao governo de Nicolás Maduro, chegaram em auxílio aos diplomatas e funcionários. A maioria deles se manteve neutra. Do lado de fora houve empurra-empurra e troca de socos entre alguns dos cerca de 100 envolvidos. Encarregado de fazer a segurança do setor de embaixadas, o Batalhão do Rio Branco da PM foi acionado e levou alguns detidos.
Enquanto diplomatas venezuelanos pediam ajuda, já que se consideravam vítimas de um ataque, Eduardo Bolsonaro postou em rede social que apoiava Maria Tereza Belandria como embaixadora. Ela foi nomeada por Juan Guaidó, mas não exer
ce função diplomática, vivendo nos EUA, onde compõe um gabinete de oposição reconhecido pelo Brasil. Entre os invasores estava José Gregorio Basante, ex-major que fugiu e denunciou um esquema de corrupção no exército venezuelano. Basante disse que o governo brasileiro os tratou como meros criminosos. Se fosse, ele teria ido para a cadeia — como prevê a lei. O Itamaraty negociou a saída do grupo sem punições e pela porta dos fundos.
TRATADOS INTERNACIONAIS
De início, o Itamaraty acreditou que uma parte dos diplomatas venezuelanos poderia ter mudado de lado. Ao perceber o erro, a Presidência negou qualquer participação e qualificou a invasão de “fatos desagradáveis”. Jair Bolsonaro repudiou a invasão, depois diminuiu um pouco o tom, classificando tudo como “interferência de atores externos”. Só que o filho 03 continuou: “Invasão é o que ocorre agora com os brasileiros esquerdistas querendo se intrometer”. Ele ignorou que entre os parceiros essenciais dos Brics, só o Brasil reconhece a eleição de Guaidó.
A postura de Eduardo Bolsonaro apavorou diplomatas brasileiros. Ainda que o último embaixador venezuelano, Alberto Castellár, tenha sido chamado de volta em 2016, em protesto pelo impeachment de Dilma Rousseff, e o governo Bolsonaro considere ilegítimo o ditador Maduro, embaixadas são consideradas territórios autônomos, de acordo com tratados internacionais. É dever do país-sede proteger esses locais. Ao permitir por algumas horas uma invasão que contou com o apoio do filho do presidente, o Brasil criou condições para uma represália de milícias bolivarianas na embaixada de Caracas. Em condição de anonimato, uma diplomata brasileira com passagem por três países latino-americanos e dois africanos afirmou à IstoÉ: “Parece que ninguém tem dimensão do estrago feito”.
“O apelo ao governo brasileiro é que garanta respeito à imunidade de nossa embaixada sob a Convenção de Viena. Esperamos que não se torne um precedente”
Yvan Gil, vice-ministro venezuelano das Relações Exteriores
No momento em que o Brasil atravessa um de seus mais graves períodos de radicalizações e extremismos, pretender a convocação de uma Assembleia Constituinte para resolver a questão da prisão em segunda instância é como sugerir a realização de um Fla-Flu em praça pública – só briga e pancadaria para todos os lados e nada de produtivo ao País. Por incrível que pareça, é isso o que quer o presidente do Senado, Davi Alcolumbre: não o Fla-Flu, mas a Constituinte. A mera hipótese de se discutir essa possibilidade já é, por si só, um absurdo descomunal, o que dizer então de sua efetiva proposta. Claro que a ideia, lançada na terça-feira 12, nasceu para sequer resistir, no quesito durabilidade, ao feriadão prolon
gado. E não é para menos, de tão estranha que se faz no universo político e jurídico.
Uma Assembleia Nacional Constituinte reflete, necessariamente, o momento histórico no qual ela é eleita e se realiza, e tal momento no Brasil de hoje levaria eventuais constituintes a se devorarem, uns aos outros, não em nome de altos ideais e do interesse público, mas, isso sim, em defesa de suas radicais posições ideológicas e de seus — mais radicais ainda - interesses pessoais e patrimonialistas. Tratar-se-ia de um abominável casuísmo.
