Websérie provoca debate sobre violência de gênero
tiagorostand@gmail.com WEBSÉRIE Ferida, disponível a partir de hoje, propõe o debate sobre violência de gênero
Para enfrentar o metrô, a atriz e arte-educadora Andréa Veruska abdica de vestimentas comuns e encontra o conforto em uma verdadeira armadura. O traje escolhido é revestido por pregos enferrujados e objetos cortantes. Sua maneira de enfrentar o assédio sexual que, segundo uma pesquisa dos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, já acometeu 97% das mulheres nos transportes públicos e privados.
A armadura de Veruska, na verdade, é parte de sua performance batizada de Perseguida, fruto de uma intensa pesquisa. A empreitada não pôde ser realizada de fato no metrô – proibida pela administração – mas tem sua preparação exibida no primeiro capítulo da websérie Ferida, disponível a partir de hoje, no site nextope.com, tendo como diretriz o debate sobre violência de gênero.
Ferida concilia performances com entrevistas em três capítulos. Ela é idealizada pelo Núcleo de Experimentações em Teatro do Oprimido, encabeçado por Veruska e pelo também ator Wagner Montenegro, em atividade desde 2012 com pesquisas, experimentações e ações de arte-educação. “Em todas nossas oficinas de formação, seja em capitais, interiores, Nordeste, Sul, os relatos de violência contra a mulher eram constantes. A gente queria estudar de onde surge essa violência e em 2017 elaboramos um projeto, aprovado no Funcultura, para fazer esse estudo”, conta Veruska. A pesquisa foi realizada, intitulada “Do gênero performativo às performatividades de gênero”, que por sua vez culminou nas performances expostas em Ferida.
Acompanham Perseguida as performances Mulheres Que Carregam Homens e Devir Animal .A primeira traz atrizes carregando homens nas costas por ruas do centro do Recife, acentuando um debate sobre desigualdades de poder em relação aos gêneros. A segunda vem em formato de fotoperformance para refletir sobre as imposições que são colocadas sobre o corpo, com cobranças em relação a pelos, manchas e cheiros. Todo esse trabalho ganhou sua dimensão audiovisual com o empenho de Camila Silva e William Oliveira, responsáveis pela filmagem e edição.
As obras servem como gatilhos para um debate conduzido por entrevistas. Em Perseguida, duas mulheres conversam sobre o modo combativo que precisam assumir diante do assédio na locomoção do dia-a-dia. Na segunda, mulheres em um bar vão falar sobre o que é de fato igualdade. Por fim, duas pessoas trans, um homem e uma mulher, conversam sobre como comportamentos e maneiras de estar no mundo são divididos como “de homem” e “de mulher”.
Essas conversas são alocadas em espaços que, de alguma forma, também falam sobre o tema, evocando um ambiente ora de estranhamento, ora de combate. Uma aula de boxe, um bar e um santuário religioso fazem esse papel. “Queríamos fugir de uma coisa mais acadêmica e trazer esse lugares que carregam algumas coisas por si. Um bar de um mercado público é espaço dominado por homens, muito difícil ver uma mulher sozinha, segundo algumas meninas, há até uma percepção de “convite” quando isso acontece. O mesmo com o ambiente de uma aula de boxe, categorizado como ‘de homem’ por remeter a agressividade e força física. Já o santuário religioso com as pessoas trans remete a esse lugar em que nem sempre essas pessoas são acolhidas”, explica Veruska.
Toda a experiência do Ferida é um fruto maduro desse mergulho do Texto no Teatro do Oprimido, metodologia idealizada pelo teatrólogo Augusto Boal. Trata-se de um fazer teatral que se alimenta do diálogo ao mesmo tempo em que o estimula. O que é evidente na websérie, com conversa e arte em fronteiras pouco demarcadas. “Se a gente faz um espetáculo, a gente abre uma roda para conversas e trocas, é uma necessidade, uma forma de desmecanizar o corpo e a mente. A gente recebe essas histórias de opressão e tratamos delas com muito cuidado, transformando em experimentos artísticos”, conclui Veruska.