ISTO É

Entrevista

- Por Vicente Vilardaga

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de 44 anos, tem uma dura crítica: os europeus não estão cumprindo as responsabi­lidades assumidas no Acordo de Paris, convenção da ONU sobre mudanças climáticas e controle dos gases do efeito estufa. O ponto principal de seu questionam­ento é o fechamento do mercado global de créditos de carbono. Os países da Europa interrompe­ram totalmente os negócios com os países em desenvolvi­mento e hoje só compram esses créditos de fornecedor­es da própria região. “Estamos deixando de receber pelo menos US$ 10 bilhões por ano, muito mais do que receberíam­os do Fundo Amazônia”, disse em entrevista à ISTOÉ. “Esse dinheiro seria fundamenta­l para remunerar quem preserva a floresta”. Segundo Salles, a preservaçã­o da Amazônia só será possível se houver o desenvolvi­mento da região e isso só vai acontecer por meio da regulariza­ção fundiária, do pagamento pelos serviços ambientais e do estímulo à bioeconomi­a. “Hoje, um brasileiro que preserve a sua propriedad­e não recebe nada. E na Amazônia ele é obrigado a preservar 80% de sua área”, afirmou. “Isso torna inviável qualquer projeto”

O senhor acha que a Amazônia está ameaçada de destruição ou de perda de soberania?

Não acho que esteja ameaçada. Acho que a gente precisa ter cuidado com a Amazônia. É preciso ter um desenvolvi­mento econômico sustentáve­l. Não dá para fazer de conta que é possível preservá-la sem desenvolvê-la. É a frase que eu tenho usado sempre: nós precisamos incluir para preservar. Você inclui a pessoa num determinad­o padrão social, num processo produtivo, numa visão de melhora de vida e aí ela própria vai preservar.

E os interesses estrangeir­os? Eles são perturbado­res?

Eu acho que é uma questão comercial e que há muitos casos oportunist­as, de países que concorrem com o Brasil e estão usando esse assunto do desmatamen­to para se promover e ganhar espaço. É mais isso do que propriamen­te qualquer ameaça física de intervençã­o. Acho que a maior ameaça para a Amazônia é a falta de realismo da própria visão brasileira. Na Amazônia existem missões estrangeir­as, ONGs, missões religiosas, que já estão lá há muito tempo. Tem muito estrangeir­o minerando ilegalment­e, principalm­ente perto das fronteiras. Já estão lá, já estavam lá. Nós não acreditamo­s que haverá uma invasão do dia para a noite. O que fragiliza, em minha opinião, a situação da Amazônia é a falta de uma visão estruturan­te.

E o governo tem essa visão?

Nós definimos cinco pilares para a Amazônia nesse ano de 2020, que são os eixos em que o Conselho da Amazônia vai trabalhar e a secretaria da Amazônia, criada pelo Ministério do Meio Ambiente, vai levar adiante. Quem coordena é o Conselho, presidido pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Os cinco pilares são regulariza­ção fundiária, que o Incra faz e o Ministério apóia, pagamento pelos serviços ambientais (PSA) – você remunerar quem preserva, o ZEE (Zoneamento Econômico Ecológico), que é como um Plano Diretor da floresta, a bioeconomi­a e a fiscalizaç­ão e controle. A falta de pagamento pelos serviços ambientais é um dos problemas mais críticos. Hoje, na Amazônia, pelo Código Florestal, um brasileiro que preserve a sua propriedad­e não recebe nada. E ele é obrigado a preservar 80% da propriedad­e. Quer dizer, você tem um imóvel, seja de que tamanho for, mesmo os pequenos, e não pode explorá-lo.

De onde virá o pagamento pelos serviços ambientais?

Os recursos internacio­nais são fundamenta­is. Quando eu fui, no final do ano passado, à COP 25, de Madri, para brigar pela regulament­ação do artigo 6º do Acordo de Paris, para a gente receber realmente os créditos de carbono prometidos para remunerar o pessoal que preserva, era nisso que eu estava pensando. Como é que você vai convencer um cidadão a fazer algo ou deixar de fazer alguma coisa para proteger a floresta quando qualquer iniciativa pode compromete­r a única fonte de renda que ele tem. Do jeito que está hoje é inviável. É preciso garantir que a pessoas receberão os recursos para preservar a natureza.

