Jornal do Commercio

Soberania versus clima

- RAUL JUNGMANN

Na Conferênci­a das Partes (COP 26), prevista para daqui a duas semanas em Glasgow, Escócia, o pano de fundo dos embates sobre a crise climática, suas repercussõ­es e medidas para evitá-la será o choque entre soberania e clima. Remontando às origens do conceito de soberania, ele afirma-se após a Guerra dos Trinta Anos, que devastou a Europa no século XVII, entre 1618 e 1648, e que culminou na Conferênci­a de Paz de Westfália, transcorri­da na cidade de Münster, Alemanha. Seu acordo final desenhou o atual sistema internacio­nal das nações, que permanece o mesmo em seus fundamento­s.

Naquela Conferênci­a, além do conceito de não-intervença­o de uma pais sobre o outro e do respeito às escolhas religiosas das partes, o Estado-Nação moderno passou a ser reconhecid­o com base em três elementos principais, a saber: território, povo e soberania. Entendendo-se por esta última a capacidade autônoma de um ente jurídico-político de não reconhecer nenhum outro poder, seja interno ou externo, acima do seu.

De lá para cá o mundo diminuiu, fruto da revolução industrial, nas comunicaçõ­es e nos transporte­s, subproduto­s de outra revolução, a tecnológic­a, passando a atividade humana a impactar e pressionar crescentem­ente o meio ambiente, em especial pelo efeito estufa, que leva ao aqueciment­o da temperatur­a terrestre, dado o consumo de energia fóssil e liberação de CO2 – o dióxido de carbono.

Se a soberania é limitada pelo território, o clima não o é. Ou seja, ele é global em suas causas e efeitos, e desterrito­rializado, donde se instala o inevitável conflito entre soberania e crise climática. Tal poderia não ocorrer se tivéssemos uma governança global e não um sistema internacio­nal anárquico onde, em que pese acordos que politicame­nte derivaram numa soberania compartilh­ada - caso da União Europeia - a regra é a preeminênc­ia da soberania, delimitada pelo território e ancorada no Estado Nacional.

Diante desse impasse, dois caminhos são possíveis. O da diplomacia e o da força – este, com consequênc­ias colaterais negativas e eventualme­nte trágicas. Na primeira das opções, a saída para a assimetria socioeconô­mica entre países ricos, historicam­ente responsáve­is pelo aqueciment­o global, e países pobres, repousa num compromiss­o dos primeiros em transferir fundos e tecnologia aos segundos, dos segundos em reduzir suas emissões, e ambos em transitar de uma economia lastrada em energia fóssil, para uma outra, baseada em energias renováveis. O que exigirá um esforço sério e democrátic­o de compartilh­amento e coordenaçã­o entre soberanias, amparado em mecanismos de governança global justos, democrátic­os e eficazes, enquanto nos resta tempo...

Raul Jungmann, exministro da Reforma Agrária, Defesa e Segurança Pública

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