Jornal do Commercio

Em novo disco, J Balvin antevê uma nova ordem

COLORES Trabalho do colombiano J Balvin advoga por um mundo mais leve, vibrante, inclusivo e livre de barreiras linguístic­as e culturais marciobast­os.jc@gmail.com

- MÁRCIO BASTOS

Colores, novo álbum de J Balvin, chegou às plataforma­s de streaming em um momento no qual não há outro assunto possível que não o coronavíru­s. Direta ou indiretame­nte, o modo de vida que conhecíamo­s está em suspenso por tempo indetermin­ado, o que exige resiliênci­a. Ainda que seja impossível prever o que estava por vir, o trabalho do colombiano parece particular­mente alinhado com as necessidad­es do momento, advogando por um mundo mais leve, vibrante, inclusivo e livre de barreiras linguístic­as e culturais.

J Balvin tem, como poucos, conseguido capturar o zeitgeist dos últimos anos. Mi Gente, seu fenômeno cultural lançado em 2017, marcou o ponto de virada da música urbana latina ao atingir novos públicos e diluir barreiras de gênero, expandindo o que se entendia como reggaeton.

Sua sonoridade e mensagem exaltavam o fim de fronteiras e a união em torno da música e da arte. Seu nome virou referência no mercado hispânico e sua influência tornou-se global. Atualmente, seus vídeos no YouTube contam com mais de 12 bilhões de visualizaç­ões e ele é o quinto artista mais escutado no Spotify, com 55 milhões de ouvintes mensais.

Sua sagacidade em entender a dinâmica da era dos streamings, com lançamento­s quase semanais e muitas parcerias, com artistas como Beyoncé, Rosalía, The Black Eyed Peas, Major Lazer e Anitta, fez dele uma força no ramo, mas sua visão artística faz com que ele seja mais do que um artista de singles. Seus dois álbuns anteriores, o solo Vibras (2018) e o colaborati­vo Oasis (2019), com o porto-riquenho Bad Bunny, são obras instigante­s, com infusão de diferentes referência­s musicais e culturais que solidifica­m sua visão singular do que é ser um artista latino na contempora­neidade.

Ainda que seja fluente em inglês, J Balvin praticamen­te só canta em espanhol. Quando foi headliner do Coachella, ano passado, tornando-se o primeiro artista latino a fazê-lo, ou subiu ao palco do SuperBowl deste ano ao lado de Shakira e Jennifer Lopez, não estava ali como uma alegoria folclórica, mas como um representa­nte de uma cultura complexa, urbana e orgulhosam­ente sulamerica­na.

Os símbolos de hipermascu­linidade que costumam pautar tanto o reggaeton quanto o hip hop, dois gêneros amplamente fundidos por ele, são ignorados por Balvin, um homem hétero, conhecido por suas roupas extravagan­tes, cabelos coloridos e discursos que desafiam preconceit­os históricos contra minorias. E há algo de poderoso em alguém que, apesar de todos os privilégio­s, não se encaixa nos estereótip­os de galã e recusa os preceitos de normalidad­e, optando pela estranheza como poética.

Seu apelo global e influência têm sido reconhecid­os por diferentes setores, como o da moda, com gigantes como a Guess convidando-o para criar coleções exclusivas de roupas. Esse potencial que ultrapassa a música coloca J Balvin no patamar de outros superstars que se transforma­ram, também, em marcas, entre eles sua conterrâne­a Shakira.

Colores é um trabalho que explicita essa visão anti-binária e que abraça distintas referência­s. A capa do álbum é assinada por Takashi Murakami, com quem Balvin já havia colaborado em outras ocasiões, e apresenta uma profusão de flores com os inconfundí­veis traços do artista visual japonês, com toques infantis e inspirados em animes. O arco-íris, símbolo da comunidade LGBT, é utilizado por ele como uma representa­ção de “inclusão, união, amor, alegria, boas vibrações e tolerância”.

As dez faixas do disco, que juntas somam menos de meia hora, são atravessad­as por essa multiplici­dade de sensações que podem ser evocadas pela arte, com cada canção representa­ndo uma cor. As vibrantes Amarillo (Amarelo) e

Azul, por exemplo, continuam a busca pela festa perfeita, a noite sem fim que não parece condenada pelo nascer do sol. Rojo (Vermelho) carrega algo de melancólic­o embalado por batidas marcadas. No vídeo, Balvin morre em um acidente de carro e assiste ao luto daqueles ao seu redor. Sobre o clipe, ele conta que quis que fosse marcado por tristeza, com pessoas chorando, por representa­r o oposto do que se espera de um clipe de reggaeton, normalment­e associado à felicidade.

Essa busca pelo inusitado, pronto para se arriscar, faz dele um dos artistas mais interessan­tes de sua geração. Sua habilidade em criar refrões viciantes faz com que até seus trabalhos mais experiment­ais pareçam inescapáve­is e impossívei­s de serem ignorados pelo ouvinte. Há um convite explícito para não deixar de dançar – e aqui essa ação é movida por diferentes razões e sentimento­s, da felicidade à tristeza – lembrando que há transforma­ção no movimento.

Em meio a uma pandemia que exige o isolamento, a festa soa como uma utopia. Quando não há certezas, o direito a dançar, com a reunião de corpos suados, trocando energia, que tínhamos como garantido, é uma interrogaç­ão e parece de menor importânci­a diante do caos e do medo que vivemos. Mas, há algo de poderoso e subversivo na crença por dias melhores e no hedonismo que, em essência, nos lembra que respeitar nossas emoções, sem abrir mão de acreditar na diversão e no escapismo, são parte do que nos torna humanos.

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O arco-íris, símbolo da comunidade LGBT, é utilizado como uma representa­ção de inclusão, união, amor, alegria
GOOD VIBES O arco-íris, símbolo da comunidade LGBT, é utilizado como uma representa­ção de inclusão, união, amor, alegria
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