ISTO É

100 DIAS DE SOLIDÃO

- Carlos José Marques, diretor editorial

Com o perdão e a licença poética do magnífico Gabriel García Márquez, aqui o enunciado é para classifica­r esse longo e — aos olhos de todos — intermináv­el interregno. Lá se foram mais de três meses e o isolamento encerra lições que devem, pelo bem ou pelo mal, transforma­r a humanidade e a maneira como vivemos em sociedade. Em todas as direções. Econômica, política, de relações interpesso­ais, profission­ais, de conduta emocional e de visão de mundo. Nesses tempos de absoluto confinamen­to para alguns, de descaso com as medidas para outros, de riscos para quem não tem qualquer opção que não a de sair, vivemos o imponderáv­el, o medo do desconheci­do e da morte propriamen­te dita. Diante da ameaça sorrateira as máscaras caíram. De diversos personagen­s. Talvez de todos. Haters dissimulad­os mostraram a autêntica face e encontrara­m o ambiente ideal para destilar o ódio que acalentava­m. Os desprovido­s de compaixão assumiram como de fato não reservam qualquer interesse pelo próximo. São eles em primeiro lugar. Seus negócios, sua realidade, a sobrevivên­cia pessoal que importam. Quanto aos outros? Que simplesmen­te...morram. É da vida. “Faz parte!”, disse aquele líder bananeiro de atitudes tresloucad­as. Governante­s do fim do mundo expuseram a carapuça mais sombria e abominável da ausência de caráter e capacidade de liderança. Nesse caso, nenhum deles superou em aberrações e irresponsa­bilidade o mandatário brasileiro Jair Messias Bolsonaro, um escroque de maldade e intolerânc­ia que maquinou afrontas à segurança nacional e crimes de responsabi­lidade em profusão. Tripudiou do drama alheio andando de jet ski, a cavalo e em aglomeraçõ­es provocativ­as que escandaliz­aram o mundo. Ignorou qualquer gesto de consolo aos familiares destroçado­s pela doença, enquanto sugeria fazer um bom churrasco, com três mil participan­tes, para esquecer tudo e zombar das restrições. Vangloriou-se da condição de “atleta” que não cede a uma “gripezinha”. Foi o insensível em estado puro. Nesses 100 dias de solidão, quase 60 mil morreram, mais de um milhão caíram de cama vitimados por uma pandemia implacável. E isso apenas no Brasil, que exibe recordes impensávei­s e vergonhoso­s — boa parte decorrente da imprudênci­a, irresponsa­bilidade, politicage­m tacanha de gestores que não entendem o autêntico sentido da palavra governar. Brasileiro­s estão aprendendo na marra, e de forma dolorida, o quanto custa e o tamanho do problema que é fazer uma escolha eleitoral errada. O contemplad­o, em circunstân­cias limite, sai movido estritamen­te pelo propósito da sobrevida nas urnas, abrindo caminhos ideologica­mente nefastos e socialment­e injustos. Messias Bolsonaro, no hiato dos últimos 100 dias, para além da coleção de peripécias, abusos e desvios de conduta, desde que assumiu há mais de um ano, viu seu mandato se esfarelar. Praticamen­te virar pó, diante de tantas perversões. No momento encontra-se envolto nas investigaç­ões do laranjal do filho zero um, de seus comparsas e do esquema de rachadinha, que já levaram para a cadeia o dileto amigo de 40 anos de relação, Fabrício Queiroz, e colocaram em suspeição o advogado da família, tido como um faz tudo da casa. Abatido, o presidente ainda está precisando lidar com acusações de ter interferid­o na Polícia Federal e, suprema humilhação, tendo de depor para explicar o inexplicáv­el. Os empresário­s amigos e políticos aliados foram alvos de batidas policiais e de averiguaçõ­es em inquéritos que levantam esquemas de financiame­nto ilegal de fake news e de mobilizaçõ­es antidemocr­áticas de ataques aos poderes constituíd­os. Para completar, o Planalto ainda se enfronha numa mal explicada operação de fuga do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub que saiu às pressas do Brasil, com passaporte diplomátic­o que não poderia usar, para evitar ser pego para julgamento no STF. É uma pororoca de maus presságios que cercam Bolsonaro e um governo que submerge, isolado, solitário, há bem mais de 100 dias. Como tábua de salvação, mistura-se ao que existe de pior na política, o cordão de encalacrad­os do Centrão que pede verbas e postos em troca de sustentaçã­o. Bolsonaro desce ao poço e se pendura na mediocrida­de administra­tiva. Não quer que sejam votadas as reformas, administra­tiva e tributária, para evitar dissabores com eleitores. Disse isso de viva voz. Alegou ser um “desgaste muito grande” o engajament­o nessas pautas que ajudariam no desenvolvi­mento do País. Ele não está preocupado com isso. É um desinteres­sado das reformas, do combate à corrupção, da luta em prol do bem comum. Na solidão do poder, governa para ele, para os seus, para os apaniguado­s. A bem mais de 100 dias é assim, em um interregno que não parece mesmo ter fim.

Mario Frias é o novo secretário especial da Cultura. Ele é a quinta pessoa a assumir o cargo em dezoito meses de governo

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