“Cartão vermelho não foi para mim”
Sei! Foi para Zélia, Palocci, Mantega... O ministro Paulo Guedes não se emenda
OBrasil assistiu na última semana a um espetáculo grosseiro, infelizmente já corriqueiro, de lavação de roupa suja no governo federal. Nunca um ministro da Economia foi submetido a tamanha humilhação. Irritado com as repercussões negativas do projeto oficial de congelar aposentadorias e pensões para financiar o Renda Brasil, Jair Bolsonaro passou uma descompostura pública em Paulo Guedes: “Quem por ventura vier propor a mim uma medida como essa eu só posso dar um cartão vermelho”, disse em vídeo publicado nas redes sociais na terça-feira, 15. E emendou: “Até 2022, no meu governo, está proibido falar a palavra Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família e ponto final”.
De forma previsível, o mercado se preparou para a possível saída do titular da Economia. O dólar subiu e a Bolsa caiu. Guedes, que já foi desautorizado inúmeras vezes, se reuniu às pressas com o presidente e tentou contemporizar com a imprensa. “O cartão vermelho não foi para mim”, afirmou. Constrangido, transmitiu a responsabilidade para o secretário da Fazenda, Waldery Rodrigues, que havia no domingo anterior revelado publicamente os estudos para congelar o benefício aos aposentados e pensionistas. Foi um passa-moleque. A ideia absurda de tungar os beneficiários da Previdência estava no coração do projeto de Renda Brasil que Guedes preparava. Com isso, o ministro tentou minimizar o incidente, mostrando que permanece firme no cargo. Nada mais enganoso.
O ministro da Economia reproduz o desgaste que vários ex-titulares do cargo sofreram. Guido Mantega (com a expresidente Dilma Rousseff), Antonio Palloci (Dilma) e Zélia Cardoso de Mello (Fernando Collor) também viveram momentos de total descompasso com o mandatário, sem qualquer controle da agenda econômica e nenhuma segurança a oferecer aos agentes financeiros. Joaquim Levy também viveu seu inferno pessoal na gestão Dilma, além de ter sido demitido da presidência do BNDES de forma sumária pelo próprio Bolsonaro. Assim como eles, Guedes já não manda na economia do País. Passou de poderoso “posto Ipiranga” a gestor sem poder real. A equipe inicial da sua pasta já sofreu uma “debandada”, nas sua próprias palavras, à medida que os principais projetos ficaram pelo caminho. O próximo da fila deve ser Waldery Rodrigues. Enquanto isso, o ministro bate cabeça diariamente com a área desenvolvimentista do governo, que defende a alta nos investimentos públicos e foco em inaugurações de obras. Desafeto do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o titular da Economia perdeu a interlocução com o Congresso, que agora é exercida pelo Centrão, o grupo fisiológico cooptado por Bolsonaro. Sua “revolução liberal” virou um discurso vazio, num governo que brecou as privatizações, protege corporações e se prepara para desmantelar a âncora fiscal, o controle de gastos públicos, para financiar projetos populistas — como o próprio Renda Brasil. Para agradar Bolsonaro e salvar seu cargo, restou a Guedes defender a volta da CPMF, um imposto regressivo rejeitado por todos os países desenvolvidos, que derruba a produtividade da economia — mas é fácil de ser cobrado.
Penalizar os pobres não causa espanto na agenda de Guedes. Ele não se preocupou durante a campanha eleitoral e nem durante a gestão, ao longo de um ano e meio, em fundamentar um programa de renda mínima. O auxílio emergencial de R$ 600, que sustentou a popularidade de Bolsonaro durante a pandemia, foi feito sem levar em conta o arcabouço de proteção social desenvolvido por especialistas ao longo de décadas, e está repleto de distorções. E não é sustentável.
Com o cargo esvaziado, Guedes já não manda na economia. Para salvar o emprego e agradar Bolsonaro, restou a ele pregar a volta da CPMF
Mostrando pouca atenção à realidade social do País, o ministro já propôs absurdos como taxar o seguro-desemprego, eliminar o Fundeb em 2021, restringir o Benefício de Prestação Continuada (BPC), acabar com o Farmácia Popular, eliminar o seguro-defeso (que protege pescadores) e limitar o abono salarial. A proposta de avançar sobre aposentadorias e pensões, portanto, não é um acidente. É uma política deliberada.
Já Bolsonaro demonstrou no episódio, mais uma vez, a forma caótica com que administra o País. Reproduzindo a pior prática de alguns antecessores, frita ministros e ameaça desafetos, fugindo do escrutínio sobre projetos que são de sua inteira responsabilidade. Fez a mesma coisa com os exministros Sergio Moro (Justiça) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde). Ao contrário do que o mandatário tenta transparecer, todas as propostas antissociais de Guedes foram discutidas previamente com ele, que usa o subordinado para lançar balões de ensaio,testando o humor da sociedade e do Parlamento para medidas impopulares. Ao contrário do que divulga, o presidente torce pela recriação da CPMF. E o Renda Brasil, apesar da bronca pública em Guedes, é um projeto que segue na sua pauta. Para isso, já autorizou o senador Márcio Bittar, relator do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) do pacto federativo, a retomar os estudos para a criação do programa assistencial bolsonarista.
