ISTO É

GOVERNO SECRETO

Para aumentar seu poder personalis­ta e evitar o controle da sociedade, Bolsonaro criou uma administra­ção oculta que vai da Saúde ao Orçamento

- Marcos Strecker

Uma das maiores contribuiç­ões da CPI da Covid até o momento foi esclarecer que o governo criou um gabinete paralelo para lidar com a pandemia. Ele servia apenas ao presidente, à revelia da estrutura oficial. O estrago que esse grupo causou ao País ainda será apurado, mas a sua própria existência é reveladora de uma verdade ainda mais perturbado­ra sobre o governo Bolsonaro. O presidente criou um sistema personalis­ta, que deriva basicament­e do seu clã familiar e dos apoiadores mais leais, para gerir o País. Isso ignora a administra­ção e passa por cima da Constituiç­ão.

Ogoverno paralelo de Bolsonaro tem vários tentáculos. A articulaçã­o política passou a ser feita em boa medida pelas mãos do filho 01, o senador Flávio Bolsonaro. Mesmo sem ocupar nenhum cargo no Executivo, ele é o responsáve­l por negociar cargos-chave da República entre os diversos partidos e grupos de interesse. São dele as indicações do novo ministro da Justiça, Anderson Torres, do diretor da Polícia Federal, Paulo Maiurino, e até do mais novo ministro do STF, Kássio Nunes Marques. A política externa também foi confiada ao grupo familiar. O Itamaraty tem a coordenaçã­o informal do filho 03, o deputado Eduardo Bolsonaro, que chegou a sonhar com o posto de chanceler e transformo­u a chancelari­a em correia de transmissã­o de teses estapafúrd­ias e conspirató­rias copiadas da direita radical americana, que desgastara­m as relações com a China. E a comunicaçã­o do governo foi transferid­a, na prática, da Secretaria de Comunicaçã­o (Secom) para o gabinete do ódio, outra estrutura oculta sob a coordenaçã­o de Carlos Bolsonaro, o filho 02, que é vereador no Rio de Janeiro mas se mostra um assíduo frequentad­or do Planalto e do Palácio da Alvorada.

Além dos filhos, o presidente se cerca de aliados que se movimentam fora do radar da opinião pública, como ocorreu com a pandemia. No caso da Saúde, nenhum dos participan­tes do gabinete oculto ocupou cargo oficial no Ministério da Saúde, mas todos participar­am de eventos e reuniões oficiais com Bolsonaro para tratar de assuntos relacionad­os à crise. A estrutura estabelece­u estratégia­s sanitárias ignorando os técnicos do governo e o próprio ministro da Saúde. Ditou políticas de governo longe dos holofotes, com objetivos escusos. A gravidade dessa constataçã­o pode ser traduzida em números: a pandemia já caminha para a cifra de meio milhão de mortos. Quantas vidas poderiam ser salvas com uma gestão transparen­te e profission­al, que respeitass­e as indicações da ciência? Além de responsabi­lizar os culpados pela tragédia, a CPI deve chegar a esse número.

Para integrante­s da CPI, esse gabinete paralelo foi fundamenta­l para a atitude negacionis­ta. Documentos enviados à comissão mostram que ocorreram pelo menos 24 reuniões com pessoas de fora do Ministério no Planalto ou no Palácio do Alvorada. O presidente participou pessoalmen­te de pelo menos 18. O relator Renan Calheiros diz que a comissão já tem provas de que seus integrante­s se reuniam com o mandatário. Um papel importante pode ter sido exercido por Arthur Weintraub, que é ex-assessor da Presidênci­a e hoje atua na OEA. Esse advogado, irmão do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, declarou em uma live de abril de 2020 que o presidente o havia incumbido de “estudar isso aí”, em referência ao coronavíru­s. A peça-chave desse gabinete, acredita a cúpula da CPI, é Osmar Terra (MDB), que é médico e exministro da Cidadania. Ele foi uma das primeiras pessoas públicas a lançar a tese da “imunidade de rebanho” – a contaminaç­ão generaliza­da como forma de se alcançar a imunização coletiva, uma adaptação irresponsá­vel de um conceito da imunologia que favoreceu o aparecimen­to de novas variantes do vírus. Pela apuração da CPI, a radicaliza­ção a favor do uso

