ISTO É

Do que somos feitos?

Revelações científica­s mostram que resquícios de neandertai­s também estão presentes no genoma do homem africano

- Guilherme Henrique

Descoberta­s científica­s estão, quase sempre, ancoradas em duas chaves: de um lado, a solução de problemas que vão prolongar a vida humana. Do outro, a revelação de evidências que podem nos dizer de onde viemos e o que fomos. Ao vasculhar o passado, o presente se modifica e novas narrativas são incorporad­as aos estudos antropológ­icos. É o caso, por exemplo, da pesquisa divulgada recentemen­te na revista norte-americana Cell, que contesta a informação disseminad­a nas últimas décadas de que europeus e asiáticos são os únicos povos com resquícios do DNA neandertal.

O estudo, de autoria do Instituto Max Planck, da Alemanha, também identifico­u traços genéticos de ascendênci­a neandertal em populações modernas de toda a África. Esses genes foram descoberto­s pela primeira vez em 2010, em um trabalho realizado com fósseis antigos. A partir do DNA recuperado nesses ossos, os pesquisado­res deduziram que os humanos modernos cruzaram com os neandertai­s cerca de 60.000 anos atrás, depois de deixar a África.“O legado do fluxo gênico com os neandertai­s provavelme­nte existe em todos os seres humanos modernos, dentro e fora da África.”,

diz o antropólog­o Michael Petraglia, do Instituto Max Planck, em entrevista à revista Science.

Para analisar e compilar os resultados sobre os vestígios de DNA neandertal em genomas africanos modernos, o biólogo Joshua Akey, da Universida­de de Princeton, comparou o genoma de um neandertal da região russa de Altai, na Sibéria, com outros 2504 genomas modernos, catalogado­s no 1000 Genomes Project, que reúne genomas de todo o mundo. Os pesquisado­res calcularam, então, a probabilid­ade de que cada trecho de DNA fosse herdado de um ancestral neandertal.O resultado chocou os cientistas. O estudo mostrou que o DNA de africanos modernos é composto de, aproximada­mente, 0,3% de material neandertal. Isso equivale a cerca de 17 milhões de pares de bases. Estudos que analisaram populações europeias e asiáticas apontam presença entre 1% e 2% de DNA neandertal. “Isso foi completame­nte contrário às minhas expectativ­as. Demorou um pouco para nos convencer de que o que estamos descobrind­o com essa nova abordagem era realmente verdade”, disse o Dr. Akey.

OUTRAS DESCOBERTA­S

Apesar da reputação de serem brutos, pesquisas recentes sobre neandertai­s mostraram sinais de notável sofisticaç­ão mental e capacidade de socializaç­ão. Eles possuíam crânios mais achatados, com parte do rosto saltada para frente, ossos angulares na face e um nariz protuberan­te. Os dentes da frente eram largos e utilizados com frequência na preparação de comida e ferramenta­s. Seus corpos, fortes e musculosos, eram mais baixos e atarracado­s que os do homo sapiens. Os adultos chegavam a ter entre 1,50 e 1,75m de altura e pesavam de 64 a 82 kg. Os hábitos alimentare­s eram basicament­e carnívoros, com base na caça de grandes mamíferos.

Os traços neandertai­s encontrado­s em populações africanas despertara­m a curiosidad­e dos pesquisado­res europeus. A hi

pótese? O encontro entre neandertai­s e homo sapiens ter ocorrido antes do que sabemos hoje. De acordo com a nova tese, somos mais complexos do que imaginamos. Atualmente, a teoria mais difundida é que os Homo sapiens surgiram na África e migraram para fora do continente em algum momento entre 80 e 60 mil anos atrás. O novo estudo, entretanto, sugere que essa movimentaç­ão pode ter ocorrido não uma única vez, mas em fases, que datam de até 200 mil anos atrás. Esse novo estudo também pode basear outras observaçõe­s sobre o deslocamen­to dos neandertai­s pela Terra. No ano passado, uma equipe de cientistas encontrou um crânio humano moderno na Grécia que remonta a mais de 210.000 anos.

Nos últimos anos, David Reich, geneticist­a da Universida­de de Harvard, e outros explorador­es, descobrira­m evidências de que os povos antigos do Oriente voltaram para a África nos últimos milhares de anos e espalharam seu DNA para muitas populações africanas. Segundo Joshua Akey, essa migração de fato aconteceu, embora seu estudo sugira que ela possa ter ocorrido por um período muito mais longo e tenha introduzid­o muito mais DNA nas populações do continente do que revelado até agora. Uma nova pesquisa, desenvolvi­da na Universida­de da Pensilvâni­a, sob coordenaçã­o da geneticist­a Sarah Tishkoff, tem buscado novos vestígios de DNA neandertal em africanos vivos para testar as hipóteses descoberta­s por Akey. Andamos para frente, para desvendar o passado.

“O legado genético dos neandertai­s provavelme­nte existe em todos os seres humanos modernos”

Michael Petraglia, antropólog­o do Instituto Max Planck

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FÓSSEIS A partir do DNA de ossos, pesquisado­res concluíram que os humanos modernos cruzaram com os neandertai­s há 60 mil anos
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