O fator Bloomberg
Entrada do bilionário na corrida presidencial americana representa mais um sintoma da crise no Partido Democrata do que um trunfo para vencer as próximas eleições
Oconturbado cenário eleitoral americano deve sofrer uma reviravolta com o anunciado ingresso do milionário Michael Bloomberg para disputar a Presidência pelo Partido Democrata. O tycoon da mídia deu mais um passo para oficializar sua candidatura ao se registrar para as primárias de Arkansas e Alabama. Apesar das prévias nesses estados acontecerem apenas em março do próximo ano, o registro prévio, que se encerrava nos últimos dias, forçou o empresário a revelar sua real disposição de entrar na corrida — as eleições americanas ocorrem em novembro de 2020.
Enquanto o republicano Donald Trump luta para não ter sua pretensão reeleitoral comprometida por um processo de impeachment cada vez mais grave e ruidoso, Bloomberg pode representar um fator disruptivo no lado democrata. Ele será o décimo oitavo candidato da legenda. A campanha do partido é marcada não apenas pelo alto número de oponentes, mas também por uma tendência de radicalização nas suas bandeiras — mais à esquerda do que o eleitor médio está acostumado. Nesse campo, os melhores colocados são Elizabeth Warren, senadora por Massachusetts, e Bernie Sanders, senador por Vermont.
Ambos propõem a eliminação do seguro saúde privado, e sua substituição por um sistema universal — como ocorre no Canadá e vários países europeus. Esse é um tema tabu nos EUA. No passado recente, até o popular Barack Obama sofreu um enorme desgaste em sua gestão ao propor uma solução bem menos ambiciosa. Os dois senadores não apenas querem revolucionar o serviço médico, mas propõem um grande aumento de impostos para esse fim. Sanders, que se declara socialista e é muito popular entre os jovens, vai além. Ele quer eliminar as dívidas universitárias de 45 milhões de estudantes. Os US$ 2,2 trilhões necessários para isso viriam com um imposto sobre as transições financeiras.
ARRECADAÇÃO
A escalada nas taxas, também abraçada por Warren, é outro sacrilégio para a cultura política americana. Os dois parlamentares também consideram que os gigantes tecnológicos — Facebook, Google, Apple e Amazon — ameaçam a privacidade e representam um monopólio nocivo, por isso devem ser divididos em companhias menores. Plataformas como as descritas acima fizeram os dois políticos veteranos avançarem em arrecadações no cenário préeleitoral. Sanders já conquistou US$ 61,5 milhões em contribuições individuais, 24% a mais do que Warren. Já o ex-vice-presidente Joseph Biden, principal nome no campo moderado e líder entre os democratas, com 26% das intenções, arrecadou até o momento menos de US$ 40 milhões.
Bloomberg, um ex-republicano que esteve à frente de três gestões bem-sucedidas como prefeito de Nova York, fortalece e ao mesmo tempo embaralha esse debate. É um candidato mais palatável em um partido dominado por uma agenda popular entre os militantes, mas muito radical para agradar o americano médio. Entra para ocupar o mesmo espaço de Biden, também identificado com o campo centrista e mais favorável à elite empresarial e financeira do país — ambos, afinal, representam o establishment. Mas isso não garante que consiga reunir a maioria da legenda. O bilionário tem visões progressistas em temas como meio ambiente e controle de armas, porém defendeu um aperto na segurança pública que afetou principalmente os negros — uma base eleitoral importante para os democratas. Sua companhia de mídia já foi questionada no passado pela forma como encarava os direitos femininos — e o voto das mulheres será determinante no próximo pleito. Além disso, Bloomberg é muito associado com Nova York. Como ponto a favor, tem a capacidade financeira de bancar a própria campanha. No partido, a guerra já começou. Warren divulgou em sua rede que o empresário, cuja fortuna pessoal é avaliada em US$ 51 bilhões, é “apenas mais um exemplo dos ricos tentando chegar ao governo para trabalhar para eles mesmos”.
A entrada do magnata na disputa representa mais um sintoma da crise no Partido Democrata do que um trunfo para vencer as próximas eleições. No final, a fragmentação nesse polo pode fornecer exatamente o que o encrencado Trump espera: uma oportunidade para continuar sua agenda populista em um cenário ainda fortemente polarizado. Nesse caso, o mundo ficaria mais quatro anos à mercê de um líder que está conseguindo minar as democracias liberais e enfraquecer a autoridade econômica e moral dos EUA no mundo — exatamente o oposto do que ele sempre anunciou que faria.
Cenário polarizado nos Estados Unidos dificulta a consolidação de um candidato moderado no Partido Democrata