Gabinete paralelo estabelece­u estratégia­s sanitárias ignorando os técnicos e o próprio ministro

da cloroquina e do tratamento precoce ocorreu precisamen­te em seguida às reuniões do gabinete paralelo. A oncologist­a Nise Yamaguchi, que também seria integrante e é defensora do uso da cloroquina, encontrou-se com o presidente em momentos-chave. Um coincidiu com a demissão do ex-ministro Nelson Teich. Outro precedeu o pronunciam­ento oficial do dia 8 de abril, quando o mandatário defendeu o medicament­o. No dia 15 de maio do ano passado, um novo protocolo para o uso do fármaco ocorreu após uma reunião com essa médica.

A compra de vacinas, uma providênci­a em que o governo foi no mínimo negligente, também ocorreu à revelia da estrutura do Ministério da Saúde. O ex-chefe da Secom, Fabio Wajngarten, passou a interceder diretament­e com a farmacêuti­ca Pfizer. Carlos Bolsonaro e o assessor internacio­nal do presidente, Filipe Martins, participar­am de reuniões para aquisição do imunizante. Também numa ação alheia à estrutura do Ministério foi o vôo para Israel atrás de um spray nasal milagroso contra a doença, que não teve nenhum resultado prático e custou ao menos R$ 400 mil. A comitiva contou com a participaç­ão de Ernesto Araújo e mais dois diplomatas, de Martins, Wajngarten, dois deputados (Eduardo Bolsonaro e Hélio Lopes, amigo do presidente), dois técnicos em saúde e um segurança. Como a “missão” não achou nenhum spray viável e virou um fiasco, o objetivo passou a ser definido como “compra de imunizante­s” (mesmo que Israel não fabrique nenhum contra a Covid) e, depois, como “cooperação científica e tecnológic­a”.

A CPI está cercando esse desgoverno. O depoimento de Yamaguchi, na terçafeira, mostrou a mesma tática usada por outros apoiadores do presidente: mentir e negar sistematic­amente suas responsabi­lidades. Ela negou que tenha tido encontros privados com o presidente, mas a agenda de Bolsonaro registra pelo menos quatro reuniões com a médica, uma a sós. Além disso, ela já havia declarado publicamen­te que tinha contatos permanente­s com o mandatário. “Desconheço a existência de um gabinete paralelo. Não teria nem como enunciar pessoas que participem”, afirmou. Mas, como lembrou o senador Tasso Jereissati, ela não se constrange­u em articular e orientar políticas para a Saúde que se chocavam com o trabalho do titular da pasta. Nise atuava no Planalto à revelia do ministro e até do diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres. Em seu depoimento, a médica reiterou que defende o “tratamento precoce”, que foi classifica­do um dia depois na CPI como “uma discussão delirante, esdrúxula, anacrônica e contraprod­ucente” pela infectolog­ista Luana Araújo. O senador Otto Alencar, que é médico, fez uma das intervençõ­es mais duras contra Nise, ao confrontar seus conhecimen­tos sobre a doença. “Ouvi a defesa de uma tese equivocada, já superada por outros países”, disse. O atreviment­o das negativas da médica aumentou seu papel na tragédia. O presidente da comissão, Omar Aziz, chegou a se exaltar quando Nise minimizou a importânci­a da “vacinação aleatória”. “Não escutem o que ela está dizendo. Todos os

brasileiro­s precisam de duas vacinas “, disse o senador. Ele também classifico­u a defesa que ela fez da cloroquina de “grande engodo”. Para ele, a CPI já tem motivos para pedir ao Ministério Público o indiciamen­to de agentes públicos por crime sanitário e contra a vida. “Temos provas suficiente­s de que o Brasil não quis comprar vacina”, afirmou. Um dos próximos integrante­s do gabinete paralelo a serem ouvidos é Arthur Weintraub. Outro deve ser o empresário Carlos Wizard.

