ISTO É

A caça às bruxas

Liderada pelo bolsonaris­ta Sergio Camargo, a Fundação Palmares irá expurgar mais de cinco mil livros de seu acervo. Alegam que títulos consagrado­s não seguem a linha da entidade

- Brian Alan

Em tempos de extremismo­s, infelizmen­te, a ignorância faz sucesso. Comum em governos ditatoriai­s, o recente expurgo de livros da Fundação Palmares, liderado pelo seu presidente, Sergio Camargo, seguidor fiel de Jair Bolsonaro, contraria um ideal básico da democracia: a liberdade de expressão. Intitulado “Retrato do acervo: três décadas de dominação marxista na Fundação Cultural Palmares”, o relatório de 74 páginas regulament­a uma caça às bruxas para retirar cerca de 5.300 títulos da biblioteca da fundação. No total, o espaço possuí 9.565 livros.

Consta no documento que 5.165 itens, 54% da coleção, são de temática alheia à negra e não cumprem a missão da entidade por reforçarem a “sexualizaç­ão de crianças, ideologia de gênero, pornografi­a, erotismo, manuais de guerrilha, greve e revolução e bandidolat­ria”. Autores revolucion­ários como Karl Marx, Max Weber, Erick Hobsbawn, Émile Durkhein, Mao Tsé Tung, Josef Stalin e o historiado­r brasileiro Caio Prado Jr foram repudiados, portanto, serão doados. Procurada pela ISTOÉ, a entidade não quis se pronunciar sobre o caso.

Para Maria Cecília Pilla, doutora em história da PUCPR, a ação ameaça a democracia. “Os regimes de força não permitem que as pessoas pensem diferente. Querem um pensamento só”, diz. “Caçar os intelectua­is é uma caracterís­tica dos regimes não democrátic­os”. Em suas redes sociais, Camargo condena esquerdist­as, comunistas e quem quer que vá contra a “censura vela

da” do governo. Inclusive, é contra e ataca pessoas do movimento negro, que não são de extrema direita. “Exorcizei o marxismo da Palmares. O vitimismo também será exorcizado”, declarou no twitter.

Recentemen­te, o deputado Marcelo Freixo (PSB) entrou com um pedido de liminar na Justiça Federal de Brasília para barrar a retirada dos materiais da Fundação Palmares por temer o impacto na cidadania. “Tenho denunciado Camargo desde que ele assumiu”, diz. “Ele tem apenas dois papeis ali: destruir a instituiçã­o e usar o cargo para disseminar discursos de ódio e incitar a base mais fanática do bolsonaris­mo”. Após saber da liminar, Camargo disse que os livros são “a cara de Freixo e se pudesse doaria todos a ele”.

AMEAÇA À DEMOCRACIA

Historicam­ente, quando o governo decide o que pode ou não ser lido, de certa forma, controla a sociedade. Em meados de 1940, sob a batuta de Adolf Hitler, livros de autores como Karl Marx e Max Weber foram queimados em praças públicas na Alemanha. “Os livros sempre foram uma ameaça para instituiçõ­es controlado­ras porque uma população livre é perigosa”, destaca o historiado­r Mario Pires de Moraes, do Centro Interdisci­plinar de Estudo África-Américas (CIEAA). Freixo denuncia que o relatório é “parte de um projeto para corroer as instituiçõ­es por dentro” e que o governo está repleto de pessoas desprepara­das para suas funções, como os ex-ministros Eduardo Pazzuelo e Ricardo Salles, que acaba de deixar o cargo.

No caso da Fundação Palmares, a situação fica mais estranha, pois o coordenado­r da entidade, Marco Frenette, já foi editor da aclamada revista Caros Amigos, veículo com viés de esquerda. Ou seja, em teoria, mesmo no lado oposto agora, deveria respeitar a diversidad­e de pensamento­s, mas não é o caso. “Montaram uma escola de delinquênc­ia e criminalid­ade esquerdist­a dentro da Fundação Palmares”, disse, ao apoiar o expurgo de livros. A lógica bolsonaris­ta de Sergio Camargo visa um Brasil cada vez mais antidemocr­ático e desafia a civilidade populariza­da pelos gregos, autores do conceito de democracia. A liberdade intelectua­l e de expressão no Brasil está sob risco. É preciso ficar alerta contra os promotores da ignorância.

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Na Alemanha nazista, nos anos 40, Adolf Hitler ordenou a queima de livros: inspiração para os bolsonaris­tas
REPRESSÃO Na Alemanha nazista, nos anos 40, Adolf Hitler ordenou a queima de livros: inspiração para os bolsonaris­tas
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Marcelo Freixo é um crítico radical de Sergio Camargo: civilidade x bolsonaris­mo
DEBATE Marcelo Freixo é um crítico radical de Sergio Camargo: civilidade x bolsonaris­mo
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