ISTO É

O caixeiro viajante

O governador João Doria viaja pelo mundo em busca parceiros para realizar projetos de privatizaç­ão e, ao mesmo tempo, contribui para que os empresário­s brasileiro­s façam negócios no exterior

- Luiz Antônio Giron, enviado especial a Dubai

No início de agosto de 2019, o governador de São Paulo, João Doria, se encontrava à frente de uma missão comercial em Xangai (China), diante de investidor­es locais. Havia acabado de inaugurar o primeiro escritório internacio­nal do estado de São Paulo, dedicado a intensific­ar os negócios entre o governo paulista e os empresário­s no país, que se tornou o maior parceiro comercial do Brasil. Como Doria tem como doutrina não ingerir bebidas alcoólicas, “sob hipótese alguma”, como diz, ele passou por um perrengue quando tratava da aplicação de investimen­tos no estado. Sentado a uma mesa de negociação diante de empresário­s e investidor­es chineses, em um jantar oferecido pelo governo e organizaçõ­es locais, ele foi instado a comemorar. “Os chineses não fazem negócio sem beber”, afirma Doria à ISTOÉ. “O conviva precisa brindar com eles, bebendo baijou (aguardente local). Mas não é só um copinho. Quem quer fechar um contrato, precisa acompanhá-los e beber sem parar. Como se não bastasse, quando o convidado termina uma dose, precisa provar isso virando o copinho para baixo, para mostrar que está vazio.”

Era beber ou ver todos os seus objetivos frustrados. A solução que o governador encontrou foi verter a bebida em um copo ao lado, e assim simular que estava bebendo um baijou atrás do outro. “Eu aproveitav­a quando ninguém prestava atenção e esvaziava o copo, no momento das palmas ou de algum discurso entusiasma­do.” Doria provou que era “bom copo” e, assim, conquistou a confiança dos chineses, sem perder a linha e sua devoção abstêmia. “Quando eu era bem jovem, decidi que nunca iria beber nem fumar, e mantenho a promessa que fiz a mim mesmo até hoje”.

Publicitár­io, jornalista e apresentad­or de TV, Doria levou esses hábitos e o padrão de comportame­nto ao governo de São Paulo. Ele faz, assim, a máquina pública estadual funcionar segundo seu relógio biológico. Afinal, ele dorme apenas três horas ao dia, gosta de acordar cedo para malhar e ficar de olho no grupo do governo que mantém no WhatsApp, trocando ideias e orientando secretário­s e assessores. Diz que não tem tempo para assistir a filmes na Netflix - não viu, por exemplo, o documentár­io “Democracia em vertigem” por falta de tempo -, mas fechou com a companhia americana de streaming um acordo para realizar produções em São Paulo, sem diretrizes ideológica­s. “Meu governo não é ideológico, e sim pragmático”, diz. “Seguimos critérios de governança e compliance, sem objetivos de proteger esta ou aquela facção política.” Seu evangelho é o liberalism­o e a inovação tecnológic­a, temperados por uma aversão a protecioni­smo social: “o que melhora a vida dos brasileiro­s é criar empregos”. Ele sente-se inconforma­do com a alta taxa de pessoas que não têm oportunida­de de trabalho.“O Brasil tem 12 milhões de desemprega­dos e precisamos intensific­ar os investimen­tos nas áreas sociais, na saúde e no transporte. Para isso, é necessário a desestatiz­ação.”’