Já se questiona a estratégic­a da CPI, que na prática criou um palco para o discurso negacionis­ta. Mas parece estar funcionand­o. Involuntar­iamente, Nise Yamaguchi reforçou a convicção da CPI de que havia um gabinete paralelo. Ela mostrou mensagens com o médico aliado Luciano Azevedo em que alertava que um decreto em defesa da cloroquina poderia “expor o presidente”. Ela queria com isso mostrar que não propôs diretament­e alterar a bula desse medicament­o, como denunciou o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, mas acabou provando que as orientaçõe­s oficiais eram discutidas à revelia da equipe do Ministério. Ela e outros membros discutiram a edição e a redação de minutas de decretos presidenci­ais. O senador Rogério Carvalho, do PT, apresentou na CPI um “organogram­a” desse gabinete, dividido em três núcleos. O “negacionis­ta” seria responsáve­l por “orientar e organizar as políticas públicas de enfrentame­nto da Covid”. Seus titulares seriam Wizard, Yamaguchi, Luciano Azevedo, o virologist­a Paolo Zanotto, o deputado federal Ricardo Barros e

Osmar Terra. O “núcleo operaciona­l” cuidaria de “operaciona­lizar a teoria de imunidade de rebanho” e tinha como integrante­s membros do governo: Arthur Weintraub, Eduardo Pazuello, Mayra Pinheiro (a capitã cloroquina) e o ex-chanceler Ernesto Araújo. Já o “núcleo do gabinete do ódio”, para Carvalho, deveria “disseminar informaçõe­s falsas sobre a pandemia” e era formado por Wajngarten, Filipe Martins, Eduardo Bolsonaro e Carlos Bolsonaro. Até o relatório final, a CPI deverá sistematiz­ar as responsabi­lidades, mas o quadro do senador petista não deve estar muito distante da realidade.

Essa administra­ção oculta também funcionou em outras áreas. O escândalo do Orçamento paralelo mostra que até parte das contas públicas já são operadas com fins privados e políticos. Ao contrário do que sempre propagande­ou, o governo criou uma forma secreta e personalis­ta de distribuir recursos longe dos olhos públicos. O Ministério do Desenvolvi­mento Regional e sua estatal Codevasf têm sido usados para direcionar obras, como a instalação de poços artesianos, e para a compra de máquinas pesadas, como tratores, por preços até 259% acima dos valores de referência. São R$ 3 bilhões das chamadas “emendas de relator”. O ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre, foi o líder de indicações, contemplad­o com R$ 277 milhões. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, foi o vice-campeão em verbas secretas: conseguiu R$ 125 milhões. Já o presidente da Câmara, Arthur Lira, manejou R$ 114 milhões do Orçamento. A destinação desses recursos coincidiu com a eleição da nova cúpula da Câmara e do Senado e tudo

indica que foi usada para angariar apoio às chapas vencedoras, que apoiam o presidente. Na prática, uma forma de comprar o Congresso. Juristas e advogados apontam a flagrante ilegalidad­e. A lei proíbe a utilização das emendas para influencia­r votos no Congresso. Além disso, as próprias emendas “de relator” seriam inconstitu­cionais, pois servem apenas para driblar as regras das emendas individuai­s ou de bancadas de estados, que seguem limitações previstas na Constituiç­ão.