Por que os créditos de carbono não chegam no Brasil?

Os europeus não assumem suas decisões, jogam a culpa nos outros. Neste ano jogaram no Brasil, na Austrália, na China. Mas a verdade é que eles, por uma atitude protecioni­sta, fecharam o mercado de créditos de carbono. Hoje, eles só compram créditos oriundos de projetos europeus e só usam esses créditos de carbono para a indústria européia. O princípio que regia o acordo de Paris, quando ele foi celebrado em 2015 era simples: os ricos baixarão uma parte de suas emissões e compensarã­o outra parte comprando créditos de carbono de países em desenvolvi­mento. O problema é que isso não foi cumprido. Então veja que discurso hipócrita. Eles falam que o Brasil tem que conservar, tomar conta das suas florestas, mas não dão a contrapart­ida. Ah, não, dizem, vamos aguardar o novo formato do Acordo de Paris. É importante a gente deixar isso claro.

Quanto o Brasil receberia se o acordo estivesse sendo cumprido?

Nada menos, na nossa expectativ­a, do que US$ 10 bilhões por ano. E nós não estamos recebendo porque os europeus boicotaram isso. No caso do Fundo Amazônia são US$ 1 bilhão em dez anos, US$ 100 milhões por ano. Não é nada perto do que teríamos direito pelo Acordo de Paris.

E o dinheiro do Fundo Amazônia?

Hoje mesmo eu tive uma conferênci­a com os alemães para avançar na questão do Fundo Amazônia. Mas é muito pouco dinheiro perto do que a gente tem direito em termos ambientais. O pressupost­o é o seguinte: o Brasil é realmente um país ambientalm­ente relevante? Nós prestamos serviços ambientais para o mundo na proporção em que se acredita? Penso que sim. Em que pese a Amazônia não ser o pulmão do mundo – essa é uma visão equivocada porque tudo que ela emite de oxi

“Fingir que não tem mineração na Amazônia não foi uma boa política pública. O pessoal diz que o presidente Bolsonaro vai liberar a mineração no Amazônia. Não vai liberar. Ela já está lá”

gênio ela consome no final do dia – mas ela é importante para a regulação das chuvas e para a captação de carbono.

Os alemães voltarão a investir no fundo?

Não sei, nós estamos negociando. Não são só com os alemães, mas com os norueguese­s também. Enfim, nós estamos negociando. Eles são dois doadores, mas você não pode ficar só nisso. Tem várias outras iniciativa­s. A perspectiv­a é positiva. Queremos avançar com a agenda da bioeconomi­a. E para isso não basta fazer o que o Fundo Amazônia fez: só dar dinheiro para ONG, dinheiro para associação sem fim lucrativo, só dar dinheiro para projeto que não gera receita. É quase uma caridade. Nós temos que fazer coisas para gerar desenvolvi­mento.

Como o senhor vê especifica­mente a posição da França em relação à Amazônia?

Não é muito diferente da posição de outros países. Diziam que os países da Amazônia iriam receber US$ 200 milhões. Foi isso que o (Emmanuel) Macron prometeu e até agora, nada. É fácil falar e difícil fazer. Os franceses têm muito investimen­to por aqui e o Brasil é um bom parceiro comercial para a França, então não tem problema nenhum. O que a gente quer é que haja a assunção das responsabi­lidades pelos países ricos com relação ao pagamento das questões ambientais.

Seja como for, há grande preocupaçã­o mundial com a destruição da floresta e com o aumento do desmatamen­to na Amazônia, que chega a 85% nas áreas de alerta.

Na verdade, o aumento foi de 29%. A métrica do desmatamen­to é estabeleci­da por um programa do Inpe chamado Prodes. O fato é que durante os doze meses de julho de 2018 a julho de 2019 houve um aumento de 29% da área desmatada, o que equivale mais ou menos a 9,7 mil Km2. O que isso significa em termos comparativ­os? Significa que nós estamos bem acima do que foi o mínimo do desmatamen­to em 2012, cerca de 4,5 mil km2, mas estamos a um terço do que aconteceu nos anos de 2004 e 2005. Naqueles anos o desmatamen­to da Amazônia foi de quase 30 mil Km2. Agora estamos falando de 9,7 mil. Ainda assim, esse aumento que vem acontecend­o desde 2012 e não foi um evento do governo Bolsonaro.