Assessores de Alcolumbre acharam que ele estava brincando quando falou de Constituinte para decidir sobre prisão em segunda instância
IRONIA? QUEM DERA!
Nenhuma reunião parlamentar tem de demonstrar tão impecável funcionamento democrático como uma Assembleia Constituinte, uma vez que cada um de seus integrantes — juridicamente um “constituinte originário” que engendrará os demais “poderes derivados” — está investido do poder que lhe foi dado pelo povo para decidir sobre as regras que ordenarão o funcionamento social desse próprio povo. De tão impensável, a proposta de Alcolumbre chegou a ser considerada uma simples ironia por sua assessoria. Quem dera! Quando aqueles que lhe são próximos se deram conta, a coisa era séria e até já provocara justa reação contrária do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia. “Volta e meia, o debate da Constituinte vem à tona no Congresso. Se há novamente conflitos sobre a questão da prisão em segunda instância, quero trazer esse debate da Constituinte para esse momento importante da história”, disse Alcolumbre, sem dizer nada. “Redigir uma nova Constituição é uma sinalização ruim. Se esse assunto prosperar, vai gerar uma grande insegurança”, disse Maia, dizendo tudo.
Recentemente, o STF decidiu que o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) não se choca com o artigo 5º da Constituição Brasileira, uma vez que ambos falam em prisão somente após o “trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Como não cabe ao STF legislar, a Corte abriu então ao
Congresso a possibilidade de alterar a Constituição ou o CPP. Nas Casas Legislativas, é grande o receio de muitos parlamentares de que seus pares votem pelo início do cumprimento da pena a partir da segunda instância, e isso ocorre porque, igualmente grande, é o telhado de vidro de muitos deles. Toda a discussão, porém, acaba sendo inócua nesse instante. Uma Assembleia Constituinte só guarda sentido em momentos de rupturas institucionais, como foi, por exemplo, a que se realizou no período de redemocratização do Brasil, após o fim da ditadura militar. Dessa Constituinte nasceu em 1988 a atual Constituição Cidadã, prevendo, ela própria, que depois de cinco anos não mais poderia ser revisada pelo Congresso. Ou seja, desde 1993 não há como alterá-la em questões como o “trânsito em julgado”, a não ser por meio de PEC, o que dificilmente acontecerá porque teria de se obter três quintos dos votos na Câmara e no Senado, e, assim mesmo, em duas votações.
Em tese, uma PEC poderia então convocar uma Constituinte. Como já se disse, porém, tal Assembleia só seria possível na hipótese de ruptura institucional. A ideia de Alcolumbre é, assim, vazia. O Congresso Nacional pode, isso sim, modificar o artigo 283 do CPP, e fazê-lo ditar que a execução da pena terá início na segunda instância. Ficará ele, no entanto, em desconformidade com a Constituição -- e, então, novamente um mar de arguições de constitucionalidades desaguará no STF. Será uma história sem fim.
Bolsonaro cria um partido só para ele, sua família e os deputados oportunistas que o cercam: a “Aliança pelo Brasil”, uma agremiação de extrema-direita. Para viabilizá-la a tempo de disputar as eleições de 2020, o presidente ameaça tirar deputados e verbas do PSL
Opresidente Jair Bolsonaro nunca prezou a fidelidade a partido algum. Ele sempre utilizou as legendas partidárias como alguém que chupa uma laranja e depois joga o bagaço fora. Em 31 anos de carreira política, já trocou de partido oito vezes — uma a cada quatro anos —, e agora começa a estruturar o caminho para a nona experiência, desta vez uma organização de extrema-direita para enfrentar o PT de Lula. A última agremiação que ele usou apenas para atingir seus objetivos pessoais, o PSL, tomado de aluguel para se eleger presidente da República no ano passado, foi descartada por seu grupo familiar na última terça-feira 12, depois de meses de uma briga fratricida com Luciano Bivar, o presidente nacional da legenda.