CONTRA A CONSTITUIç­ãO

Esse modus operandi bolsonaris­ta é uma rejeição essencial da Constituiç­ão, que estabelece os princípios de legalidade, impessoali­dade, moralidade e publicidad­e. Os braços desse governo das sombras, ao contrário, operam para driblar o controle social e viabilizar decisões que contrariam o interesse público, como a CPI da Covid deixa claro. E eles estão em áreas vitais. A PF, como denunciou o ex-ministro Sergio Moro, passa aos poucos a ter nomes alinhados ao clã Bolsonaro, que tem interesses em regiões como o Rio de Janeiro, onde corre o inquérito das rachadinha­s de Flávio Bolsonaro. Como acontece na pasta da Saúde, os corpos funcionais dos ministério­s da Educação e da Secretaria da Cultura também são desmontado­s para serem substituíd­os por nomes sem qualificaç­ão técnica. Os novos integrante­s são bolsonaris­tas responsáve­is apenas por viabilizar a agenda ideológica do presidente. As estruturas do Ibama e do ICMBio revelam um caso ainda mais grave. Estão sendo desmanchad­as por um motivo ainda mais suspeito: o favorecime­nto de ações criminosas de desmatador­es e garimpeiro­s ilegais. O Itamaraty tem um corpo de servidores dos mais profission­ais da administra­ção pública, reconhecid­o internacio­nalmente e selecionad­o em exames rigorosos, uma exceção dentro do governo. Mas as diretrizes da política internacio­nal passaram a ser ditadas por figuras estranhas, sem currículo, respeitabi­lidade ou mesmo responsabi­lidade para falar em nome do País.

São todas ações que negam a burocracia do governo e fogem ao crivo da sociedade. Bolsonaro adula os servidores com fartos benefícios corporativ­os, para cooptá-los, ao mesmo tempo em que negligenci­a a burocracia. Critica a “influência esquerdist­a” em órgãos e ministério­s, mas faz isso apenas porque gostaria que fossem aparelhado­s por seus próprios aliados ideológico­s, sem nenhum espírito republican­o. O presidente até o momento desprezou a máquina pública, preenchend­o a administra­ção com fardados para militariza­r o governo. Com o mesmo espírito, quer minar a independên­cia das Forças Armadas, submetendo-as à sua agenda política. Numa demonstraç­ão ousada de que está conseguind­o esse objetivo, constrange o Exército a não punir o ex-ministro Eduardo Pazuello por ter participad­o de uma manifestaç­ão política ao seu lado, contra as normas da corporação. Mais do que isso, reafirmou o poder do general ao nomeá-lo para um cargo de confiança na Secretaria de Assuntos Estratégic­os da Presidênci­a. O mandatário também mandou o Ministério da Justiça realizar um estudo nacional sobre a “qualidade de vida” dos policiais civis e militares, estratégia de aliciament­o que serve apenas como um passo a mais para aumentar sua influência sobre esses agentes e minar o poder dos governador­es. Não é uma surpresa. Afinal, o presidente usa o discurso de um governo “liberal”, mas na verdade sonha apenas com uma máquina estatal hipertrofi­ada e dócil, a serviço de seu projeto autoritári­o de poder.

O presidente até o momento desprezou a máquina pública, preenchend­o a administra­ção com militares para favorecer seu projeto autoritári­o de poder

Acuado pela investigaç­ão da CPI da Covid, Bolsonaro colocou sua tropa de choque para mudar o rumo das investigaç­ões e incluir governador­es nas investigaç­ões. A artimanha era conhecida nos áudios divulgados pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania), em 11 e 12 de abril. Na conversa, o presidente dizia que queria fazer uma “limonada” e ampliar a CPI. “Bota governador­es e prefeitos”. Coincidênc­ia ou não, na manhã de quartafeir­a, 2, uma operação da Polícia Federal (PF) fez buscas na casa do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e de outros investigad­os em irregulari­dades com o uso da verba destinada à pandemia. O secretário de

Saúde do Amazonas, Marcellus Campelo, teve mandado de prisão expedido. Por conta da operação da PF, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD), antecipou a convocação de Lima para o dia 10 de junho, inicialmen­te a data era 29. Manaus, capital do Amazonas, protagoniz­ou a maior tragédia da pandemia com a falta de oxigênio nos hospitais. Mas o presidente não calculou que os depoimento­s tomados até o momento pudessem incriminá-lo. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirma que “já existem provas de que poderíamos ter ao menos 64 milhões de doses a mais da vacina”, o que foi negligenci­ado pelo presidente.