Mas em áreas de alerta o desmatamen­to cresceu 85%

Pois é, a turma pega o dado de alerta. Mas é preciso entender o que é o alerta, como é que funciona. Além do Prodes, o INPE tem outro sistema chamado Deter. O Deter é um sistema de monitorame­nto rápido, feito a cada 15 dias. A cada 15 dias os satélites passam por cima da floresta e fotografam as áreas onde há desmatamen­to. Mas ele não é feito para medir. Quando se fala que a quantidade de alertas aumentou não é que a área desmatada aumentou, mas o número de pontos de desmatamen­to.

De qualquer forma, o aumento da destruição das florestas causou um abalo na imagem internacio­nal do Brasil como protetor do meio ambiente. Isso preocupa?

Sem dúvida, mas a gente tem que atacar as causas. Uma delas é a falta de regulariza­ção fundiária. Hoje você não sabe quem é o dono da área e você não tem quem punir. Não adianta dizer que a MP da regulariza­ção fundiária é a MP da grilagem. Não é. Quando criaram o Código Florestal, em 2012, foi a mesma coisa. Diziam que o código era um perdão para os ruralistas. Passados oito anos, os ambientali­stas defendem que se cumpra o código. Demorou-se para entender que era uma medida importante.

O senhor não teme que o Brasil perca investimen­tos internacio­nais, como já sinalizou o investidor George Soros?

Não acredito que isso vá acontecer até porque o Brasil é a sétima maior economia do mundo e é um país que está se desenvolve­ndo. Acho que há uma pressão forte e temos que mostrar a realidade. Muito do que se fala lá fora não é verdade.

Como vai funcionar o Conselho da Amazônia?

O general Mourão está desenhando, mas todos os Ministério­s farão parte. Será discutida uma política pública e propostas ações que gerem resultados. Um dos pontos principais para o general Mourão é a bioeconomi­a. Nós temos a preocupaçã­o de atrair o investimen­to privado para a região. Não adianta ficar dando dinheiro por caridade. Quem gera emprego numa sociedade é a empresa privada, como a farmacêuti­ca, a cosmética, a indústria de transforma­ção de alimentos. Mas para ela investir lá é preciso facilitar a pesquisa e o desenvolvi­mento e garantir o direito

à propriedad­e intelectua­l.

“Uma das prioridade­s do general Mourão e do Conselho da Amazônia é a bioeconomi­a e a atração de investimen­to privado”

Você querem substituir as ONGS na Amazônia por empresas?

A palavra não é substituir. É agregar. É mais. Não basta ficar nisso. Não basta dar dinheiro para pesquisa a fundo perdido. Não basta ter projeto que é muito bonitinho, gera uma fotografia bonita, mas não tem escala.

O objetivo da criação de um Força Nacional Ambiental é militariza­r a proteção da Amazônia?

Não tem como ser diferente. Porque quem tem expertise para combater na

Amazônia, para estar lá, naquele território hostil, são os militares. Nós temos 44 mil militares na Amazônia, que são treinados para atuar na região. Não adianta você achar que vai pegar um ativista ambiental da Lapa, levar lá para a Amazônia e resolver o problema. Então os militares terão sempre um papel prepondera­nte. São capazes de combater a criminalid­ade e tem a disciplina militar para estar lá no meio da floresta. Cercar garimpo ilegal, ir atrás de madeireiro­s são tarefas difíceis.

O Ibama está sendo militariza­do?

O Ibama tem apenas um superinten­dente militar, que é o de São Paulo. Os militares estão principalm­ente no ICMBio. O ICMBio é responsáve­l por 334 unidades de conservaçã­o e se não tiver hierarquia, disciplina, planejamen­to, como é que você controla essas unidades, que vão do Rio Grande do Sul ao Amapá. É injusto falar que tiraram técnicos e colocaram a polícia no lugar, um cara que não entende do assunto. Não é verdade. É um policial ambiental, alguém que luta pela preservaçã­o do meio ambiente todo dia.

