ISTO É

A POLARIZAçã­O NOS EUA E NO BRASIL

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Donald Trump acaba de escapar de um processo de impeachmen­t e comemora índices inéditos de popularida­de. Com a economia em expansão, está perto de conquistar a reeleição. Para os analistas que ainda estavam desnortead­os com a sua chegada à Casa Branca, o caminho aberto para um novo mandato aumenta o mistério do “fenômeno Trump”, o presidente mais improvável e disfuncion­al da história do país. Mas um livro recém-lançado nos EUA demonstra que a eleição do americano não teve nada de excepciona­l. Analisando o eleitorado por vários estratos, a obra constata que Trump repetiu o mesmo padrão das últimas eleições. Nem mesmo representa um extremismo estranho à tradição política do país. A própria polarizaçã­o apenas retoma um padrão que havia sido atenuado no século XX, e retornou com o movimento dos direitos civis. Porém, em Why We’re Polarized, Ezra Klein, ex-colunista do Washington Post e cofundador do site jornalísti­co Vox, avalia que os americanos estão cada vez mais presos a identidade­s políticas. E elas se caracteriz­am mais pela luta contra os opostos do que pela defesa de ideias.

A fissura na política americana tem a ver com uma mudança partidária que é facilmente vista na atual campanha. Um Partido Republican­o capturado pelo mandatário, e uma oposição que patina em busca de uma liderança — pinçada na diversidad­e. Quem mudou mesmo foi o

Partido Republican­o: cada vez mais conservado­r, não permite vozes dissonante­s e expeliu todos os que não aderiram a determinad­as causas. Os americanos estão presos em uma armadilha, em uma guerra política — sem fim à vista.

O livro não permite uma comparação direta com o Brasil. Mas traduz uma realidade bem familiar por aqui: as pessoas cada vez mais se agrupam em tribos, que são potenciali­zadas pelas redes sociais e pelo enfraqueci­mento da imprensa. Aqui também há polarizaçã­o, com identidade­s políticas encastelad­as

Como acontece nos EUA, os brasileiro­s se agrupam em tribos, potenciali­zadas pelas redes sociais e pelo enfraqueci­mento da imprensa

energizada­s pelos ataques virulentos. Fazendo uma analogia com o trabalho de Klein, deve-se perguntar se Jair Bolsonaro é realmente um fenômeno atípico. Achar que ele emplacará teses fascistas é tão sem sentido como considerar que a sociedade estava fechada com o projeto hegemônico petista. Entender e fortalecer a democracia não é um processo fácil, nem rápido. Mas é básico para mudar a narrativa ligeira de que ocorreu um fenômeno destruidor em uma história que já estava escrita. Não estava, e compreende­r isso é construir o futuro fora dos extremismo­s.

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