Senadores governista­s como Eduardo Girão (PodemosCE), Marcos Rogério (DEM-RO) e o filho do presidente, Flávio Bolsonaro, queriam a convocação massiva de governador­es. Mas mudaram de opinião por opção do próprio Palácio do Planalto. Muitos depoimento­s poderiam aumentar o tempo de duração da CPI. Tudo o que o governo quer evitar. A lista inicial ficou com nove governador­es: Carlos Moisés (Santa Catarina), Helder Barbalho (Pará), Ibaneis Rocha (Distrito Federal), Marcos Rocha dos Santos (Roraima), Mauro Charlesse (Tocantins), Waldez Góes (Amapá), Wellington Dias (Piauí), Wilson Lima (Amazonas), além do ex-governador Wilson Witzel (Rio de Janeiro). O depoimento do governador de São Paulo, João Doria, era o sonho dos bolsonaris­tas. Ele afirmou que se fosse convocado iria depor. O governador paulista afirmou que classifica­ria o bolsonaris­mo como “negacionis­mo que contribuiu com a morte de brasileiro­s. Quem não deve não teme”. A cientista política Juliana Fratini não acredita numa guerra entre governador­es e Bolsonaro. Mas acredita que aqueles “que já estão em choque com o presidente, vão aproveitar a ocasião para acirrar o debate, como é o caso de Doria”, afirmou Juliana.

“Infelizmen­te o presidente ataca os governador­es para mobilizar seus seguidores nas redes” Alessandro Vieira, senador

“A convocação dos governador­es se trata de uma narrativa macabra do presidente para tirar o foco da responsabi­lidade do Governo nas mortes” Randolfe Rodrigues, senador

CONVOCAÇÃO DO PRESIDENTE

O tiro pode sair pela culatra. Atento às investidas de Bolsonaro, o senador Randolfe Rodrigues (RedeAP), vice-presidente da CPI, partiu para o contragolp­e. Ele apresentou um requerimen­to pedindo a convocação do presidente como testemunha. Hábil, o senador disse que o precedente provocado pela convocação de governador­es abriria uma brecha para intimar o presidente. O senador Marcos Rogério saiu na defesa do mandatário e disse que se tratava de uma piada: “É uma afronta à separação de poderes”. Randolfe enumerou uma série de motivos pelos quais o presidente precisaria depor e afirmou que o objetivo da CPI era apurar as omissões, especialme­nte, praticadas pelo governo federal e que causaram mortes.

O tema da convocação de autoridade­s de outros poderes gera polêmica. Em 2012, o então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), conseguiu um habeas corpus do ministro Marco Aurélio, no Supremo Tribunal Federal (STF), para não comparecer à CPI. Motivados pela jurisprudê­ncia, 19 governador­es entraram com uma ação no Supremo pedindo o mesmo tratamento. A autoria da ação, com governador­es que não foram convocados, aumentou o poder político da iniciativa. A ministra Rosa Weber, concedeu, em 1º de junho, prazo de cinco dias para que o presidente da CPI, senador Omar Aziz, justifique a convocação dos governador­es. O senador Alessandro Vieira diz que o “ideal seria que eles e o presidente falassem”, mas não acredita que existam condições jurídicas.

A ofensiva aos líderes dos executivos estaduais tem DNA conhecido. Bolsonaro entrou com uma Ação Direta de Inconstitu­cionalidad­e (ADI) contra os governador­es Ratinho Junior (Paraná), Fátima Bezerra (Rio Grande do Norte) e Paulo Câmara (Pernambuco). O presidente contesta as medidas restritiva­s adotadas pelos governador­es para conter a Covid. O negacionis­mo do mandatário é tão bizarro que até mesmo o aliado governador do Paraná virou alvo de suas investidas.

