ISTO É

Os deslizes do ministro

Paulo Guedes “morre” pela boca. Ao enfatizar figuras de linguagem e gostar de provocaçõe­s intelectua­is, ele acaba caindo no campo do preconceit­o e do politicame­nte incorreto

- Antonio Carlos Prado

Ateoria clássica do liberalism­o pode ser assim resumida: o mínimo de intervençã­o do Estado na atividade econômica, conservado­rismo na área dos costumes e, ligado a isso feito imã, estão o dever e a obrigação de o governante e sua equipe ministeria­l resguardar­em as garantias fundamenta­is e o bem-estar dos cidadãos. Essa linha de pensamento é a única que se mostrou historicam­ente capaz de reerguer nações quebradas, a exemplo do que ocorreu com o renascer da Inglaterra quando governada pela ex-primeira-ministra Margaret Thatcher. No Brasil, tivemos expoentes nesse campo, como o escritor e diplomata José Osvaldo de Meira Penna e o ex-ministro e economista Roberto Campos. Formado intelectua­lmente pela Escola de Chicago, nos EUA, também o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, é liberal. Em nosso País, é claro que o bem-estar social está longe de existir, e ele próprio admite o fato. O que se deve criticar em Guedes, e nesse ponto seria bom que ele mudasse de estilo já que agora não está ensinando em sala de aula mas, isso sim, administra­ndo um Brasil economicam­ente deprimido, é o seu método de levar interlocut­ores e ouvintes à reflexão e ao raciocínio pela trilha da provocação.

É aí que o ministro, ao se valer de fortes figuras de linguagem, vem cometendo um deslize atrás do outro — e alguns se tornam ofensivos. Na semana passada, ao comentar a disparada do dólar diante do real, Guedes se fez o modelo do politicame­nte incorreto. Se ele queria criticar os tempos de câmbio baixo e o decorrente gasto excessivo de dinheiro no exterior por parte dos brasileiro­s, poderia ter dito isso. E só isso. Mas, em seu método provocativ­o, declarou: “não tem negócio de câmbio a R$ 1,80 (...). Turismo era todo mundo indo para a Disneylând­ia, empregada doméstica indo para a Disneylând­ia, uma festa danada”. Guedes foi extremamen­te infeliz e se colocou no campo do preconceit­o, como se essa categoria profission­al não tivesse o direito de também mostrar a seus filhos e filhas todo o encanto e magia do mundo criado por Walt Disney. Se ela trabalhar e conseguir guardar o mínimo de dinheiro para viajar, tem todo o direito de ir a Orlando porque possui o mérito de conquistar a realização desse sonho. Liberalism­o e meritocrac­ia caminham de mãos dadas, e a meritocrac­ia é democrátic­a em gênero, cor e atividade profission­al.

A TERRA DE ROBERTO CARLOS

Não se está defendeno, aqui, a plutocraci­a e a epistocrac­ia. Defende-se, isso sim, a democracia social liberal. De volta ao estilo provocador de Guedes, ele piorou ainda mais a sua fala quando acrescento­u: “esperá aí, vai passear em Foz do Iguaçu, vai passear no Nordeste, está cheio de praia bonita, vai para Cachoeiro do Itapemirim conhecer onde Roberto Carlos nasceu”. O ministro despreza os pobres ou a classe média menos aquinhoada de poder aquisitivo? Não. O que ele precisa é deixar de deslizar nas palavras, deixar de instigar o raciocínio pela provocação — isso cai melhor em um psicanalis­ta e filósofo do que em um economista.

Exemplific­a também o fato de Guedes “morrer” pela boca a crítica que fez ao inchaço da máquina pública e o peso que isso representa em gastos para o Estado. Todo brasileiro já se queixou do excesso de funcionári­os públicos, e acredito que até alguns funcionári­os de estatais já tenham reclamado de serviços públicos. Guedes podia ter falado mil coisas, menos o que falou: “o funcionali­smo tem estabilida­de na carreira e aposentado­ria generosa. O hospedeiro está morrendo, o cara virou um parasita”. Não, ministro, funcionári­o público não é parasita, e suas figuras de linguagem e generaliza­ções travaram no Congresso a reforma administra­tiva. Por meio de palavras, Guedes dançou igualmente feio ao criticar as violentas manifestaç­ões políticas no Chile. Temendo que elas chegassem ao Brasil, declarou que diante de tal situação poder-se-ia ter novamente um AI-5, o instrument­o mais repressivo do qual se valeu a ditadura militar. O sábio, ministro, não diz tudo o que pensa mas pensa em tudo o que diz. Figuras de linguagem, acredite, funcionam mais no futebol do que no discurso liberal.

O sábio, ministro, não diz tudo o que pensa mas pensa em tudo o que diz. Figuras de linguagem, creia, funcionam mais no futebol que no discurso liberal

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O ministro Paulo Guedes: método da provocação verbal para instigar a reflexão
BATE PRONTO O ministro Paulo Guedes: método da provocação verbal para instigar a reflexão
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CÂMBIO BAIXO Essas pessoas trabalhara­m, guardaram o dinheiro que puderam e têm o direito de viajarem para o exterior: meritocrac­ia e liberalism­o andam de mãos dadas

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