APóS O ‘áGUIA’, TEMOS O ‘URUBU DE HAIA’
Em 1907, o Brasil participou pela primeira vez de um grande fórum internacional. A Conferência de Paz em Haia, na Holanda, teve como destaque o discurso de Rui Barbosa, chefe da delegação brasileira, que defendeu, no âmbito do direito internacional, a igualdade entre as nações. O discurso lhe rendeu o apelido, dado pelo Barão do Rio Branco, de “Águia de Haia”. Hoje, mais de um século depois, o nome do Brasil volta a ser vinculado à cidade holandesa, mas agora por uma razão vergonhosa: o presidente Jair Bolsonaro está cada vez mais perto de ser julgado por crimes contra a humanidade por uma corte que tem sede no local: o Tribunal Penal Internacional (TPI).
Seus magistrados não julgam países, atribuição da Corte Internacional de Justiça, órgão ligado à ONU, mas indivíduos. Desde a sua fundação, em 2002, foram 28 casos, com quatro condenações: Thomas Lubanga, Germain Katanga, e Bosco Ntaganda, ex-militares que recrutaram crianças para milícias no Congo, e Ahmad al-Faqi al-Mahdi, fundamentalista islâmico que destruiu santuários sagrados no Mali. Todos estão presos. Na semana passada, o advogado britânico Karim Asad Khan assumiu a Procuradoria-Geral do TPI. Ele será o responsável por decidir se abre ou não uma investigação contra Bolsonaro e seu governo por “violação dos direitos dos povos indígenas que constituem crimes contra a humanidade”.
É a primeira vez que o TPI aceita analisar um caso contra um brasileiro. Não sei o que você, leitor, pensa disso. Eu, como brasileiro, sinto vergonha. E nojo. A grande questão não é apenas se ele vai ser condenado ou não, mas o absurdo de que ainda há gente do seu lado. O fato de ter um presidente denunciado em Haia representa um aspecto doentio sobre a sociedade brasileira. A discussão em relação ao comportamento de Bolsonaro há muito deixou de ser política: é uma questão humana. De um lado, temos a vida.
Na conferência de 1907, Rui Barbosa defendeu a igualdade entre as nações. Hoje, Bolsonaro corre o risco de virar réu por genocídio. Que vergonha
Do outro, um arauto da morte, um ser incapaz de dizer com sinceridade uma palavra de alento às centenas de milhares de famílias que perderam seus entes queridos. É um sociopata que tem orgulho de sua monstruosidade — e que não se importa com ninguém além de sua família e seus fiéis milicianos de estimação. É muito triste para o País do “Águia de Haia” não ter mais o seu nome associado naquele palco histórico à imagem da nação dos defensores da igualdade, mas ao lar de um acusado por genocídio. Na cadeira presidencial, senta-se hoje o “Urubu de Haia”. E, em volta dele, seus apoiadores tentam legitimar a luta pela carniça.