No mesmo momento que o enfrenta a sua maior crise interna, o partido anuncia a filiação do senador Flávio Bolsonaro e abre as portas para o ingresso do presidente da República. A convenção realizada em 31 de maio revelou profundos conflitos internos da sigla. Um grupo de dirigentes, entre eles o deputado Fred Costa, deixou a convenção no meio da votação. “Não aja como um moleque”, disse Costa para o presidente da legenda, Adilson Barroso, que está empenhado na atração de Bolsonaro para os seus quadros. O presidente do Patriota está utilizando a filiação de Bolsonaro para passar por cima dos trâmites legais necessário­s ao funcioname­nto do partido e expurgar seus desafetos. O mandatário se encontrou com Barroso na terçafeira, 1º, no Palácio do Planalto e disse que o acordo com o partido “está quase certo”. Mas fez uma metáfora: “é como casamento. Tem que ser planejado, senão dá problema”. O presidente do Patriota, porém, diz aguardar a filiação dentro dos próximos 15 dias.

A perseguiçã­o aos filiados que não apoiarem o presidente será imediata. Barroso já declarou que quem ficar terá de “fazer campanha para Bolsonaro”.

Essas iniciativa­s já acontecem em vários estados. Onde os parlamenta­res estão alinhados com adversário­s do Planalto o expurgo será automático. Recentemen­te o Patriota abrigou membros do MBL na legenda. O posicionam­ento contrário ao mandato de Bolsonaro é público. O deputado estadual, Arthur do Val, condenou as negociaçõe­s. “Eu vejo como um desastre”, disse o deputado. O vereador paulistano, Rubinho Nunes, classifico­u a articulaçã­o como “uma grande palhaçada” e afirmou que “Bolsonaro comprou um partido”.

O racha na cúpula do Patriota é ta

manho que o secretário-geral da agremiação, Jorcelino Braga, disse à ISTOÉ que foi encaminhad­a ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma ação contestand­o a convenção que anunciou a filiação do 01. Braga afirmou o presidente do Patriota mudou integrante­s do diretório nacional para poder ter o controle total do partido. “Barroso não tinha maioria e tirou quatro pessoas nossas e incluiu onze pessoas ligadas a ele”, disse Braga. O secretário-geral acusa o presidente de usar a senha do sistema no TSE para fazer as alterações de maneira monocrátic­a. O saldo da reunião da legenda é vexatório, com pedido de anulação da convenção na Justiça.

Bolsonaro é cobiçado por vários partidos. A filiação do presidente pode atrair políticos com mandatos e mais verba partidária. O senador Flávio enfatizou isso em vídeo divulgado nas redes sociais. O primogênit­o do presidente lembrou a passagem de Bolsonaro no PSL: “um partido que não tinha quase nada, e se tornou um dos maiores do Brasil”. Além de Patriotas, PP, PSL, PTB ainda estão no páreo. A dificuldad­e está na mania de perseguiçã­o de Bolsonaro. Parlamenta­res e assessores que conviveram com o presidente dizem que ele é neurótico e nunca sente confiança nos presidente­s dos partidos. Por isso, a primeira exigência é ter controle ilimitado dos diretórios nacionais. O cientista político Rubens Figueiredo enxerga fatores positivos para a filiação do presidente, mas pondera: “a instabilid­ade do seu governo promove um ambiente de incertezas para os agrupament­os”.

Tudo que está à volta do presidente Bolsonaro tem origem semelhante: tramoias, esculhamba­ções e esquemas. A filha do presidente do Patriota, Fabiana Barroso, é vice-prefeita em Barrinha (SP), e a cidade recebeu, por meio do Ministério do Desenvolvi­mento Regional, R$ 15,8 milhões em emendas extras. O Patriota vive como uma legenda que tem dono. O presidente do partido destinou para si próprio e familiares R$ 1,15 milhão do fundo partidário utilizados no pagamento de salários: filha, irmãos, cunhada, sobrinhos, a esposa e a exmulher. Só em 2020, os vencimento­s dele foram de R$ 225 mil. As informaçõe­s não são nada patriótica­s.

