Calma é a resposta em disco do carioca Cícero
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Ocarioca Cícero Rosa Lins extraiu beleza da solidão antes de estarmos aqui trancados, sem muitos abraços ou outros afetos físicos. É o que ouvimos em Cosmo, seu quinto álbum, no qual retorna às raízes da criação solitária. O trabalho é fruto de uma temporada de dois anos em um país distante, Portugal, onde seu único referencial de casa era o mundo e a imensidão, já que as Três Marias e a Lua não apareciam no lugar de sempre.
São três anos desde Cícero & Albatroz, seu trabalho mais coletivo, realizado em conjunto com a banda que está no título do disco. Se naquele projeto havia lugar para metais e percussões expansivas, aqui as coisas parecem estar mais reclusas, com o processo criativo sendo feito apenas com ele e seu computador. Mas igualmente potentes.
“Foi uma questão de ver uma outra sociedade se organizando. Tinham problemas que eu achava que eram da humanidade, mas não, eram específicos do Rio ou do sudeste. Isso se reflete sonoramente, ele ficou mais lento, mais baixo, menos agudo, menos áspero que o Albatroz. Eu estava em um país com menos pessoas que São Paulo inteira, então acaba ficando mais calmo, as temáticas se tornam mais existenciais e com menos raiva daquilo, raiva disso. O Albatroz falava da cidade desmoronando, era o que eu tava vendo na ebulição das crises no Brasil naquela época”, explica Cícero.
A série documental Cosmos, apresentada pelos físicos Carl Sagan e Neil deGrasse Tyson em suas duas versões, estavam bem frescas na mente de Cícero. A ciência lhe trazia uma calma para ver um outro céu - talvez o Falso Céu que abre o álbum - em Portugal. Longe de sua terra e entregue nesse olhar, pôde se jogar poeticamente na pequenez das coisas diante do todo. Aos 34 anos, considera ainda a idade como facilitadora para se perder em memórias, lembrando de amigos que acabam virando santos ao serem evocados em sua música. Assim, faz seu recorte da imensidão, como ilustra a capa do disco, colocando um fragmento do cosmo em uma moldura. Uma mostra de como é bom se perder às vezes.
CAMINHOS
Mas o ponto de partida prático para isso tudo virar um disco é a autocrítica. “Normalmente, eu começo a ter vontade de fazer um álbum quando começo a achar o anterior não tão bom. Quando lanço, acho que é incrível. Passam seis meses, um ano, fico: ‘acho que poderia ser melhor’ ou ‘eu poderia fazer algo completamente diferente’. É uma vontade de andar pra frente, de trocar o corte de cabelo, mudar de apartamento”, relata.
Mesmo surgindo um desejo pelo distanciamento em relação ao trabalho anterior, Cosmo ressoa músicas ainda mais antigas de seu repertório. Sua estrutura poética, desgarrada de convenções como o refrão, se aproxima do lado mais experimental de Sábado (2013), seu segundo disco. Já na forma de fazer, solitária, conversa com o Canções de Apartamento, de 2011.
“Cosmo voltou para as escolhas estéticas musicais, poéticas e o jeito de cantar do Canções de
Apartamento, porque era eu escolhendo o que era bom e ponto. A diferença é que o Canções tinham um violão central ali, que era o chão dos arranjos. Nesse disco eu tirei o violão, para gerar essa sensação de vazio, de que a música não tem muito chão”, elabora.
“Não é planejado, mas arte tem muito isso, ganha significado no tempo. Eu mesmo gosto de ouvir e tem coisas que parecem que foram escritas para hoje. Talvez ele fique, no futuro, diretamente vinculado a esse momento da humanidade, em que as pessoas não podiam sair de casa. Não é muito um mérito meu, de ser Nostradamus, mas a arte tem essa coisa bonita de ganhar significado no tempo”, conclui.