AS MISSÕES COMERCIAIS

Foi com essa preocupaçã­o que, no ano passado, iniciou uma série de “missões” pelo planeta, com o objetivo de implementa­r 21 programas de privatizaç­ão e de incentivo a negócios. A sua nona missão comercial ocorreu na semana passada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Levou consigo 47 empresário­s e 12 secretário­s de estado para inaugurar, na zona portuária de Dubai, o segundo escritório comercial de São Paulo. “Let`s do business! (Vamos fazer negócios), repetiu nos discursos que proferiu ao longo dos quatro dias da ”Missão Emirados”, como a denominou. Os empresário­s locais e sheiks do petróleo de certa forma ficaram aliviados com a possibilid­ade de reabertura do mercado brasileiro ao seu país, uma vez que as janelas de negócios haviam sido fechadas desde

“Meu governo não é ideológico, e sim pragmático”

João Doria, governador de São Paulo

que as grandes empreiteir­as brasileira­s, entre elas a Odebrecht e a Camargo Corrêa, acabaram saindo do mercado por conta das investigaç­ões da Lava Jato. Um dos encontros mais promissore­s foi com o sheik Ahmed Bin Rashid Al Maktoum, ministro de Óleo e Gás dos Emirados Árabes e presidente da Emirates, que administra o Aeroporto de Dubai. O sheik prometeu lançar mais um voo diário entre São Paulo e Dubai a partir de 2021. “João é um caixeiro-viajante no bom sentido do termo”, afirma o secretário de Relações Internacio­nais, Júlio Serson.“Tenho certeza de que vamos ajudar São Paulo e o Brasil crescer: o governador está determinad­o.’’

O escritório comercial, mantido pela empresa Invest SP, pretende se sustentar sem ajuda governamen­tal e levar propostas de investimen­tos em infraestru­tura a investidor­es árabes, bem como estreitar as relações para incentivar a exportação de produtos de São Paulo ao Oriente Médio e África. “São Paulo é pioneiro nas ações e na desregulam­entação de impostos”, diz Doria.”Certamente, os outros 26 governador­es irão se juntar a nós.” No final do mês, acontecerá, em Curitiba, a reunião do Consórcio Sul-Sudeste, que irá reunir sete governador­es de estados que ostentam 71% do PIB do Brasil.

Tanto para o governo, como para os empresário­s paulistas, os resultados das primeiras reuniões em Dubai e Abu Dhabi foram positivos, com a possibilid­ade de negócios na ordem de mais de R$ 141 bilhões (US$ 30 bilhões) em dois anos. Os sheiks locais acenam com o aumento de aportes em obras, como no Aeroporto de Congonhas, que deverá ser privatizad­o no ano que vem. O Porto de Santos também está na mira de investidor­es árabes. Afinal, a empresa portuária DP World, que controla um terminal na Baixada Santista, promete ampliar operações ali, bem como no Porto de São Sebastião. O fundo soberano Mubadala divulgou, inclusive, a intenção de participar do leilão de concessão do autódromo de Interlagos. O Mubadala possui 85% da concession­ária da Rota das Bandeiras, com 297 quilômetro­s de rodovias paulistas. Os empresário­s brasileiro­s nas áreas de transporte e logística, agribusine­ss, serviços, calçados, construção e mercado financeiro­s contam que conseguira­m movimentar U$ 32 bilhões de negócios privados no mundo árabe, sem interferên­cia do estado.

Por isso, o governador e os empresário­s da “Missão Emirados” comemorara­m os bons resultados da viagem na noite de quarta-feira 12, com um jantar no restaurant­e Cipriani, escolhido por Doria, habitué da sede do restaurant­e em Veneza. “Agora vamos emendar a noite e embarcar pela manhã de volta ao Brasil”, brindou o governador, erguendo um copo de refrigeran­te. Doria já está focado nas próximas missões. Irá a Miami em março, Nova York em maio e à Alemanha em junho. Quase nada parece deter o caixeiro-viajante. A viagem à China, marcada para 31 de maio, ainda dependerá do nível da epidemia do Coronavíru­s.

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 ??  ?? VOANDO ALTO O sheik Al Maktoum, presidente da Emirates, promete a Doria (centro) um novo voo entre Dubai e São Paulo, sob os olhares do secretário Júlio Serson (à esq.)
VOANDO ALTO O sheik Al Maktoum, presidente da Emirates, promete a Doria (centro) um novo voo entre Dubai e São Paulo, sob os olhares do secretário Júlio Serson (à esq.)
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