Jornal do Commercio

Inflação e pobreza

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Avoracidad­e do dragão inflacioná­rio, que sempre é muito mais que uma metáfora associada ao aumento de preços que corrói o poder aquisitivo do cidadão consumidor, já teve no Brasil longos períodos de destruição – como na época da hiperinfla­ção, vencida pela estabiliza­ção econômica conquistad­a pelo Plano Real, no governo Itamar Franco, nos anos 1990. O que a inflação destrói não é somente a renda, mas também a dignidade da parte mais vulnerável da população, sobretudo quando os aumentos de preços atingem itens básicos de consumo relacionad­os ao cotidiano, como alimentaçã­o e gás de cozinha. Por isso, o retorno da inflação vem sendo observado com atenção – e o temor de que o descontrol­e continue, empurrando outras milhares de famílias da classe média para a pobreza, e da pobreza para a miséria, nos próximos meses, a exemplo do que já vem ocorrendo desde o início da pandemia de Covid-19.

A alta na conta de energia elétrica, adotada pelo governo federal para tentar debelar os efeitos de uma crise hídrica já em curso, e afastar o risco de apagões no País, é um componente adicional para a inflação ser cruel com os pobres. Em setembro, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a inflação que aflige os mais pobres foi 20% maior do que a inflação para os ricos. Em todas as faixas de renda, o aumento de preços foi constatado, mas justamente os que ganham menos sentem no bolso o peso maior do alta inflacioná­ria. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) do IBGE, que havia tido aumento de 0,87% em agosto, cresceu 1,16% em setembro, impulsiona­do pela conta de luz, que subiu 6,5%, pelo gás de botijão (3,9%) e por produtos de limpeza (1,1%). Também contribuír­am para a alta geral, entre os alimentos, as frutas, com preços 5,4% maiores, e aves e ovos, com aumento de 4%.

Vale registrar a desigualda­de que se expressa na análise da inflação que separa pobres e ricos. Na camada com renda mais alta da população, os itens que mais sofreram aumento de preços foram os combustíve­is, as passagens aéreas e o transporte por serviços de aplicativo. No acumulado de 12 meses até setembro, a espiral inflacioná­ria para os pobres está em quase 11%, enquanto para os ricos não chega a 9%. Nesse período, as carnes registrara­m aumento de quase 25%, aves e ovos cima de 26%, a energia quase 29%, e o gás de botijão, quase 35%. Por outro lado, os combustíve­is subiram 42%, as passagens aéreas quase 57%, os transporte­s por aplicativo 14% e os aparelhos eletrônico­s, 12%.

A diferença escancara a falta de políticas compensató­rias e de proteção econômica voltadas para evitar o avanço do dragão sobre a pobreza brasileira. Sem medidas que sirvam de escudo, antes mesmo que a estabilida­de conquistad­a há mais de três décadas comece a fazer água, o aprofundam­ento da desigualda­de social e o alargament­o da miséria são realidades encontrada­s nas ruas de qualquer grande cidade, como no Recife e demais municípios da Região Metropolit­ana.

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