A REINVENçãO DOS NEGóCIOS
A pandemia obrigou empresas tradicionais a buscarem novas fórmulas de atuação para fazer frente à crise. E algumas soluções deram tão certo que devem se transformar em prioridade de várias corporações
Quando a pandemia chegou, uma série de empresas teve de baixar as portas e a criatividade passou a ser a única alternativa para não deixar o negócio morrer na praia. Hotéis, restaurantes, organizadores de eventos e até sorveterias tiveram de se virar para ganhar uma sobrevida e resistir ao destino nebuloso que o vírus decretou ao mundo. Mas o que podia ser o fim já se mostra um novo começo. Soluções inusitadas ganharam forma e fazem tanto sucesso que devem permanecer no portfólio de muitas corporações daqui pra frente. É o caso dos quartos de hotéis da rede Accor, que viu sua ocupação despencar 80% desde março. Foi então que camas e poltronas saíram, abrindo espaço para mesas e cadeiras de escritório. Estava criado um ambiente alternativo para muitos executivos terem seu home office longe da rotina da residência.
A modalidade está dando tão certo que dos 330 hoteis da rede no País, 80 já oferecem a solução, que agora inclui salas de reuniões e até brinquedotecas para família. “Tivemos de agir rápido e criar alternativas. O sucesso foi tanto que a experiência está sendo replicada na Europa e chegará em breve à Ásia”, explica Patrick Mendes, CEO da Accor para América Latina, rede que tem entre suas bandeiras os hoteis Ibis, Sofitel, Mercure,
Novotel, Pullman, entre outras. As diárias vão de R$ 29 a R$ 300, dependendo da marca. Os custos, segundo Patrick, foram marginais e a iniciativa compensou por manter as unidades funcionando.
A rapidez também foi a arma do Grupo MM. Especializada em eventos, a empresa havia realizado mais de 2,7 mil encontros, entre workshops, seminários e feiras em 2019, e apostava num crescimento de até 15% para este ano. Tudo estava indo como planejado até março, quando o jogo virou e foi preciso renegociar eventos cancelados pelos clientes com os fornecedores. “Tínhamos coisas agendadas até 2021, algumas até pagas”, diz a fundadora Meire Medeiros. Depois de enxugar seu quadro, ficando com 40% dos 120 funcionários, ela percebeu que o problema não seria restrito ao primeiro semestre e foi atrás de alternativas para realizar eventos virtuais. Encontrou parceiros que ofereceram plataformas robustas para substituir o presencial pelo online e agora já contabiliza 172 eventos contratados.
“Em um deles tínhamos dois mil convidados e conseguimos manter 1,6 mil conectados simultaneamente”, comemora. Daqui para frente, Meire acredita que a tecnologia vai continuar fazendo parte do negócios e, mesmo que surja uma vacina, os eventos devem se tornar híbridos. O setor de eventos, que já amargou perdas de até R$ 90 bilhões neste ano, agora vê na tecnologia a chance de acrescentar mais gente aos encontros. “Por isso,
investimos em um estúdio para gravação dos eventos online”, afirma. Mesmo não substituindo o formato tradicional, a nova modalidade conseguiu impedir uma queda total do faturamento da empresa, que manteve 60% da receita. E se os impactos foram severos para hotéis e eventos, no setor de alimentação não foi diferente. Impedidos de abrir as portas por meses, muitos apostaram no delivery. Mas como resolver o problema da entrega quando o produto é sorvete? A sorte da Bacio di Latte é que essa questão já estava sendo pensada pela empresa desde 2019. Em janeiro do ano passado, apenas três lojas da rede conseguiam entregar o produto com qualidade. Com testes de embalagens térmicas feitos há mais de um ano, a empresa encerrou 2019 com 55 lojas prontas para entregar e agora já são 120 das 135 lojas em todo o Brasil fazendo delivery.
APOSTA NO DELIVERY
Mas não foi fácil vencer o temor de que o produto não chegasse integro. Assim, a empresa arregaçou as mangas e junto com uma agência lançou uma campanha maciça na internet para mostrar que estava vendendo e se surpreendeu com uma questão básica, mas que jamais tinha imaginado. Nos sistemas de entrega de comida, o usuário procurava por sorvete e não gelato. “Não aparecíamos nem nas buscas e tivemos de mudar isso rápido”, explica o diretor de marketing da Bacio di Latte, Fábio Medeiros. Outro ponto crucial foram as quantidades. Tinha apenas duas embalagens para entrega, uma de 1,3 litro a R$ 89, e outra de 630 ml a R$ 65. O ticket médio nas lojas era de apenas R$ 16, porque as pessoas pediam apenas um sorvete de casquinha. “Criamos embalagens individuais, a R$ 20”. Aí vieram os kits que
permitem às pessoas montar seu sorvete e, para melhorar, as pessoas podem usar vale refeição no pagamento. Agora a empresa trabalha na diversificação dos canais de venda, como supermercados e restaurantes. Com todas as ações, a rede comemora o salto de três mil para 40 mil pedidos mensais por delivery.
