Insondável mundo novo
Um vírus infame pôs às escâncaras a fragilidade mundial: o despreparo e o desconcerto para o gigantesco embate. À falta de consensos, as reações das lideranças foram díspares. Na Ásia, represamento e manipulação de informações no afã de ocultar a gravidade do problema. Alhures, viu-se a ambição pelo voto anuviar o cuidado com a saúde do cidadão, numa busca tresloucada pela manutenção compulsória das rotinas. Dos discursos, extraise que a dignidade humana enquanto valor supremo pode ser relativizada. A vida teria um preço. O ageísmo de alguns depreciou a senhoridade. Os idosos deixaram de merecer o solidário esforço. Admitiu-se, pelo bem da economia, a imolação de filhos, desde que restrito à prole alheia o Supremo Sacrifício. Conveniências
eleitorais, políticas e econômicas perturbaram a humanidade. No fim das contas foi o medo, também em pandemia, que impôs o cárcere domiciliar.
A vida, os mercados, as economias e as lideranças estarão permanentemente desafiadas. No bochorno de um espirro chinês, a lembrança dos dias presentes assaltará a memória. Hoje sabemos que a disseminação de um vírus pode servir à escória. Aos terroristas que já puderam testemunhar a nocividade potencial da ameaça biológica. Aos totalitaristas que encontraram na calamidade viral a escusa perfeita para a concentração de poder e para o surrupiar das liberdades individuais. Às ambições de dominação por parte de organizações ou Estados soberanos, face às oportunidades que se abrem em um ambiente mercadológico colapsado.
Num mundo em que as fronteiras são ignoradas pelos agentes patogênicos e a humanidade toda é exposta a severos riscos, ressentimo-nos, em verdade, de órgãos internacionais capazes de agir eficientemente no exclusivo interesse das populações. Carecemos de uma coordenação mundial das iniciativas: decidindo a alocação prioritária de recursos, impondo coercitivamente as medidas de isolamento, identificando irresponsabilidades e punindo os culpados.
No fim das contas foi o medo que impôs o cárcere domiciliar