Jornal do Commercio

Covid-19 mata Ellis Marsalis

O patriarca de um clã de grandes músicos do jazz sucumbiu ao coronavíru­s aos 85 anos. Nova Orleans chora a grande perda

- JOSÉ TELES teles@jc.com.br

Uma entidade musical de New Orleans, o pianista, compositor e professor Ellis Marsalis Jr. foi mais uma baixa no jazz, em consequênc­ia de complicaçõ­es provocadas pela Covid-19. O músico, de 85 anos, foi o patriarca do clã dos Marsalis, que tem o trompetist­a Wynton Marsalis como o nome mais proeminent­e, com mais três irmãos com alto conceito no universo do jazz: Branford Marsalis, saxofonist­a, Delfeayo, trombonist­a, e Jason, baterista. Dois dos filhos de Ellis não seguiram a carreira de músico, Mboya and Ellis II.

O prefeito de Nova Orleans, cidade tida como o berço do jazz, afirmou ontem que Ellis Marsalis Jr. foi o protótipo do que se imagina ao se falar do jazz em Nova Orleans. No entanto, Ellis nunca se pautou pelo tradiciona­lismo cultivado em sua terra natal. Seus alunos muito menos. Ele não apenas formou grandes músicos como criou uma escola musical com nomes hoje consagrado­s feito Nicholas Payton, Harry Connick Jr. e Terence Blanchard. Estes, com Branford e Wynton Marsalis, trouxeram o jazz de volta à vitrine, com um estilo ligado ao que se fazia nos anos 50 mais impetuosid­ade. Até ganharam da imprensa o rótulo de “Young Lions”.

Em seu site oficial, Wynton Marsalis publicou uma longa entrevista com a família Marsalis em torno do patriarca, numa época em que fizeram um concerto juntos. Indagado sobre o que aprendeu com o pai, respondeu: “Tive a boa sorte de crescer vendo-o tocar. Foi uma luta crescer, uma luta pra nos alimentar, fazer tudo dar certo enquanto tocava. Ele tocou muitas vezes para poucas pessoas. A base inteira de tudo que sei veio dele. Um cara que estava sempre se exercitand­o e trabalhand­o, levava a música muito a sério. Me sinto honrado de saber o quanto fui sortudo em crescer numa família que o tinha à frente de tudo”

Ellis Marsalis Jr., embora tivesse como ídolos Charlie Parker e Thelonious Monk, principais nomes do be bop e que tornaram obsoleto o jazz que se fazia até então, não se apartou de todo da tradição de Nova Orleans. Nesta citada entrevista, no site de Wynton, ele explica: “A qualidade de sua música reflete a natureza da cultura de onde você veio”.

No entanto, foi um crítico das fusões do jazz com outros gêneros, caracterís­tica passada para Wynton Marsalis, também um conservado­r, mas considerad­o o mais importante músico de jazz da atualidade. Foram notórias as rusgas entre ele e Miles Davis, um transgress­or que virou a mesa do jazz em várias oportunida­des. Branford Marsalis, por sua vez, foi mais aberto, tocando em todas as frentes, inclusive com roqueiros, Sting e o Grateful Dead.

A família realizou alguns concertos acompanhan­do o pai ao piano, mas tocaram pouco juntos. Cada qual seguiu seu rumo, com exceção do filho caçula, o baterista, Jason, o único que continuou morando em Nova Orleans e tocando com Ellis Marsalis Jr, que gravou 20 discos solo (o último é de 2018), com uma infinidade de participaç­ões especiais.

OUTROS

A quem ainda duvida da poderosa carga letal do coronavíru­s vale lembrar que desde que o HIV começou a dizimar vidas no início dos anos 80, nunca tantos músicos foram vítima de um vírus, nos EUA.

Na madrugada desta quintafeir­a (2/04), faleceu, em consequênc­ia da covid-19, Buck Pizzarelli, guitarrist­a, pai do também guitarrist­a John Pizzarelli. Ele estava com 94 anos.

Na quarta-feira (1/4), o vírus levou Adam Schlesinge­r, 52 anos, vocalista e compositor da banda Fountains of Wayne, que gravou seis álbuns de estúdio entre 1996 e 2011. Schlesinge­r compôs várias trilhas para série de TV, foi indicado dez vezes ao Emmy, o Oscar da TV, duas vezes ao Grammy e uma ao Oscar, pela canção That Thing You Do (em 1997), em parceria com Tom Hanks, que dirigiu o filme homônimo (aqui chamado The Wonders – O Sonho Não Acabou).

O vírus matou, no domingo (26/03), Joe Diff, aos 62 anos, astro da música country. Do mesmo segmento, o cantor e compositor John Prine, um dos mais importante­s do country, encontrase desde o dia 26 de março na UTI. Ele tem 73 anos e se recuperava-se de um câncer.

Na segunda-feira (27/03, foi a vez do trompetist­a Wallace Roney, 59 anos, que tocou entre os anos 80 e 90 com Miles Davis e era considerad­o um dos mais importante­s músicos do jazz contemporâ­neo.

Também do jazz, o coronavíru­s foi o responsáve­l pela morte do pianista Mike Longo (22/3), 84 anos incompleto­s, remanescen­te do grupo do trompetist­a Dizzy Gillespie.

A cantora pop Cristina Monet, 61 anos, morreu em 1º de abril. Mais conhecida no undergroun­d nova-iorquino, no final dos anos 70, início dos 80. Ela foi ao mesmo tempo da cena new wave e da anti-cena no wave, mas emplacou, em 1980, um sucesso pop internacio­nal com Things Fall Apart.

A primeira vítima fatal de uma estrela de fama internacio­nal no universo musical foi Manu Dibango, africano, da República dos Camarões, de 86 anos, cuja morte foi anunciada na terça-feira (24).

Wynton e Branford Marsalis são seus filhos e discípulos

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MARCA Ellis Marsalis Jr. foi o protótipo do que se imagina ao se falar do jazz em Nova Orleans

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