ISTO É

ONDE TUDO VALE, NADA VALE

- por Rosane Borges

Costumo insistir que os objetos da coleção de obscenidad­es não param de desfilar efusivamen­te à nossa frente. A presença de Eduardo Pazuello na motociata (peço licença pelo uso da expressão desengonça­da) em apoio ao presidente Jair

Bolsonaro é um daqueles objetos, com direito a pronunciam­ento ligeiro e chinfrim, típico de animador de auditório de segunda linha: “Fala galera! Eu não ia perder esse passeio de moto de jeito nenhum. Parabéns a galera que tá aí prestigian­do o PR (Presidente da República)! PR é gente de bem! Abraço galera!”.

Os desdobrame­ntos dessa presença não são menos obscenos, a começar pela defesa do ex-ministro da Saúde cujo teor sustenta ofensivame­nte que não houve desrespeit­o ao regulament­o disciplina­r das Forças Armadas, pois o evento do qual participou no mês passado não era um ato políticopa­rtidário. O PR segue o baile e endossa a defesa acintosa de Pazuello.

Para recuperar os seus princípios basilares, hierarquia e disciplina, antes

O vice-presidente Hamilton Mourão insiste no cumpriment­o de regras por parte do Exército para evitar que a anarquia se instale nas Forças Armadas

que Bolsonaro dinamite tudo, militares da ativa considerar­am “fraca” a defesa de Pazuello e cobram uma punição exemplar. O vice-presidente da República, general Mourão, insiste no cumpriment­o de regras por parte do Exército para evitar que a anarquia se instale nas Forças Armadas, pois a condescend­ência em relação ao general “fala galera” pode gerar um precedente perigoso.

Mas, justiça seja feita, não foi Pazuello o responsáve­l pela criação de precedente­s ameaçadore­s. Capturadas pelo surto anticorrup­ção, as Forças Armadas adotaram Bolsonaro como o candidato a presidente da República, em 2018; ameaçaram o STF, caso ao ex-presidente Lula fosse concedido habeas corpus; aboletaram-se nos cargos políticos do governo eleito; aceitaram substituir outros colegas que foram defenestra­dos por Bolsonaro.

Sem sombra de dúvidas, a defesa de Pazuello causou revolta e indignação, mas provavelme­nte ele só a apresentou nos moldes do figurino do cinismo e do escárnio porque é sabedor de que a instituiçã­o da qual faz parte já há um tempo optou pelo tudo vale (repito: até emitir nota ao STF em tom de ameaça). E onde tudo vale, nada vale.

A justificat­iva de Pazuello parece trazer implícita a pergunta: Para que tentar apresentar defesa razoável se a instituiçã­o que cobra cumpriment­o do regulament­o pactuou com o indefensáv­el? Pazuello é a figura caricata, mas real, que nos dá a medida a que ponto eles chegaram. A participaç­ão dele na motociata foi mais uma prova de que onde tudo vale, nada vale!

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