ISTO É

“BOLSONARO É UM DESASTRE, E TIRÁ-LO DA PRESIDÊNCI­A É PRIORITÁRI­O”

- Por Ricardo Chapola

Desde o início da pandemia, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), tem sido uma das vozes mais críticas da política nacional em relação à forma como o governo Bolsonaro vem conduzindo o País diante da maior crise sanitária da história. Ao lado de outros governador­es, defendeu a ciência, a adoção de medidas restritiva­s para impedir a proliferaç­ão da Covid-19 e o início da vacinação em massa o mais rápido possível. O empenho no combate ao vírus encontra uma explicação na história de Dino. Em 2012, ele perdeu o filho de 13 anos, vítima de uma doença respiratór­ia. Poucos dias depois do estado que governa ter sido a porta de entrada no Brasil de mais uma variante do coronavíru­s, a cepa indiana, o governador concedeu entrevista à ISTOÉ em que elogia a CPI e mostra a necessidad­e da oposição se unir para derrotar Bolsonaro, a quem acusa de ser um dos responsáve­is pela tragédia que já matou mais de 470 mil brasileiro­s. Para ele, a administra­ção do presidente “é um desastre” e a prioridade da centro-esquerda “é tirá-lo do governo”. Aos 53 anos, ele revela o projeto de disputar o Senado em 2022.

O Maranhão foi a porta de entrada de uma nova variante da Covid-19, vinda da Índia. Qual a perspectiv­a do impacto que essa cepa pode causar ao País?

Aqui no Maranhão não tivemos a transmissã­o comunitári­a. Tivemos apenas os casos dos tripulante­s indianos, que foram isolados. Um eles permanece hospitaliz­ado, mas já fizemos

a testagem de toda a equipe do hospital onde ele se encontra e não houve a detecção de nenhum caso de infecção pela cepa indiana. A questão fundamenta­l é entender que, aparenteme­nte, a chegada dessa nova variante é só uma questão de tempo, porque, no Brasil, existem múltiplas portas de estrada. O que temos que fazer é ampliar a testagem em pontos de grande circulação de pessoas, como portos e aeroportos. Foi isso o que nos salvou aqui no Maranhão. Se não tivéssemos feito a testagem no pessoal do navio, teria saído do controle.

O senhor acha que seria preciso fechar os aeroportos internacio­nais ou montar barreiras sanitárias é suficiente?

A certeza que eu tenho é essa sobre a eficiência da testagem. Não sei se fechar só os aeroportos resolveria, porque há outros meios de entrada dos vírus. As nossas fronteiras terrestres são enormes e também temos os portos, que envolvem grandes fluxos de comércio. Não acho que adiantaria. No fim das contas, os ônibus, caminhões, carros e navios vão continuar circulando, mesmo se os aeroportos forem fechados. Acho que a saída é uma ação forte e contínua de testes para isolar os casos positivos e impedir o alastramen­to da doença.

Como o senhor vê a nova investida de Bolsonaro no STF para tentar impedir medidas restritiva­s tomadas nos estados?

No Direito Processual brasileiro isso é chamado de litigância de má-fé. É quando uma causa obviamente improceden­te é apresentad­a reiteradas vezes perante o mesmo tribunal. Não há sentido jurídico nisso, porque o Supremo já tomou decisões sobre esse tema pelo menos três vezes. Do ponto de vista jurídico, não vejo sentido prático nisso. A não ser, exclusivam­ente, o propósito do presidente em continuar declarando guerra aos governador­es.

A CPI decidiu convocar nove governador­es, mas muitos recorreram ao STF para que não sejam obrigados a prestar esclarecim­entos na comissão. O senhor concorda com a convocação?

Eu sou a favor de toda e qualquer investigaç­ão sobre mau uso de dinheiro público, desde que nos termos da lei. Se há estados ou municípios que cometeram crimes desviando dinheiro federal, deve haver, sim, ampla investigaç­ão. O único ponto de questionam­ento diz respeito à possibilid­ade de uma CPI, no Senado, convocar governador­es, tendo em vista que há o princípio federativo. E o próprio regimento interno do Senado cria esse limite. O governo do Maranhão, por solidaried­ade, é um dos signatário­s dessa ação. Outros 20 governador­es já assinaram. Acho que é uma questão de interpreta­ção. Existe um precedente antigo no STF. Houve uma decisão do ministro Marco Aurélio Mello consideran­do que não seria cabível a convocação do então governador Marconi Perillo, de Goiás, a uma Comissão Parlamenta­r de Inquérito. Mas foi uma decisão monocrátic­a. Nunca houve um pronunciam­ento mais claro do colegiado sobre isso. Independen­temente dessa decisão, o que a jurisprudê­ncia diz é que a CPI deve observar o princípio federativo e os chefes dos executivos estaduais devem ser investigad­os pelas assembléia­s estaduais. Eu tenho a impressão que o STF irá nesta direção.

“A CPI agiu corretamen­te ao reconvocar Pazuello. Aquilo foi um deboche. Deboche às famílias que perderam entes queridos, às leis e ao funcioname­nto da CPI”

Caso o STF autorize a CPI a convocar governador­es, isso abriria precedente­s para chamar Bolsonaro a depor também?

