ISTO É

EM XEQUE

- Anna França

irrita políticos britânicos e coloca o em suspeição ao ameaçar romper acordo de retirada assinado em janeiro

Em janeiro, o Reino Unido finalmente assinou o acordo de separação oficial da União Europeia. Desde o resultado do plebiscito, que em 2016 decidiu pela saída, foram anos de negociação para se chegar a um bom termo e estabelece­r quem ficava com o quê. Um divórcio que levou mais de três anos parecia resolvido. Parecia, pois o premiê Boris Johnson, nos últimos dias, ameaçou descumprir o tratado firmado. Ao insinuar que poderia rasgar o contrato, ele se indispôs novamente com os europeus e ameaçou jogar no lixo a tradição britânica de cumpriment­o de acordos internacio­nais, prejudican­do a credibilid­ade do país no cenário global.

O nó da questão está nos acertos comerciais e regulatóri­os definitivo­s com os europeus, que devem ser concluídos até o final do ano, após o final do período de transição, que se encerra em 31 de dezembro. Johnson anunciou nas últimas eleições que conseguiri­a concessões. A realidade das negociaçõe­s, agravada pela pandemia, foi outra. Pressionad­o por deputados, o primeiro-ministro admitiu que poderia anular partes do acordo firmado no início do ano, para tentar conter a revolta do Partido Conservado­r, contrário ao acerto. Johnson vem sofrendo pressões dos aliados e até da oposição na questão do projeto de Lei de Mercado Interno, que, entre outros pontos, reverteria os acertos sobre a sensível questão da Irlanda do Norte. Os dois lados estabelece­ram que até o dia 15 de outubro tudo tem de estar acertado e, caso isso não aconteça, as relações comerciais dos dois blocos passam a respeitar apenas as regras da Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC).

A Comissão Europeia já admite que as chances de um tratado comercial estão cada vez mais remotas. Muitos acusam Johnson de estabelece­r uma estratégia de caos para tentar obter vantagens nas negociaçõe­s. Para analistas, a questão é que não se pode infringir “um pouco” um tratado internacio­nal. A posição unilateral derruba um dos pilares do equilíbrio prezado historicam­ente pelos britânicos para o seu próprio interesse comercial. Além disso, o princípio fundamento­u a criação dos organismos multilater­ais no século XX. Os mais críticos alegam que o grande problema é que premiê britânico é muito mal assessorad­o, porque reuniu em seu gabinete apenas “bajuladore­s inexperien­tes e de

O premiê é pressionad­o por deputados da base para modificar o contrato de saída assinado em janeiro: credibilid­ade britânica em jogo

estatura intelectua­l questionáv­el”. Uma prova disso seria o ministro da Saúde, Matt Hancock, que não conseguiu impedir que o Reino Unido registrass­e o maior número de mortes entre os países da Europa durante a pandemia.

AMEAçAS PARA O PAíS

A separação litigiosa com a União Europeia continua abalando a política interna do Reino Unido. A Escócia cogita fazer um plebiscito novamente para se tornar independen­te e voltar para a União Europeia. A República da Irlanda, que é independen­te, permanece no bloco europeu. Mas a Irlanda do Norte, que faz parte do Reino Unido, deixará. A saída ameaça a paz selada a duras penas entre as duas Irlandas, em 1998, uma vez que será preciso readequar fronteiras e aduanas entre os dois países. “Até o País de Gales está repensando a união. O que demonstra que o Brexit foi um tiro no pé”, diz o cientista político Thiago Babo, da Fecap. O ponto central da saída, segundo ele, foi a questão identitári­a dos ingleses, o que complica tudo. “Ter de aceitar decisões do bloco sempre foi um problema.” A novela agora promete novos capítulos. A UE ameaçou iniciar uma ação legal para contestar o projeto de lei que viola o acordo do Brexit, e alertou que a proposta pode afetar as futuras relações entre Bruxelas e Londres. “Johnson, mesmo perdendo credibilid­ade, não deve facilitar”, aposta o professor de economia e relações internacio­nais Vinícius Rodrigues Vieira, da FAAP.

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