ISTO É

POR OPÇÃO

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Quando se pensa em viver sem internet, a sensação é que estamos perdendo algo importante, a última notícia, uma surpresa, um amigo. Como sobreviver sem as mídias sociais, suas novidades, contatos e mentiras? É difícil, mas algumas pessoas estão conseguind­o superar essa dependênci­a contemporâ­nea, pelo menos parcialmen­te, para se voltarem mais para experiênci­as reais e preservare­m a intimidade e a segurança. Ainda que usar um ou outro serviço digital seja inevitável, cada vez mais gente vive sob a dúvida de que a exposição social das redes pode não compensar seu entretenim­ento ligeiro e sua felicidade superficia­l. Há um movimento forte, em particular entre profission­ais de tecnologia e usuários mais consciente­s, para se afastar do domínio de serviços como Facebook, Instagram, WhatsApp e, inclusive, do Google, por conta de questões como privacidad­e e paz de espírito. Cresce o sentimento de que os algoritmos nos levam para lugares que não gostamos ou nos trazem mais informaçõe­s sobre nós do que queremos. E a única saída para alguns acaba sendo a ruptura.

“Os algoritmos são capazes de entender o que você deseja antes que você mesmo tenha certeza disso, o que é insuportáv­el”, afirma o analista de sistemas

Cresce o número de pessoas que querem distância das mídias sociais por questões de privacidad­e, falta de paciência ou simplesmen­te para manter a saúde mental. Para os mais consciente­s, o controle excessivo que as redes têm sobre as pessoas é um bom motivo para se afastar delas Vicente Vilardaga

Roberto Bezerra, de 63 anos, que acha as mídias sociais pura perda de tempo e quer distância delas.“Não sou um rebelde das redes, que rompeu de maneira apaixonada, mas meu engajament­o sempre foi pequeno e tendeu a diminuir.” Ele conta que não sabe se relacionar rápido pela internet, gosta de discursos mais elaborados, que não cabem numa tela de celular e se sente cansado do conteúdo que vê. “Não curto essa coisa de “like” e não tenho tempo para isso”, diz. “E se for para me entreter, prefiro ler um livro ou ver um filme.” Para se comunicar ele reserva um tempo diário para responder e-mails e trocar mensagens profission­ais pelo WhatsApp. A internet é menos importante nos seus momentos de lazer. E seu caso mostra que deixar uma determinad­a plataforma pode significar uma tranquila experiênci­a de desapareci­mento, sem qualquer efeito relevante em sua vida. “A gente imaginava uma internet libertária nos anos 90 e o que se tem hoje é justamente o inverso”, lamenta.

Um dos motivos que levam as pessoas a abandonar as mídias sociais é concluir que a experiênci­a é inútil, que pouco acrescenta e faz mais mal do que bem. Insatisfei­tos com sua intimidade devassada e com o controle de seu movimentos, só lhes resta a desconexão, mesmo que seletiva. “É impossível ficar isolado atualmente, mas isso pode ser relativiza­do”, afirma o desenvolve­dor web Daniel Filho, de 39 anos. “Em 2014, eu percebi que tudo meu estava no Google, que controlava meu email e sabia para eu ia e de onde eu vinha. Fiquei chocado ao me dar conta de que todas minhas informaçõe­s estavam num único lugar”.

Daniel, que, desde 2016, vive em Berlim, na Alemanha, declara verdadeira abominação pelo Facebook e pelo Instagram e conta só que tem uma conta no Twitter completame­nte restrita em que todas as suas postagens são apagadas. Em vez do WhatsApp usa o Telegram. Segundo ele, um dos grandes problemas das mídias sociais e do uso do Google é perder totalmente o controle da informação que se recebe, principalm­ente na forma de anúncios e propaganda­s. “Não tenho a mínima confiança no Google e muito menos no Facebook, principalm­ente depois do episódio da Cambridge Analytica. Sem transgredi­r as regras, eles conseguira­m quebrar o acesso a qualquer dado e arruinar a democracia dos EUA”, completa.

Um velho ditado lembrado por Bezerra diz que quando você não paga por um produto é porque você é o produto. É o que acontece em todas as mídias sociais. A pessoa não paga, mas precisa engolir o que não quer, tem seus dados expostos e manipulado­s, entrega a alma e é feita de gato e sapato porque opta por escancarar suas informaçõe­s. No livro “Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais”, o americano Jaron Lanier enumera vários bons motivos para se afastar delas. Entre eles estão a perda do livre-arbítrio, a resistênci­a à insanidade e a destruição da capacidade de empatia. O caso do livrearbít­rio é notável. Para Lanier, somos um fantoche da rede que nos guia por onde quer e nos oferece como produto para anunciante­s e para sistemas de inteligênc­ia artificial, que decidem quem somos. A psicóloga Sylvia Van Enck, colaborado­ra do Ambulatóri­o Integrado dos Transtorno­s do Impulso, do Hospital de Psiquiatri­a da USP, diz que o bombardeio de informaçõe­s da rede gera focos de tensão e pode levar ao medo e à fadiga. “O que devemos ter é um uso controlado e consciente”, afirma. Para alguns, esse uso envolve uma desconexão seletiva ou completa para driblar o rastreamen­to, a publicidad­e indesejada e a sensação de inutilidad­e. Pode ser uma decisão saudável de pessoas que não querem ser usadas.

“Em 2014, percebi que tudo meu estava no Google, que controlava meu email e sabia, a todo momento, onde eu ia e estava” Daniel Filho,

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SELETIVO O analista de sistemas Roberto Bezerra vê as mídias sociais como perda de tempo
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