Os militares e o 31 de março
Anteontem foi um dia em que meu celular quase não parou de tocar. Amigos e jornalistas, querendo decifrar as mensagens, falas e textos dos militares pela passagem do 31 de março. Sem ser interprete dos militares, a todos que nos procuraram fiz as ponderações a seguir.
A transição do regime militar para a atual democracia foi negociada, ao revés do que aconteceu em outros países, a exemplo da Argentina. Logo, determinadas balizas foram objeto de acertos, limites e concessões de entre as partes, sendo a Lei da Anistia o exemplo maior do compromisso firmado. Daí em diante, os militares voltaram-se para suas atividades profissionais, guardando distancia da política nacional. Já o poder político civil demorou 23 anos para redefinir o papel das Forças Armadas/FAs num projeto nacional, o que fez através da Estratégia e da Política Nacional de Defesa em 2008. Ao longo dos anos, enquanto crescia o prestígio das FAs, inversamente decrescia o dos políticos, partidos e parlamento.
Com a lava Jato, a credibilidade da política e seus representantes, teve a sua maior crise de legitimidade, da qual padece até hoje. Enquanto parcelas crescentes da opinião pública louvavam os militares, desdenhava dos políticos. O governo do Presidente Bolsonaro, ao recrutar dezenas de militares e nomear alguns deles para o ministério, beneficiou-se do seu prestígio e, de outro, conferiu aos militares um inédito protagonismo e visibilidade na política nacional, em décadas. Daí que, sem juízo de mérito, estes se sentissem emponderados para afirmar o que entendem, desde sempre, ser o lugar na história e os motivos da ruptura de 1964. Porém, enganam-se os que interpretam, a partir disso, uma mudança de rumo das FAs. Hoje, nossos militares agirão dentro dos limites definidos pela CF de 88. A elite civil, que pouco entende de defesa e FAs, tem sobressaltos fruto da sua desinformação que da realidade. Dos chamados remédios constitucionais que requerem o concurso dos militares – estado de sítio, estado de defesa, intervenção na federação e garantia da lei e da ordem -, apenas essa última, transitória e localizada, não requer o a aprovação do Congresso Nacional, embora possa ser por este suspensa. Portanto, concluo, nossas FAs só sairão a campo com o aval do parlamento, isto é, da Constituição Federal e nenhuma liderança vai desviálos desse compromisso.
● Raul Jungmann, é Ex-Ministro da Reforma Agrária, Defesa e Segurança Pública