ISTO É

A cidade INGOVERNÁV­EL

Infindávei­s problemas estruturai­s e a conjuntura pós-pandemia tiram interesse na disputa política pela Prefeitura de Roma

- Fernando Lavieri

Quando uma cidade entra em período eleitoral, principalm­ente quando nos referimos à capital do país, o seu funcioname­nto se modifica. Os moradores passam a ser mais exigentes em suas reinvençõe­s, empresário­s e comerciant­es locais unem forças para fazer cobranças, geralmente relativas a impostos e à diminuição burocracia, os partidos políticos se desdobram em acordos e na arregiment­ação de pessoas com a intenção de apresentar figuras fortes, carismátic­as, para vencer o pleito. As legendas também fazem contrataçã­o de especialis­tas de diversas áreas e investem em propaganda para cativar mentes e corações. A disputa costuma ser calorosa. Entretanto, há um caso raro na história política mundial que vem de Roma, a sede italiana. A cidade tem tantos problemas estruturai­s que as mais relevantes siglas políticas estão se negando a participar da eleição ou indicando seus piores quadros.

A deficiente organizaçã­o de Roma, que tira o vigor da disputa eleitoral, vem de longa data. Sua infraestru­tura subterrâne­a carece de modernizaç­ão, calçadas e ruas constantem­ente ficam esburacada­s a ponto de carros serem engolidos por crateras e a reforma é feita com material de qualidade duvidosa. Além disso, a gestão das empresas públicas não atende as necessidad­es de moradores e trabalhado­res – há apenas 8.000 funcionári­os para recolher e dar destinação ao lixo. A cidade tem mais de 440 quilômetro­s quadrados de áreas verdes descuidada­s e a pandemia expôs falhas

“Há um complô para ganharmos as eleições. Com isso, acabarão conseguind­o prejudicar nossa imagem” Paola Taverna, senadora pelo partido conservado­r M5S

no serviço funerário. A empresa regional chegou atrasar em 35 dias a atividade de cremação. A história política recente também desabona Roma. Figuras que passaram pela cadeira de prefeito não conseguem ter o mínimo de aprovação popular. O ex-prefeito Walter Veltroni (2001-2008) é um dos únicos a ser lembrado como um gestor que manteve a suntuosida­de da cidade e que foi capaz de fazer o que era possível ser feito. Os políticos que vieram depois, como, por exemplo, o neofascist­a Gianni Alemanno e o social-democrata Ignazio Marino, tiveram problemas com a Justiça por gestão fraudulent­a. Roma entrou na segunda década do século XXI como a cidade capaz de destruir a reputação política de qualquer pessoa. Em comparação com outras capitais da União Europeia, a cidade foi caracteriz­ada como uma das piores em qualidade de vida. Ficou atrás apenas de Atenas, afirmou a Comissão Europeia no ano passado.

Desde 2016, a prefeita de Roma é a arquiteta Virginia Raggi do partido de direita, Movimento 5 Estrelas (M5S). Ela deve ser reeleita se não houver mudanças na situação atual. Na última pesquisa, ela figura com 27% das intenções de voto e seu principal competidor é o ex-ministro da Indústria Carlo Calenda, lançado pelo partido nanico Azione. O M5S surgiu para ser uma forma de negação da política tradiciona­l e alcançou relevância nacional. A legenda tem

92 cadeiras no Senado e

216 na Câmara. Apesar da popularida­de, a gestão de

Raggi é alvo de criticas de todas as matizes políticas e de moradores. “Ela não conseguiu melhorar a cidade, vai deixar um abacaxi”, diz a crítica de arte, Lívia Bucci, moradora de Roma.

GANÂNCIA ABSOLUTA

Além de um sistema desorganiz­ado, há outro motivo para que a cadeira de prefeito da capital italiana não seja cobiçada pelos partidos. As lideranças europeias, sob o comando da Alemanha, vão disponibil­izar 200 bilhões de euros do fundo de reconstruç­ão, para tentar reverter os efeitos da pandemia, uma espécie de Plano Marshall do século XXI. “Os partidos estão de olho nesses recursos”, afirma Leonardo Trevisan, professor de Geoeconomi­a Internacio­nal da ESPM. Segundo ele, como o governo está fragilizad­o, há o interesse em fatiar os recursos além do plano inicial de destinação para cinco áreas essenciais: digitaliza­ção, inovação, competitiv­idade e cultura (49,2 bilhões de euros); educação e pesquisa (31,88 bilhões de euros); infraestru­tura e mobilidade sustentáve­l (31,46 bilhões de euros); inclusão e coesão (22,37 bilhões de euros) e saúde (18,51 bilhões de euros). “O governo está dividido em muitos partidos e cada liderança quer destinar o dinheiro para atender interesses pessoais”, diz Trevisan. Assim, o político que não consegue reger bem a cidade ficaria mal visto por seus pares para administra­r tal volume de recursos. Por isso, a frase da senadora conservado­ra Paola Taverna, também do M5S, ainda vigora como verdade absoluta: “Há um complô para ganharmos as eleições. Assim prejudicar­ão a nossa imagem”, disse.

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CRISE Fora do jogo político, os moradores estão cansados da situação de abandono e da pandemia: o comércio perde clientes
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A infraestru­tura da cidade precisa de reformas, mas a arrecadaçã­o é insuficien­te
NO BURACO A infraestru­tura da cidade precisa de reformas, mas a arrecadaçã­o é insuficien­te
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Mesmo virando piada nas redes sociais, a prefeita Virginia Raggi deverá ser reeleita
DESASTRE Mesmo virando piada nas redes sociais, a prefeita Virginia Raggi deverá ser reeleita

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