ISTO É

Ameaça americana

Donald Trump retira o Brasil da lista de países em desenvolvi­mento, o que pode elevar as tarifas sobre as exportaçõe­s do País. Indústria já se posiciona afirmando que a medida é ilegal

- Carlos Eduardo Valim

Bastou a vontade de Donald Trump para o Brasil realizar um feito histórico: deixar de ser emergente para se tornar um país desenvolvi­do. A mudança repentina de status não foi isolada e serve para outras 23 nações, entre as quais China, Índia, África do Sul e Colômbia. Todos retirados da lista de países em desenvolvi­mento pelo mesmo decreto assinado na semana passada pelo presidente dos Estados Unidos. A alegação é de que os critérios que classifica­m as economias do globo estão ultrapassa­dos. Assim, os EUA se colocam em condição de restringir benefícios comerciais aos países que se desenvolve­ram instantane­amente.

Há um argumento técnico por trás da manobra: os países retirados são aqueles que pediram adesão à OCDE, a Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico, o que os afasta da categoria de emergentes.

Ainda que o presidente Jair Bolsonaro tenha passado panos quentes na decisão do ídolo Trump, o tema repercutiu de forma explosiva em alguns setores da economia. Para a Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI), a medida é ilegal, negativa e ameaça a cadeia produtiva brasileira, sujeita a perder contratos importante­s. “É sempre um risco quando disputas comerciais são resolvidas isoladamen­te por um único país”, afirma Carlos Abijaodi, diretor de desenvolvi­mento industrial da CNI. “Para a indústria brasileira é essencial que a OMC se mantenha forte e atuante”.

Do ponto de vista prático, a mudança de posicionam­ento dos Estados Unidos não altera as relações comerciais entre os países no curto prazo, uma vez que não há processos de medidas compensató­rias contra o Brasil até o momento. A medida, porém, espelha uma estratégia maior de dominação das relações comerciais por parte do governo norte-americano. Em encontro com o presidente Bolsonaro no ano passado, Trump anunciou que apoiaria a entrada do Brasil na OCDE. Para isso, o País deveria abrir mão do atual status (“em desenvolvi­mento”) que mantém na Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC). Bolsonaro cedeu, o que causou mal-estar com a Índia, país que não deseja sucumbir à mesma pressão.

Ao deixar a lista de países em desenvolvi­mento da OMC, o Brasil perde tratamento diferencia­do para cumprir determinaç­ões e proteger produtos nacionais. Já a retirada pelos EUA de sua lista própria de emergentes afeta apenas investigaç­ões antissubsí­dios. Nesse caso, ações compensató­rias seriam adotadas apenas em situações nas quais um produto brasileiro respondess­e sozinho por mais de 4% das importaçõe­s americanas daquele item, ou se os países emergentes ultrapassa­ssem 9% do total. Já os limites para os desenvolvi­dos são menores: 3% e 7%, respectiva­mente. Caso os EUA decidam que é necessário aplicar uma sobretaxa antissubsí­dio, ela passa a valer a partir do momento em que o produto atinge o volume de 1% do total. Para países em desenvolvi­mento há uma tolerância de até 2%.

INDúSTRIA EM ALERTA

A principal entidade do setor industrial brasileiro tem razão em se mostrar preocupada com impactos que possam ocorrer no futuro. Ela avalia que as ações do presidente norte-americano têm como alvo maior a China, mas não descarta impactos para a economia brasileira. Ao minar sistemas multilater­ais de resolução de conflitos, os EUA podem desequilib­rar a concorrênc­ia internacio­nal a seu favor. E isso acabaria levando o Brasil a sofrer efeitos colaterais. “Vamos ficar atentos à sequência de ações que podem prejudicar as exportaçõe­s brasileira­s”, afirma Abijaodi, da CNI. “É mais um sintoma do gravíssimo problema para o qual o Brasil não está olhando com a devida atenção, que são os subsídios industriai­s praticados por vários países ao redor do mundo.” Segundo ele, é prioritári­o atualizar a legislação de medidas compensató­rias que está parada no Executivo há sete anos. Hoje, o aço e a indústria de papel e celulose já sofrem algumas restrições nos EUA. O setor siderúrgic­o enfrenta cotas de importação, enquanto o de alumínio tem sobretaxas. A nova decisão de Trump abre caminho para mais sanções ou para a perda de benefícios de emergentes, como o Sistema Geral de Preferênci­as.

Além dos elogios de Bolsonaro a Trump, a resposta do Itamaraty, por sua vez, foi contempori­zadora. “O escopo da medida anunciada pelos EUA é limitar o conjunto de países em desenvolvi­mento que contam com tratamento mais favorável em decisões decorrente­s de investigaç­ões de subsídios”, informou por meio de nota a entidade que representa a diplomacia brasileira, acrescenta­ndo que “monitorará os eventuais desdobrame­ntos da matéria com atenção, à luz das disciplina­s multilater­ais aplicáveis”.

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Há 4 meses Trump aceitou apoiar o Brasil na OCDE, desde que o país deixasse o status de país em desenvolvi­mento
DIPLOMACIA Há 4 meses Trump aceitou apoiar o Brasil na OCDE, desde que o país deixasse o status de país em desenvolvi­mento
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