Faltam latinos no cinema
Seja nas principais premiações ou no anúncio de grandes lançamentos, já faz alguns anos que Hollywood é criticada pela baixa diversidade em suas produções e cobrada por mais representatividade de grupos minoritários em seus elencos. Mas será que toda essa pressão tem tido efeito?
Uma pesquisa lançada pela Annenberg Inclusion Initiative, organização liderada pela professora e pesquisadora Stacy L. Smith, que estuda a desigualdade na indústria do entretenimento na Universidade do Sul da Califórnia, mostra que pouco mudou nos últimos anos em relação à representação latina na indústria americana do cinema.
Em média, nos 1.300 filmes de maior bilheteria lançados entre 2007 e 2019, apenas 5% dos mais de 51 mil personagens eram de origem latina ou hispânica e só 3,5% eram protagonistas. A análise constatou que 79% dos estados americanos têm uma população latina maior do que a representada por Hollywood.
“Esta comunidade representa quase 20% da população dos EUA e quase metade dos residentes de Los Angeles, mas permanece quase invisível na tela”, afirma a pesquisadora Ariana Case, uma das autoras do estudo.
A pesquisa usa a definição de latino e hispânico do censo americano, que denomina essa identidade para representar pessoas que nasceram ou são descendentes de nascidos em países latino-americanos ou que falam espanhol.
As atrizes de origem latina que mais protagonizaram filmes de maior bilheteria lançados no período analisado foram Cameron Diaz, de família cubana, e Jennifer Lopez, filha de porto-riquenhos.
Lopez foi a protagonista de dois dos três filmes estrelados por latinas com 45 anos ou mais. Além disso, em todos os filmes analisados, somente seis papéis principais foram interpretados por atores negros de origem latina, mostrando que as barreiras etárias e raciais se entrecruzam.
“A representação na tela é importante para a nossa comunidade. Ela molda não apenas como os outros nos veem, mas também como nos vemos. É imperativo que nossa mídia inclua narrativas que elevem as vozes latinas e hispânicas”, diz a atriz Eva Longoria, presidente da UnbeliEVAble Entertainment, produtora que copatrocina o estudo.
A representação atrás das câmeras também deixa a desejar. O percentual de diretores de origem latina e hispânica nos 1.300 filmes de maior bilheteria lançados entre 2007 e 2019 foi de 4,2%. Deste total, 8,6% eram brasileiros, entre eles Carlos Saldanha, diretor da animação Rio, e José Padilha, que dirigiu o remake de Robocop em 2014.
Para cada filme dirigido por uma pessoa latina, outros 50 foram dirigidos por homens brancos, e só três cineastas latinas aparecem na lista dos filmes analisados. Entre os diretores de elenco, a representação latina e hispânica ficou em 3,3% e, entre os produtores, somou apenas 3%, sendo 96 homens e 26 mulheres.
O estudo descobriu que a falta de representatividade atrás das câmeras afeta o que aparece na tela:
“Descobrimos que os filmes com um diretor ou diretor de elenco hispânico ou latino tinham maior probabilidade de incluir personagens hispânicos ou latinos. Isso nos indica que mais representação por trás da câmera é crucial para uma mudança positiva em direção à inclusão”, diz Case.
Outro problema está na persistente repetição de estereótipos sobre a comunidade latina nos filmes de maior bilheteria. A pesquisa demonstrou que as representações ainda envolvem criminalidade, pobreza, imigração e um foco em hispânicos e latinos como estrangeiros. Mais de um quarto dos personagens latinos dos filmes de maior bilheteria em 2019 foram representados como criminosos.
Para o brasileiro Maurício Mota, copresidente e produtor-executivo na Wise Entertainment, estúdio independente que copatrocinou a pesquisa, ainda falta compromisso dos executivos em criar oportunidades para profissionais latinos na indústria do cinema:
“Muitos dos executivos que aprovam os filmes adoram ‘lacrar’ e falar de diversidade e inclusão para sair no jornal, mas não usam seu poder para aprovar filmes que serão produzidos e, de fato, criarão oportunidades concretas para roteiristas, diretores e outros talentos latinos”, afirma.
Mota acredita que o Brasil deveria “abraçar mais” sua condição latino-americana e investir em histórias “universalmente latinas” e que falem com o mercado norte-americano:
“O Brasil é hoje uma das maiores fontes de propriedades intelectuais do mundo, com grandes autores literários, HQs e centenas de estilos musicais. Não podemos mais nos esconder atrás da língua portuguesa: suecos, japoneses, sul-coreanos e israelenses já mostraram que filme bom viaja e gera lucro. Temos que usar nossa força narrativa e tamanho do nosso mercado para desenvolver e fazer mais filmes que falem com o mercado norte-americano”, diz.