ISTO É

O RISCO DA ARGENTINIZ­AçãO

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Primeiro, um esclarecim­ento. Este artigo não é uma crítica à Argentina. O país vizinho ainda supera o Brasil em vários setores, incluindo seu nível educaciona­l e a exuberânci­a invejável em áreas como literatura e cinema. Mas, economicam­ente, a Argentina está presa em uma armadilha de baixo cresciment­o há décadas. Tem dívida praticamen­te impagável, câmbio desvaloriz­ado, alta inflação, industrial­ização insuficien­te e índices econômicos não confiáveis. O resultado é o cresciment­o anêmico. O populismo e a instabilid­ade política são a causa.

Pois o Brasil corre o risco de seguir o mesmo caminho, também em razão do populismo. Esse é o perigo representa­do pelo governo Bolsonaro, que definha a olhos vistos. O impeachmen­t já entrou no radar das consultori­as internacio­nais — e isso depois de vivermos mais uma década perdida. Se não acontecer, o País pode permanecer mergulhado em caos institucio­nal até 2023. Os investidor­es se cansaram do país do futuro. O Brasil saiu da lista dos destinos preferidos pelos fundos de investimen­to pela incapacida­de de apresentar uma perspectiv­a de cresciment­o.

A Argentina se saiu muito melhor do que o Brasil na pandemia. O isolamento social foi ágil e rigoroso, e o número de vítimas, infinitame­nte menor. Isso aconteceu em função de um pacto que uniu governo e oposição em prol de uma causa maior: a saúde da população. O sucesso foi possível, paradoxalm­ente, por uma razão ruim: a fé desmedida no Estado para reativar a economia. Aqui, ao contrário, Jair Bolsonaro ignorou o drama humanitári­o. No último fim de semana, emocionou-se publicamen­te pela primeira vez com uma baixa. A de um militar, paraquedis­ta como ele, vítima de um acidente. Não tinha nada a ver com a Covid-19. Foi a primeira lágrima derramada na pandemia pelo mandatário, que aproveitou para voltar a defender o papel das Forças Armadas — fazendo uma ameaça velada ao

Além de agravar o drama humanitári­o, o populismo do governo Bolsonaro pode arrastar o País à armadilha do baixo cresciment­o

Congresso e ao Judiciário. Para os mais de 55 mil mortos e 1,1 milhão de adoecidos, nenhuma emoção. “E daí?”, já disse sobre as perdas de vidas, ao evidenciar a incapacida­de de demonstrar empatia. Essa degeneraçã­o moral está para contaminar a economia.

A pandemia não é um acidente de percurso em um projeto econômico que se preparava para decolar, como declarou Paulo Guedes. Ele já estava condenado pelo mandatário. Pior, o cenário se deteriorou, e uma retomada só ocorrerá com um novo ciclo político. O estrago de Bolsonaro pode ser duradouro.

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