Nem as franquias escaparam dos efeitos da pandemia. A rede de spas urbanos Buddha criou uma modalidade onde massagistas e terapeutas atendem os clientes em suas casas. O Smart Spa já virou uma nova modalidade de franquia. Presente em shoppings, aeroportos e metrôs a Nutty Bavarian, que comercializa castanhas, precisou fechar todos os quiosques (mais de 120) em março e decidiu investir em vendas via WhatsApp, além do e-commerce. Para os franqueados participarem da nova frente foi criado um link para que cada um virasse um vendedor. A entrega é feita pelo iFood e até a sede em São Paulo virou um ponto de coleta para delivery. Além disso, tirou do papel o plano de entrar no varejo com vendas em supermercados. Diante da pandemia, a saída é inovar e se preparar para uma mudança profunda. Os negócios nunca mais serão os mesmos.
Decepcionou-se quem acreditava que o discurso agressivo recheado de mentiras, racismo, misoginia e distorções históricas seria rechaçado nas eleições americanas deste ano. Candidato a reeleição pelo partido Republicano, o presidente Donald Trump tem chances reais de vitória. Ele entende que essa retórica dá certo e é o que uma parcela estratégica do eleitorado quer ouvir. Por isso, reafirma sua tática de ataques ao adversário Joe Biden, ao Partido Democrata e ao maior desafeto pessoal, o antecessor Barack Obama. Joe Biden, ao contrário, aposta no cansaço da sociedade americana com o discurso de ódio. Apresenta-se como um conciliador, um pacificador em tempos de polarização. Ao invés de apoiar incondicionalmente os policiais, que têm sua ação cada vez mais questionada, o democrata reforça seus laços históricos com os negros e exalta a diversidade cultural e racial da sociedade americana. Também tentar transformar a divisão do seu partido, demonstrada à exaustão no início do ano. Apresenta-se como uma ponte entre a velha geração e as lideranças do futuro.
Tudo tem a ver com cálculo político. Trump tem a máquina governamental a seu favor. Ele percebeu que colocar-se frontalmente contra o movimento Black Lives Matter, retratado como um bando de baderneiros e saqueadores violentos, lhe dá votos. Acredita que é necessário retomar o discurso da “lei e ordem”, como fez Richard Nixon em outro período turbulento da história americana, para ganhar o apoio da maioria silenciosa. Em sua cruzada, não hesitou em utilizar a sede do governo como cenário durante a Convenção Republicana. Para Sebastião Carlos Velasco e Cruz, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, cometeu prevaricação. “A Casa Branca foi usada para ato do partido Republicano, o que é um absurdo”, diz.
Biden, um moderado que triunfou sobre radicais de esquerda em seu partido, tem conseguido avançar em Estados cruciais do Meio-Oeste como Michigan,
Pensilvânia e Wisconsin. São regiões representadas por um eleitorado branco e rural, que favoreceu o atual presidente. Além disso, conta com os votos dos afrodescendentes, que normalmente dão 85% dos votos ao Partido Democrata. As manifestações antirracistas que tomaram conta do País fortalecem esse prognóstico. Em relação à população latina, o quadro é parecido, já que 65% desses eleitores votam nos democratas e também são alvo das agressões presidenciais. Trump não conta em reverter esses percentuais, nem precisa vencer na contagem final dos votos, como já ocorreu em 2016. Deseja vencer nos estados-chave.
ESTADOS DECISIVOS
Um dos “swing states”, Estados que oscilam entre os dois grandes partidos e serão decisivos na eleição, é a Flórida. Lá, há 2% de indecisos. O número parece pequeno, mas se for conquistado pode dar o voto de todos delegados do estado ao vencedor. Nos EUA, a eleição é indireta, decidida quando um candidato conquista a maioria do Colégio Eleitoral — que terá 538 votos. O candidato que chegar a 270 vence. A Flórida, especificamente, tem uma votação flutuante, segundo Lucas Leite, professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado. “Os eleitores latinos não votam de forma homogênea”, diz. O professor acredita que a tática democrata é engajar a população para comparecer no dia da eleição, ou então votar antecipadamente. “Os democratas encorajam o voto pelo correio”, afirma. Nos EUA, o voto não é obrigatório, o processo eleitoral começa mais cedo e dura mais tempo. Percebendo esse risco, Trump tem divulgado a “ameaça de fraude” nas eleições pelo correio. Chegou a estimular as pessoas a mandaram várias cédulas para comprovar a possibilidade de fraude — o que seria um crime. Na reta final, o desespero parece atingir especialmente o atual mandatário. Atingido em cheio pela pandemia, que derrubou a economia, ele tenta antecipar o lançamento de uma vacina. Seria uma “fórmula milagrosa” para vencer as eleições, denunciam os críticos e a comunidade científica.