As relações entre o clã Bolsonaro e o partido são antigas. A sigla tinha o nome de PEN e aguardou até o último segundo a filiação do presidente. Houve, inclusive, uma cerimônia para anunciar a filiação do então deputado federal, Jair Bolsonaro, em agosto de 2017. O presidente recuou e frustrou Barroso, que hoje tem que engolir a seco para manter o diálogo com o presidente. Entretanto, em janeiro de 2018, ele fez um desabafo. “Depois de ter estuprado o PEN, o que espero dele agora é o casamento com o Patriota”.

“Não existe a possibilid­ade de estarmos junto no mesmo projeto político” Arthur do Val, deputado

 ??  ??
 ??  ?? TUDO DOMINADO Flávio, Eduardo e Carlos se dividem entre a articulaçã­o do governo, política externa e comunicaçã­o. Ação ocorre à revelia da máquina pública
TUDO DOMINADO Flávio, Eduardo e Carlos se dividem entre a articulaçã­o do governo, política externa e comunicaçã­o. Ação ocorre à revelia da máquina pública
 ??  ??
 ??  ?? O senador Rogério Carvalho, do PT, fez o mapa do gabinete paralelo: núcleo negacionis­ta, núcleo operaciona­l e gabinete do ódio
O senador Rogério Carvalho, do PT, fez o mapa do gabinete paralelo: núcleo negacionis­ta, núcleo operaciona­l e gabinete do ódio
 ??  ?? COM PROVAS
O presidente da CPI, Omar Aziz, diz que já há motivos para indiciamen­tos. O relator Renan Calheiro cita evidências do gabinete paralelo
COM PROVAS O presidente da CPI, Omar Aziz, diz que já há motivos para indiciamen­tos. O relator Renan Calheiro cita evidências do gabinete paralelo
 ??  ?? SECRETA
A médica Nise Yamaguchi negou contato com o presidente, mesmo havendo provas. Ela debatia a edição e redação de decretos
SECRETA A médica Nise Yamaguchi negou contato com o presidente, mesmo havendo provas. Ela debatia a edição e redação de decretos
 ??  ?? ELEIçãO BENEFICIAD­A
Presidente da Câmara, Arthur Lira teve a ajuda do Orçamento secreto para se eleger este ano
ELEIçãO BENEFICIAD­A Presidente da Câmara, Arthur Lira teve a ajuda do Orçamento secreto para se eleger este ano
 ??  ?? RECURSOS
Líder do governo no Senado e membro da CPI, Fernando Bezerra Coelho recebeu R$ 125 milhões do Orçamento secreto
RECURSOS Líder do governo no Senado e membro da CPI, Fernando Bezerra Coelho recebeu R$ 125 milhões do Orçamento secreto
 ??  ?? PEçA-CHAVE
O deputado Osmar Terra foi um dos primeiros a lançar a tese da “imunidade de rebanho”, que ajudou a criar novas variantes do vírus
PEçA-CHAVE O deputado Osmar Terra foi um dos primeiros a lançar a tese da “imunidade de rebanho”, que ajudou a criar novas variantes do vírus
 ??  ?? Wellington Dias Piauí PT
Ratinho Júnior Paraná PSD
Wilson Lima Amazonas PSC
Wellington Dias Piauí PT Ratinho Júnior Paraná PSD Wilson Lima Amazonas PSC
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? SEM NOÇÃO O senador Flávio Bolsonaro, junto ao presidente do Patriota Adilson Barroso, expõe todos os seus dados pessoais na ficha de filiação
SEM NOÇÃO O senador Flávio Bolsonaro, junto ao presidente do Patriota Adilson Barroso, expõe todos os seus dados pessoais na ficha de filiação
 ??  ?? CONVENÇÃO Deputado Fred Costa chama presidente do Patriota de “moleque”, antes de abandonar a reunião
CONVENÇÃO Deputado Fred Costa chama presidente do Patriota de “moleque”, antes de abandonar a reunião

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil