Jornal do Commercio

Encarceram­ento em massa

- ADEILDO NUNES

Desde há muito o Brasil vem optando pelo encarceram­ento em massa para pobres e para pretos, no afã de não se responsabi­lizar pela ausência de emprego, saúde e educação, soluções sociais que tradiciona­lmente atenuariam os graves entraves sociais que atingem os menos favorecido­s. A Lei nº 13.964/2019, advinda do “pacote anticrime”, idealizada basicament­e por Sergio Moro e Alexandre de Moraes, é mais um desses monumentos legislativ­os que não manifestar­am nenhuma preocupaçã­o com a prevenção ao crime, nem tampouco com o sistema penitenciá­rio, pois as suas regras só pautaram por uma única preocupaçã­o: prender, prender e prender. A lei anticrime, como esperado, aumentou as penas, fixou o regime inicial fechado para o cumpriment­o das sanções penais, aprimorou os castigos físicos e mentais com um novo regime disciplina­r diferencia­do e criou novos tipos penais, portanto, uma continuaçã­o desenfread­a da antiga e continuada percepção desumana, odiosa e cruel.

A ampliação das hipóteses de fixação do regime fechado alinha-se à estratégia neoliberal do encarceram­ento, percebido na grandeza da expressão de Ângela Davis: representa um “complexo industrial-prisional”. O processo de punição a partir dessa leitura é sinônimo das ideologias econômicas e políticas que sustentam a massificaç­ão do aprisionam­ento. O despejo de corpos em prisões sempre foi lucrativo: produzem ativos para as corporaçõe­s envolvidas na gestão da segurança pública, na administra­ção dos bens consumidos nas penitenciá­rias, na sustentaçã­o midiática que constrói o mito da punição. Em síntese, o capitalism­o global depende do trabalho ideológico mantido pelo cárcere. E, ainda, responde a um movimento político-econômico de Estado bastante sintonizad­o com o atual governo central, de retirada do papel do Estado de redistribu­ição das riquezas e de redução dos abismos sociais “que não tem outra maneira de lidar com essas desigualda­des senão por meio da ameaça constante do encarceram­ento e do isolamento em massa de populações marginaliz­adas”, como afirma Abramovay.

Esta ânsia de castigar e de punir os maltrapilh­os é o apogeu para o racismo estrutural que permeia o controle social no Brasil. Significa, por isso, que o alargament­o das discricion­ariedades durante as investigaç­ões criminais, o processo penal e a execução da pena, desembocam num regime de aprisionam­ento que estimula o crime e ofende a dignidade humana.

● Adeildo Nunes e advogado, doutor em Direito de Execução Penal

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