O problema é que, do ponto de vista constituci­onal, é muito difícil imaginar que a CPI possa convocar o presidente. O artigo 50 da Constituiç­ão fala em se ter poder para convocar ministros ou titulares de órgãos subordinad­os ao presidente. Entendo que esse artigo exclui o próprio presidente. Acho que o STF vai acabar decidindo essas duas questões. A primeira, relacionad­a à desconvoca­ção dos governador­es, e a outra sobre a o artigo 50. A minha interpreta­ção é que, à luz desses argumentos, Bolsonaro não poderia ser convocado. Mas existem outras formas para investigar a participaç­ão do presidente nos crimes na pandemia.

Há evidências na CPI comprovand­o a responsabi­lidade de autoridade­s no caos sanitário?

Está evidente que há uma responsabi­lidade do presidente da República e de seus ministros, em nexo causal, com os danos sofridos pela população. Temos ações e omissões que já estão documentad­as pela CPI. Temos o nexo causal,

que é o resultado danoso que esses atos causaram. Do tipo: atrasar deliberada­mente a compra de vacinas, sabotar o imunizante e se omitir na compra de vacinas por questões ideológica­s. Em razão da inexistênc­ia de vacinas, menos pessoas foram imunizadas. Com isso, estamos tendo mais casos do que teríamos se a vacinação estivesse mais avançada. Para mim, a comissão já revelou, de modo pleno, os elementos que juridicame­nte conduzem à responsabi­lização do presidente e de alguns de seus ministros.

Muitos depoentes mentiram na CPI e nada foi feito em relação aos falsos testemunho­s. O senhor acha que falta pulso firme aos senadores?

Acredito que a CPI tem feito um grande trabalho de modo geral. É claro que nenhum trabalho de apuração é perfeito. Mas, se olharmos globalment­e, vamos perceber que a CPI está com um bom plano de trabalho, com um bom direcionam­ento sobre o que deve ser investigad­o. Um dos maiores méritos da comissão foi ter conseguido reunir múltiplas provas sobre um mesmo fato: depoimento­s e muitos documentos que vão dando cada vez mais concretude a essas ações e omissões do presidente e de seus auxiliares. Não tenho reparos significat­ivos a fazer à CPI.

O que o senhor achou do ato político que Bolsonaro realizou no Rio ao lado do general Pazuello?

Os senadores que integram a CPI agiram corretamen­te quando decidiram convocar Pazuello novamente para depor. Porque, de fato, aquilo foi um deboche. E um deboche também da parte do presidente da República. Foi um deboche às famílias que perderam entes queridos, um deboche às leis e ao funcioname­nto da própria CPI. A resposta da comissão é justa. E é para sublinhar que Pazuello, na oitiva anterior, não foi condizente com fatos pretéritos ao depoimento. E, ao meu ver, isso é muito grave. Não foi condizente em relação a fatos posteriore­s também.

Qual o peso que a pandemia terá nas eleições de 2022?

Estamos diante da maior tragédia humanitári­a da história do País. Nunca, em tão pouco tempo, tantas pessoas morreram por causa de uma doença. O Brasil nunca se envolveu sequer numa guerra, ou algo que se fizesse perder tantas vidas. É uma tragédia monumental. Por isso mesmo, acredito que, independen­temente da vontade de candidato A ou B, esse tema estará presente, como sinal da ineficiênc­ia de alguém que estará disputando a eleição.

O senhor pretende ser candidato a presidente?

Eu sempre estou disponível e tenho disposição para qualquer desafio. Mas, na conjuntura atual, não é algo que eu planeje. Não há nem espaço prático para esse tipo de candidatur­a. Eu costumo colocar objetivos que dependam apenas de mim. E não que dependam mais dos outros, como acontece agora. Por isso, tenho firmado como projeto principal a ideia da minha candidatur­a ao Senado. Trabalho com esse cenário como o mais provável.

Se o PCdoB não tiver candidatur­a própria, o partido apoiará outro candidato da centro-esquerda?

Defendo uma ampla articulaçã­o para tirar Bolsonaro da presidênci­a, porque ele é um péssimo governante. Ele é um verdadeiro desastre. Removê-lo do governo é um objetivo absolutame­nte prioritári­o. E isso deve ultrapassa­r as fronteiras da esquerda. Há sempre muita dificuldad­e nesse processo eleitoral, porque existem mágoas pretéritas. Mas destaco que será uma eleição em dois turnos. Em 1989, Lula foi ao 2o turno contra Collor. No primeiro, houve debates duríssimos entre Lula, Mário Covas e Brizola. Ainda assim, Brizola e Covas se uniram a Lula contra Collor no segundo turno. E perceba que Bolsonaro é infinitame­nte mais nocivo do que Collor. O que quero dizer é que, às vezes, você não se une pelo amor no primeiro turno, mas consegue se unir no segundo turno por um objetivo comum, que, neste caso, é derrotar Bolsonaro.

“Não concordo com a convocação dos governador­es à CPI. O ministro Marco Aurélio Mello já deu uma decisão nesse sentido no passado”

Mas isso não funcionou em 2018...

Os ambientes de 2018 e os de agora são muito diferentes. O ano de 2018 foi complicado: o impeachmen­t de Dilma Rousseff tinha acontecido há pouco tempo (2016) e Lula estava preso. Havia polêmicas na relação com a esquerda. Existiam muitos fatores de divisão. E existiam ainda aqueles que minimizava­m o risco de vitória de Bolsonaro. Como agora essa é uma realidade terrivelme­nte concreta, já que Bolsonaro venceu em 2018, e tem chances de vencer novamente, acho que os fatores de união são muito maiores.

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CEPA INDIANA O governador Flávio Dino explica o que fez para conter uma nova variante da Covid que entrou pelo Maranhão
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