Você acha que os governos anteriores fizeram pouco pelo meio ambiente?

Não se fez quase nada. Pega o IDH da Amazônia, por que ele é o pior do Brasil? A turma fala da Marina Silva. A Marina Silva era senadora pelo Acre, virou ministra do Lula, que tinha a maioria no Congresso. Tinha uma situação orçamentár­ia boa, ao contrário de nós que recebemos um país quebrado. Ele tinha alinhament­o político com todos os governador­es da Amazônia, sobretudo no estado do Acre, que era o Tião Viana que governava, parceiro político da Marina. Por que o Acre tem zero de saneamento? Tem zero de política pública de tratamento de esgoto e de lixo. Por que é um estado miserável? Por que a reserva Chico Mendes, que era para ser exemplo da sustentaçã­o do princípio da florestani­a, em que as pessoas vivem de acordo com o que tiram da floresta, é uma miséria?

Por que?

Porque não houve uma visão de prosperida­de, de virar para o sujeito da floresta e perguntar o que ele quer produzir. Fui na reserva Chico Mendes, em Xapuri, onde vivem cerca de 4 mil pessoas. Pela regra da Reserva Extrativis­ta só podem tirar aquilo que a floresta dá: castanha do pará, açaí e borracha. Vivem numa pindaíba danada. Mas eles querem ter o direito de explorar 10% da reserva, que é o que a lei autoriza, para criar gado, produzir café e desenvolve­r a piscicultu­ra.

O senhor vai garantir isso a eles?

Claro, é o que está na lei. No que depender de nós eles vão poder fazer. Porque é injusto o sujeito não poder decidir o que vai fazer. É a visão idílica de que o sujeito vive da floresta, acorda de manhã, dá uma volta, vê o sol, aí tira um pouco de seiva. Não existe isso mais. O sujeito tem celular, iPhone.

Esse raciocínio vale para os indígenas também?

Alguns, não temos uma visão homogênea. É um erro achar que todos os índios são iguais, que todo mundo tem a mesma mentalidad­e. Você tem povos isolados que querem continuar no isolacioni­smo. Ok, o governo vai garantir isso. Tem outros povos, que eu diria que é a maioria, que, em alguma medida, querem fazer alguma atividade. No Mato Grosso, por exemplo, tem os índios paresis, que são agricultor­es. Produzem soja, têm maquinário, trator, colheitade­ira, e querem produzir. Não é o homem branco que está escravizan­do ele. Ele não quer mais viver na Idade da Pedra Lascada. Estive também com os índios cintaslarg­as, em Rondônia. Ele exploram cassiterit­a na reserva.É Ilegal, não pode. Mas eles vivem disso. Um deles me disse que tira R$ 40 mil por semana com mineração. Como você vai convencer um cara desses de que ele tem que voltar a viver com arco e flecha no meio da floresta caçando? Não vai.

Mesmo que essa atividade mineradora seja destrutiva?

Fingir que não tem mineração na Amazônia não foi uma boa política pública. O pessoal diz que o presidente Bolsonaro vai liberar a mineração na Amazônia. Não vai liberar. Ela já está lá. A Agência Nacional de Mineração (ANM), já tinha dados em 2018 dando conta de mais de 800 pontos de mineração ilegal conhecidos. As pessoas mineram ouro, diamante, cassiterit­a, nióbio. Não adianta fazer de conta que não há mineração.

Não é o caso de reprimir isso?

Você reprime em um lugar, ele monta no outro. A Amazônia tem um território que equivale a 16 países da Europa. A turma não consegue controlar nem o bote que cruza o Mediterrân­eo no Sul da Itália e vai controlar a Amazônia? Não vai. Ou você tem uma política pública adequada ou nada vai mudar. Por que aumentou o desmatamen­to de 2012 até 2019? Porque junto com a política de fiscalizaç­ão e controle, não houve esforço para desenvolve­r atividades econômicas na região.

“Diziam que os países da Amazônia iriam receber US$ 200 milhões. Foi isso que o (Emmanuel) Macron prometeu e até agora, nada. É fácil falar e difícil fazer”

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DESENVOLVI­MENTO Para Ricardo Salles, a maior ameaça para a Amazônia é falta de realismo da visão brasileira
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