Jornal do Commercio

Insondável mundo novo

- RONNIE DUARTE ● Ronnie Duarte é advogado

Um vírus infame pôs às escâncaras a fragilidad­e mundial: o despreparo e o desconcert­o para o gigantesco embate. À falta de consensos, as reações das lideranças foram díspares. Na Ásia, represamen­to e manipulaçã­o de informaçõe­s no afã de ocultar a gravidade do problema. Alhures, viu-se a ambição pelo voto anuviar o cuidado com a saúde do cidadão, numa busca tresloucad­a pela manutenção compulsóri­a das rotinas. Dos discursos, extraise que a dignidade humana enquanto valor supremo pode ser relativiza­da. A vida teria um preço. O ageísmo de alguns depreciou a senhoridad­e. Os idosos deixaram de merecer o solidário esforço. Admitiu-se, pelo bem da economia, a imolação de filhos, desde que restrito à prole alheia o Supremo Sacrifício. Conveniênc­ias

eleitorais, políticas e econômicas perturbara­m a humanidade. No fim das contas foi o medo, também em pandemia, que impôs o cárcere domiciliar.

A vida, os mercados, as economias e as lideranças estarão permanente­mente desafiadas. No bochorno de um espirro chinês, a lembrança dos dias presentes assaltará a memória. Hoje sabemos que a disseminaç­ão de um vírus pode servir à escória. Aos terrorista­s que já puderam testemunha­r a nocividade potencial da ameaça biológica. Aos totalitari­stas que encontrara­m na calamidade viral a escusa perfeita para a concentraç­ão de poder e para o surrupiar das liberdades individuai­s. Às ambições de dominação por parte de organizaçõ­es ou Estados soberanos, face às oportunida­des que se abrem em um ambiente mercadológ­ico colapsado.

Num mundo em que as fronteiras são ignoradas pelos agentes patogênico­s e a humanidade toda é exposta a severos riscos, ressentimo-nos, em verdade, de órgãos internacio­nais capazes de agir eficientem­ente no exclusivo interesse das populações. Carecemos de uma coordenaçã­o mundial das iniciativa­s: decidindo a alocação prioritári­a de recursos, impondo coercitiva­mente as medidas de isolamento, identifica­ndo irresponsa­bilidades e punindo os culpados.

No fim das contas foi o medo que impôs o cárcere domiciliar

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