OS MEDOS DE BOLSONARO
Ao atacar uma jornalista, o presidente revela o nervosismo crescente com as investigações da CPI. Sua responsabilidade na pandemia e a queda de popularidade apontam um cenário cada vez difícil
Oroteiro é conhecido desde o início da gestão. Sempre que o presidente está acuado, transforma os jornalistas em alvo. Mas desta vez ele mostrou algo mais do que falta de educação e desprezo pelo papel da imprensa. Sua explosão de ódio em Guaratinguetá (SP) contra a repórter Laurene Santos, da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo, deixou cristalino o fato de que o presidente enfrenta uma situação cada vez mais dramática. Ele está mais agressivo diante do avanço das investigações na CPI da Covid e da perda de popularidade. Tudo leva ao cenário de pesadelo para o mandatário: suas chances para a reeleição são cada vez menores. Até a possibilidade de impeachment volta a crescer, apesar do apoio dócil da nova direção do Congresso, eleita na base do toma lá, dá cá com verbas oficiais.
A última recaída aconteceu dois dias após as manifestações que aconteceram em todos os Estados no último sábado, 19, organizadas por movimentos sociais, sindicatos e partidos de oposição. Segundo os organizadores, foram mais de 750 mil pessoas em mais de 400 cidades do Brasil e do exterior. Os atos aconteceram no mesmo dia em que o País ultrapassou a marca de
“Quando está na defensiva, o presidente sempre parte para a agressão. Foi uma covardia absurda” Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara
meio milhão de mortos. Em relação aos óbitos e ao luto dos brasileiros, o presidente não falou nada. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, pelo menos, fez um post lamentando os mortos. Já o titular da Comunicações, preferiu atacar “políticos, artistas e jornalistas” que adotam o tom do “quanto pior, melhor” e “torcem pelo vírus”.
O mandatário completou a impostura em um dia de fúria, na segunda-feira. Atacou a jornalista que lhe questionou sobre o fato de não usar máscaras nas “motociatas” e na própria cidade que visitava. “Essa Globo é uma merda de imprensa. Vocês são uma porcaria de imprensa. Cala a boca, vocês são uns canalhas”, afirmou aos berros após tirar a máscara. Segundo o prefeito de Guaratinguetá, o presidente tinha se irritado por ter sido chamado anteriormente de genocida por manifestantes. Sobrou até para a própria equipe presidencial, que recebeu um “cala a boca”. Não é que o presidente não mantenha o decoro do cargo. Ele é contra o próprio conceito de imprensa, como já demonstrou em inúmeras ocasiões. Desde o início da gestão, já disse para um repórter “deixar de ser idiota”, falou que outro tinha uma “cara de homossexual terrível”, fez
declarações xenófobicas contra uma jornalista, disse para outro profissional que tinha vontade de “encher a sua boca de porrada”.
Dessa vez, uma linha foi ultrapassada. “Foi uma covardia absurda. Não apenas agrediu uma mulher. Fez isso cercado de aliados e seguranças”, disse o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia. Para ele, o presidente mostra descontrole pelo avanço das investigações sobre a vacina indiana Covaxin, e certamente tem as pesquisas apontando que está perdendo popularidade. “Quando está na defensiva, ele sempre parte para a agressão.” A reação veio de várias áreas. Uma nota de sete dos onze titulares da CPI da Covid disse que “tentar calar e agredir a imprensa é típico de fascistas e de pessoas avessas à democracia”. Para a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), “com o seu destempero, Bolsonaro mostrou ter sentido profundamente o golpe representado pelas manifestações“.
Não é apenas a perda de sustentação política que deixa o presidente acuado. O excesso de autoconfiança e a certeza na impunidade fizeram Bolsonaro cometer crimes de responsabilidade em série. Mais de 20 já foram tipificados, e devem constar de um “superpedido de impeachment” que reunirá o conteúdo de mais de 120 pedidos já protocolados na Câmara. A ameaça judicial não se limita ao Brasil. A equipe do ex-premiê israelense Benjamin Netanyahu já havia alertado o Itamaraty de que pode avançar no Tribunal Penal Internacional de Haia a acusação contra Bolsonaro por crime de genocídio contra indígenas. “O maior medo do presidente é perder a reeleição, porque sabe que será preso”, diz a deputada Joice Hasselmann.
O último episódio de cólera é fora da normalidade até para a acidentada história política brasileira. Poucas vezes se viu um presidente tão errático e descolado da realidade. Um dos incidentes aconteceu ainda no regime militar, em 1979, quando João Figueiredo tentou bater em manifestantes que protestavam contra ele em Florianópolis. Outro ocorreu em 1992, quando Fernando Collor convocou o povo a sair vestido de verde amarelo em seu apoio. O resultado foi contrário, como se sabe, e uma multidão ocupou as ruas do País de preto para exigir o seu impeachment. Nos dois casos, eram mandatários de governos terminais, que perdiam autoridade e já não tinham apoio na sociedade – e nem conexão com a realidade. Bolsonaro vai pelo mesmo caminho.
“A falta de decoro é crime. O maior temor de Bolsonaro é perder a reeleição, porque ele sabe que será preso” Joice Hasselmann, deputada federal