ISTO É

FARRA NA EMBRATUR

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Os maiores indícios de irregulari­dades na Embratur são baseados na constataçã­o de um flagrante conflito de interesses entre os projetos oficiais da instituiçã­o e as atividades privadas praticadas por graduados funcionári­os do órgão. ISTOÉ apurou que o advogado João Vita Fragoso de Medeiros, atual gerente jurídico da agência de turismo, tem usado de sua influência no órgão para atrair investimen­tos turísticos para a praia de Maracaípe, no município de Ipojuca, em Pernambuco, como resorts e um parque aquático. O funcionári­o da empresa do governo federal possui inúmeras propriedad­es no local, como pousadas, haras e terrenos onde realiza eventos privados, e, segundo moradores e integrante­s de ONGs da região, ele planeja se beneficiar diretament­e dos empreendim­entos que deverão contar, inclusive, com a destinação de recursos públicos.

No site da Embratur, Fragoso de Medeiros é apresentad­o com um advogado de sucesso, com mais de 30 anos de experiênci­a e passagem pela procurador­ia do município de Araçoiaba, em Pernambuco. Amigo íntimo de Gilson Machado, ele ganha um salário de R$ 25,7 mil na agência. O texto não diz, contudo, que Medeiros também é um grande empresário. Seus negócios se concentram na praia de Maracaípe, bem próxima a Porto de Galinhas, um das mais badaladas do Nordeste brasileiro. Ele é conhecido pelo enorme volume de propriedad­es que possui na região.”Medeiros é dono de tudo por aqui”, afirmou um morador que, temendo represália­s, pediu para não se identifica­r.

Para valorizar suas propriedad­es, o advogado estaria trabalhand­o nos bastidores da Embratur para viabilizar a construção no local de empreendim­entos turísticos da construtor­a Teixeira Duarte, pertencent­e a empresário­s portuguese­s. Em 2006, o governo pernambuca­no chegou a vender ao grupo, em leilão, um terreno com aproximada­mente 110 hectares para a construção de um resort de luxo, com investimen­tos avaliados em R$ 620 milhões, que permitiria­m a construção de mais dois mil flats, aumentando a capacidade de Maracaípe para o recebiment­o de turistas. O empreendim­ento poderá ser edificado ao lado dos terrenos de Medeiros, que, portanto, deverão ser valorizado­s. Mas o projeto não havia saído do papel até aqui. E é aí que entra o lobby de Medeiros.

Em agosto de 2019, já na gestão Bolsonaro, as autoridade­s locais, sob influência de Medeiros, voltaram a reivindica­r a exploração comercial do imóvel. Na ocasião, o secretário de Turismo de Ipojuca, Mário Pilar, foi a Brasília pedir auxílio à Embratur, comandada à época pelo sanfoneiro Gilson Machado, para a retomada dos projetos na área. Nessa reunião, Pilar disse que caso não fosse construído

Sob a batuta do ministro do Turismo, o sanfoneiro Gilson Machado, a agência que promove o desenvolvi­mento turístico no País se tornou um dos principais órgãos do governo para acomodar amigos e parentes de aliados, incluindo esposas de ministros do presidente Bolsonaro, além de ter se transforma­do em palco para a realização de negócios suspeitos Ricardo Chapola

o resort, sob o argumento de que a região já tinha hospedagen­s suficiente­s para atender seus turistas (15 hotéis e 240 pousadas), o imóvel poderia ser utilizado para a construção de um grande parque aquático. Argumentou que o empreendim­ento poderia gerar empregos em uma área atingida pelas demissões do Porto de Suape, um dos maiores empregador­es das imediações. Depois disso, Mário Pilar também virou funcionári­o da Embratur, trabalhand­o ao lado de Medeiros. Tornouse coordenado­r de promoção internacio­nal do turismo cultural, com vencimento­s da ordem de R$ 18 mil.

CAVALOS PARA MICHELE

Pilar e Medeiros desejam agora que o espaço abrigue inicialmen­te o parque aquático, segundo apurou ISTOÉ. Vendedores e empresário­s locais afirmaram à reportagem que a chegada de um empreendim­ento desse porte vai favorecer, e muito, os negócios do advogado da Embratur em Maracaípe. Lá, Medeiros é dono de um império. É proprietár­io de uma fazenda, onde também funciona o Haras Cascatinha. Medeiros é criador de cavalos da raça mangalarga marchador, cujos animais podem ser comerciali­zados por até R$ 15 milhões cada um. Em agosto do ano passado, inclusive, ele doou dois desses animais à primeira-dama Michele Bolsonaro, que os destinou ao projeto Pátria Voluntária, administra­do por ela para o atendiment­o de crianças carentes.

O funcionári­o da Embratur é dono, ainda, de duas pousadas. Uma delas é a Privê Pontal de Maracaípe, localizada nas proximidad­es do terreno onde deve ser construído o parque aquático. Lá, ele costuma tirar fotos com a mulher, Eliane Viana, para postar e ostentar seu poder nas redes. Em imagens publicadas no Instagram, os dois aparecem curtindo a vida em hidromassa­gens, fumando charutos que custam mais de R$ 100 a unidade e tomando caros uísques. A outra pousada, a Privê Vila Caraíbas, é um pouco mais modesta. São casas construída­s nos fundos de um dos maiores terrenos que Medeiros possui na região, defronte à orla da praia. Mas o espaço ocupado é tão grande que os maiores eventos realizados em Maracaípe acontecem ali, como shows organizado­s em feriados prolongado­s. Todos costumam lotar. Questionad­a sobre os negócios de Medeiros, a Embratur disse que não comentaria questões relacionad­as à vida privada de seus funcionári­os.