O anúncio da debandada dos bolsonaristas do PSL foi feito após uma reunião de parte da bancada com o próprio presidente — em foto divulgada depois do encontro, contou-se a presença de 31 dos 53 deputados eleitos pelo partido no ano passado, que prometem subscrever a criação do novo partido, que vai abrigar o grupo rompido com os bivaristas. A “Aliança pelo Brasil”, que terá Bolsonaro como presidente, já tem manifesto de fundação divulgado e data para a primeira convenção: será no próximo dia 21, em um hotel de Brasília, de acordo com a deputada Carla Zambeli (PSL-SP), uma das porta-vozes do encontro com Bolsonaro na tarde de terçafeira no próprio Palácio do Planalto.
O novo partido, que se apresenta como conservador, inspira-se na Arena (Aliança Renovadora Nacional), criada em 1966 para dar sustentação ao regime militar, responsável por torturas e práticas ditatoriais, defendidas pelos bolsonaristas. A “Aliança” defende valores reacionários, populistas e personalistas, carregada de tons messiânicos, como o de dar um “novo rumo” ao Brasil. A principal meta da agremiação é servir de escada para Bolsonaro disputar a reeleição em 2022. Para isso, o grupo do presidente precisa conseguir 500 mil assinaturas até março do ano que vem. Para agilizar o processo, esse grupo contratou o advogado Admar Gonzaga, ex-ministro do TSE, que no passado também ajudou o exprefeito Gilberto Kassab a fundar o PSD em tempo recorde. O problema é que Bolsonaro quer levar, além dos 31 deputados, também as verbas do fundo partidário que eles carregam desde que foram eleitos. Para evitar que os dissidentes levem o dinheiro para a “Aliança”, Bivar contratou Henrique Neves, outro ex-ministro do TSE. Ele não quer permitir a sangria dos recursos públicos que detém. O grupo de Bivar pretende, inclusive, acusar os dissidentes de infiéis, tomando-lhes até mesmo seus mandatos. Por essa razão, o time de Bolsonaro ficará no PSL até que a nova legenda seja criada.
Enquanto a “Aliança pelo Brasil” não é legalmente constituída, os bolsonaristas estão formalizando o seu estatuto, que pretende bater de frente com o lulismo. O partido, que será o 36º da política brasileira, pregará “o resgate de um país massacrado pela corrupção e pela degradação moral contra as boas práticas e os bons costumes”. O presidente pretende colocar militares nas presidências estaduais da nova legenda.
TUDO POR DINHEIRO
O grupo bolsonarista começou a ficar desconfortável no PSL quando descobriu que o partido tinha um fundo partidário milionário (R$ 150 milhões anuais) e um fundo eleitoral maior ainda (R$ 500 milhões), dinheiro que estava sob controle de Bivar. Tentou de todas as formas colocar as mãos no dinheiro.
Bivar resistiu. Foi aí que Bolsonaro soltou a frase que foi a senha para o rompimento: “Bivar está queimado para caramba”, referindo-se ao episódio do laranjal do Pernambuco no qual estava envolvido o dirigente partidário. Uma semana depois, a PF fez uma operação na casa de Bivar, procurando provas que o incriminassem. Na briga, Bolsonaro destituiu o deputado Delegado Waldir da liderança do PSL na Câmara, colocando seu filho Eduardo no lugar, depois de oferecer cargos públicos para parte dos deputados pesselistas. A guerra levou Waldir a chamar Bolsonaro de “vagabundo”. Na sequência, o presidente dispensou a deputada Joice Hasselmann do cargo de líder no Congresso, acusada de “traidora” e de aliada do governador João Doria. Estava ali desenhada a estratégia de Bolsonaro para estruturar um partido para chamar de seu.