Enquanto esculacha sua equipe, o presidente joga uma cortina de fumaça para os problemas gravíssimos de sua gestão. O despreparo do governo para tratar dos programas sociais está mais uma vez evidente nas ruas. Depois de seis meses fechadas, as agências do INSS que deveriam reabrir estão estampando um espetáculo de incompetência. Algumas abriram sem servidores, outras simplesmente permaneceram fechadas, mesmo que os agendamentos tivessem sido realizados. O presidente do INSS alegou problemas de comunicação. Disse que ocorrem contratempos de última hora e os segurados foram avisados previamente do fechamento dos postos. A explicação não convence, já que houve tempo de sobra para preparar a retomada presencial. Além disso, não há argumento razoável para negar o benefício assistencial quando pessoas carentes dependem do crivo de peritos para receber auxílio por causa de acidentes ou doença. O episódio repete a desorganização que se viu à exaustão nas filas da Caixa Econômica Federal, diante do auxílio emergencial. Ambos são o retrato do atual administração.
Bolsonaro é vítima de sua própria política. Chegou à Presidência apoiado em dois pilares que agora é obrigado a abandonar: o combate à corrupção e a agenda liberal na economia. Com a crise econômica avassaladora e a perda de apoio na classe média, tenta criar, tardiamente, uma fachada social para o seu governo. Mandou suspender projetos argumentando de que “não tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos”. Também disse que os membros da sua equipe “são gente que não tem o mínimo de coração, o mínimo de entendimento de como vivem os aposentados do Brasil”. É um pouco tarde para chegar a essa conclusão. Parafraseando o próprio presidente em sua bronca ao ministro da Economia, “são devaneios de alguém desconectado com a realidade”.
serão cortados do Ministério da Educação para a ação de desenvolvimento da educação básica (Ideb). O setor perderá dos recursos disponíveis
80%
Altamente dependente da bancada evangélica para levar adiante seus planos de governo e aprovar projetos da sua agenda econômica, o presidente Jair Bolsonaro não quer se indispor com seus aliados de primeira hora. Por isso, ele tira benefícios fiscais para os religiosos com uma mão, mas promete dar com a outra. Foi o que ele fez com a proposta de lei que concede anistia em tributos a serem pagos pelas igrejas. Bolsonaro vetou o perdão de uma dívida tributária, que equivale a R$ 1 bilhão, e, para não melindrar os evangélicos, prometeu alguma medida que livre seus aliados de impostos de uma vez por todas. O que Bolsonaro instituiu foi uma espécie de “veto brando”, em que demonstra seguir as orientações do Ministério da Economia para garantir um verniz de responsabilidade fiscal para seu governo e acena com benefícios e isenções futuras para agradar seus pares. No domingo 13, a SecretariaGeral da Presidência informou que o presidente é favorável à não tributação de templos e que o governo irá propor “instrumentos normativos a fim de atender a justa demanda das entidades religiosas”.
JOGO DE CENA
O veto ao perdão tributário das igrejas foi recomendado pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, e foi puro jogo de cena. Bolsonaro seguiu a recomendação porque se tivesse concedido o perdão poderia ser questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e, inclusive, ser alvo de um pedido de impeachment por incorrer em crime de responsabilidade. Para compensar, sugeriu a derrubada do veto no Congresso e também se mostrou disposto, caso a decisão não seja revertida, a enviar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para garantir a isenção das igrejas. Nas mídias sociais, o presidente confessou que “caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo”. “No mais, via PEC a ser apresentada nessa semana, manifestaremos uma possível solução para estabelecer o alcance adequado para a imunidade das igrejas nas questões tributárias”, afirmou. O veto foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) na segunda-feira 14. Dois dias depois, o presidente se reuniu com membros da bancada evangélica para dizer seus pleitos, de um jeito ou de outro, serão atendidos.
Bolsonaro sancionou, porém, outro dispositivo que estabelece que valores
pagos não são remunerações. Mas para o Fisco, trata-se apenas de uma manobra tributária. Algumas igrejas pagam salários para seus funcionários seguindo o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Outras, que trabalharam pela mudança das regras, consideram a remuneração como doações, na tentativa de se livrar de qualquer contribuição.
PROTEÇÃO TRIBUTÁRIA
A proposta de anistia dos tributos das igrejas foi criada pelo deputado federal David Soares (DEM-SP). Ela altera a lei que instituiu a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), em 1988, e tira os templos religiosos da lista de pessoas jurídicas que devem pagar o tributo, além de anular autuações que envolvam a cobrança da contribuição. David Soares é filho do pastor R.R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, uma das principais devedoras do governo. A justificativa para a proposta é que a Constituição dá proteção tributária às igrejas, um argumento que é contestado, já que a isenção é limitada a impostos e não atingem contribuições sociais. Além disso, há ressalvas feitas pelos auditores da Receita Federal sobre as vantagens indevidas que a proposta representa. O Sindifisco, entidade sindical que reúne os auditores, considera a proposta “um atropelo na lei para beneficiar alguns contribuintes”.
A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional é formada por 195 dos 513 deputados federais e por 8 dos 81 senadores. O presidente da bancada religiosa da Câmara, Silas Câmara (Republicanos-AM), diz ter maioria para reverter o veto presidencial e manter o perdão às igrejas do pagamento de dívidas com a Receita Social e a isenção do pagamento da CSLL. Na terça-feira 15, houve uma reunião da bancada em que se definiu a estratégia que será adotada de agora em diante. Deputados presentes ao encontro disseram que a maioria é favorável à derrubada do veto e à abertura de um diálogo sem atritos com o governo para a construção de uma proposta à emenda da Constituição que pacifique as questões relativas à imunidade tributária das igrejas. Para derrubar um veto presidencial é necessário o apoio da maioria absoluta dos parlamentares das duas casas: 257 votos na Câmara e 41 votos no Senado. E pelo jeito, não será difícil para a bancada evangélica atingir seus objetivos. presidente da República
“Caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo” Jair Bolsonaro,