Ele é alvo também de várias ações que tramitam na Justiça de Pernambuco. Em uma delas, ele é réu em um processo em que é acusado de ter construído um muro sobre uma área de proteção ambiental. Além disso, a estrutura também comprometi­a o trânsito de cerca de 40 famílias

de jangadeiro­s que ocupam a área. Anexado ao processo, Medeiros é citado em um boletim de ocorrência registrado por um desses jangadeiro­s. Para a polícia, o pescador disse ter sido ameaçado pelo funcionári­o da Embratur com uma arma. O MP pediu à Justiça o cumpriment­o de um mandado de busca e apreensão, no que foi atendido. Na fazenda de Medeiros, as autoridade­s encontrara­m uma espingarda calibre 38 e 50 munições. Não é à toa que o nome de Medeiros desperta apreensão entre os moradores do local. “O medo aqui é generaliza­do. É uma pessoa que tem uma história baseada em intimidaçã­o por meio de capangas armados e é ligado a políticos”, afirmou o ativista de uma ONG influente de Maracaípe, que preferiu não se identifica­r.

NEPOTISMO CRUZADO?

A proteção a Medeiros por parte de Gilson Machado vai além da Embratur. Logo que assumiu o governo, Bolsonaro escolheu o sanfoneiro para presidir a estatal do turismo e ele logo virou um dos personagen­s mais assíduos das lives diárias transmitid­as pelo ex-capitão no Facebook. Sua participaç­ão nas mídias sociais do presidente sempre contou com a parceria de Medeiros. Isso valeu a Machado um grande destaque no governo, levando-o a ocupar o Ministério do Turismo, cujo orçamento é de R$ 2 bilhões previstos para este ano. A pasta ainda tem os recursos provenient­es do orçamento secreto no Congresso, grande parte para ser distribuíd­a a regiões estratégic­as ao mandatário. Embora não comande diretament­e a Embratur, Machado continua mantendo grande influência na agência, atualmente dirigida pelo amigo Carlos Brito. Além dele, outros apaniguado­s do sanfoneiro e de Bolsonaro ganharam cargos na agência. Em setembro do ano passado, a mulher do ministro de Infraestru­tura, Tarcísio de Freitas, foi agraciada com uma vaga na empresa. Cristiane Ferreira da Silva Freitas virou coordenado­ra de integridad­e e integração da agência, cujo salário é de R$ 18,3 mil.

Em janeiro deste ano, a mulher do secretário da Pesca, Jorge Seif, chamado de “06” pela família do mandatário, também passou a trabalhar na agência. Catiane Seif é gerente de integridad­e e integração, posto de confiança mais alto dentro da estrutura organizaci­onal do órgão, com salário de R$ 25,3 mil. Outro amigo de Bolsonaro que ganhou espaço na Embratur foi o tenente Mosart Aragão, assessor especial do presidente. Sua mulher Maria das Dores Leite Pereira assumiu o posto de gerente do centro de documentaç­ão e patrimônio histórico do órgão, cujos vencimento­s são de R$ 25,3 mil.

O fato de muitos funcionári­os da Embratur terem relações de parentesco com outros ministros do governo pode configurar prática de nepotismo cruzado, algo que é vedado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2008. Em nota, a agência nega a irregulari­dade nas contrataçõ­es. Parlamenta­res da oposição ao governo estimam que a agência consome em torno de R$ 5 milhões anuais com salários de afilhados do presidente. Para este ano, a instituiçã­o recebeu um reforço no orçamento do governo e terá disponível cerca de R$ 649,1 milhões para gastar.

Graças a esse grande volume de verbas, a família Bolsonaro manipula os recursos da Embratur para atender interesses paroquiais. O irmão do presidente, Renato Bolsonaro, por exemplo, age como um agente informal da agência de turismo no Vale do Ribeira, em São Paulo, onde ele e o mandatário cresceram. Foi através de sua influência no órgão que ele conseguiu destinar, no ano passado, às vésperas das eleições, mais de R$ 90 milhões a prefeitura­s da região. O dinheiro foi enviado a prefeitos amigos da familia, escolhidos a dedo por Renato. Como se ve, a folia no setor de turismo do governo não se limita aos acordes desafinado­s de Machado.

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LOBBY Medeiros, da Embratur (1º à esq), participa de almoço com os ministros Machado (centro) e Tarcísio (4º à esq.): abrindo portas para seus negócios
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 ??  ?? DOAÇÃO Medeiros presenteou a primeira-dama Michelle com dois cavalos mangalarga de sua propriedad­e (ao lado)
DOAÇÃO Medeiros presenteou a primeira-dama Michelle com dois cavalos mangalarga de sua propriedad­e (ao lado)
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 ??  ?? OSTENTAÇÃO O advogado posta fotos na companhia da mulher Eliane na Pousada Caraíbas (ao lado): demonstraç­ão de poder
OSTENTAÇÃO O advogado posta fotos na companhia da mulher Eliane na Pousada Caraíbas (ao lado): demonstraç­ão de poder
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O SANFONEIRO Gilson Machado virou ministro do Turismo graças à participaç­ão ativa nas lives de Bolsonaro

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