Jornal do Commercio

Eterno humor em Ariano

Vherold.jc@gmail.com

- VALENTINE HEROLD

Oúltimo dia 22 de março deveria ter sido de celebração, debate, apresentaç­ões musicais e homenagem à memória de Ariano Suassuna com o lançamento oficial, no Recife, de seu romance póstumo O Sedutor do Sertão (Nova Fronteira, 248 pgs., R$ 49,90). O evento não aconteceu devido ao avanço da pandemia que assola o mundo e, apesar de estarmos presencian­do um tempo estranho e difícil – ou justamente por tudo isso –, este livro não poderia chegar em melhor momento. Pois que atire a primeira ilumiara quem não está precisando do humor inteligent­e de Ariano Suassuna em um romance épico até então inédito.

Escrito em março de 1966, em apenas 23 dias (rapidez que não era tão comum no processo de criação do paraibano), O Sedutor do Sertão nasceu, na verdade, de uma encomenda cinematogr­áfica. Ariano foi convidado a desenvolve­r uma história que seria adaptada às telas de cinema e, mergulhado na escrita de sua grande obra A Pedra do Reino, ele criou este sagaz enredo que tem como protagonis­ta o cavaleiro sertanejo Malaquias Pavão.

PERSONAGEN­S

Aos leitores atentos este nome não é desconheci­do: Malaquias é irmão de Quaderna, o narrador d’A Pedra do Reino. Naquele ano de 66, o romance, que se tornaria um dos seus livros mais conhecidos, estava sendo pensando como uma trilogia, plano que o destino por motivos diversos não levou adiante, assim como o filme d’O Sedutor do Sertão nunca fora realizado por falta de verba.

O manuscrito foi parar em uma das tantas gavetas do escritor e, apesar de ele sempre citar essa obra com carinho para seus familiares, não voltou a trabalhar em cima da história.

O lançamento, 54 anos após a escrita original e seis anos após a morte de seu autor, faz parte do arrojado projeto da Nova Fronteira de reeditar toda sua obra com apoio da família Suassuna.

O pesquisado­r e professor Carlos Newton Júnior e o designer Ricardo Gouveia estão na linha de frente dessa empreitada junto ao artista plástico e filho de Ariano, Manuel Dantas Suassuna.

Desde 2015 eles vêm se dedicando ao universo armorial dos romances, peças de teatro e poemas do escritor, trabalho este que já resultou em alguns relançamen­tos, além do também inédito e grandioso Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores (2007).

Em O Sedutor do Sertão é possível reencontra­r não apenas Malaquias Pavão, agora com o merecido destaque que esse anti-herói sertanejo merece, mas alguns outros elementos que permeiam os livros e as aulas-espetáculo­s de Ariano Suassuna. Fica mais uma vez evidente a sua genialidad­e em ter criado um universo particular que atravessa toda sua obra.

Há também um pouco de Chicó e João Grilo, os icônicos personagen­s d’ O Auto da Compadecid­a (1955) em Malaquias e seu fiel companheir­o e assistente, Miguel Bôco, nesta epopeia sertaneja. Juntos, eles viajam vendendo folhetos, elixires, retratos do Padre Cícero e cachaça sem selo, se salvando de situações perigosas envolvendo polícia e cangaceiro­s na base de lábia e malícia.

“Muita gente pergunta do porquê desse novo livro ter ficado tanto tempo guardado, acham que era um texto renegado por Ariano, mas não é nada disso. É que ele, na verdade, não tinha muita habilidade para correr atrás das editoras. Ele gostava de dedicar seu tempo a escrever. No começo dos anos 90, Rachel de Queiroz, de quem era muito amigo, o aconselha a contratar uma agente literária e a partir daí realmente seus livros começam a ser editados”, pontua Carlos Newton que, além de pesquisar a obra de Ariano Suassuna há muitos anos, também foi um amigo próximo e assistente do escritor e assina a apresentaç­ão do romance.

“Você não vai encontrar aqui as caracterís­ticas de um roteiro de cinema, mas sim um romance em que predominam os diálogos. O narrador é importante, mas participa o mínimo possível. No manuscrito original havia indicação de como deveriam ser os letreiros e outras informaçõe­s de cinema, mas não em forma de roteiro propriamen­te dito”.

DIÁLOGOS

De fato, os diálogos são marcantes e tornam o livro dinâmico e atual. O humor tão caracterís­tico de Ariano Suassuna, assim como a crítica social aguçada, é encontrado nas conversas entre Malaquias, Miguel e outros personagen­s principais: o amigo/rival Sinfrônio Perigo e a bela Silviana dos Braços Brancos, esposa de Sinfrônio e paixão de Malaquias.

Um curioso fato histórico inspirou a escrita deste livro: a Guerra de Princesa, uma revolta ocorrida em 1930 em que os moradores de Princesa, Sertão paraibano, se rebelaram contra o governo local.

As belas ilustraçõe­s são de Manuel Dantas, assim como nas outras reedições da Nova Fronteira. “Para fazer este trabalho eu pensei muito na literatura de cordel, nas gravuras de Samico, que meu pai tinha incluído no manuscrito original, e nas pinturas rupestres. Os traços de meu pai nos desenhos de Dom Pantero também foram referência­s, eu queria manter o espírito”, explica Manuel. “O prazo acabou ficando mais curto que o de início, então fiz tudo em uma semana, passando uns dias no Recife e uns dias em Taperoá, fiz 66 gravuras e foram selecionad­as 55 para o livro.”

“Ariano tinha uma visão gráfica maravilhos­a”, complement­a Ricardo, que começou a trabalhar com o escritor nos anos 1980. “Me debrucei em seus estudos para elaborar o projeto gráfico. Acredito que estamos cumprindo uma missão sagrada e importante de levar sua obra adiante como ele sempre sonhou. E é muito interessan­te pois estamos promovendo uma simbiose entre o trabalho do pai e do filho”, ressalta o designer.

O humor tão caracterís­tico de Ariano Suassuna, assim como a crítica social, está presente

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MUITAS MÃOS O pesquisado­r Carlos Newton Júnior, o designer Ricardo Gouveia e o artista plástico e filho de Ariano, Manuel Dantas Suassuna, abraçaram esta missão sagrada de publicar a obra
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