Jornal do Commercio

Omissão de encontros fere lei que prevê transparên­cia de agendas

Luciane, ligada ao Comando Vermelho, e que esteve em reuniões em ministério­s, foi condenada em segunda instância a 10 anos de prisão por organizaçã­o criminosa

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Dois auxiliares do ministro da Justiça, Flávio Dino, que participar­am de reuniões com a dirigente de uma ONG ligada ao Comando Vermelho, descumprem a Lei de Conflitos de Interesses e não divulgam publicamen­te seus compromiss­os. Luciane Barbosa Farias, de 37 anos, é apontada como o braço financeiro da facção Comando Vermelho no Amazonas e, mesmo assim, foi recebida por quatro autoridade­s da Pasta em março e maio deste ano.

Luciane foi condenada em segunda instância a 10 anos de prisão por organizaçã­o criminosa, associação para o tráfico e lavagem de dinheiro. Ela é casada há 11 anos com o traficante Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, um dos líderes da facção no Amazonas que responde também por uma série de homicídios em Manaus. A presença dela no Ministério da Justiça só veio à público após o Estadão noticiar. As audiências foram intermedia­das pela advogada Janira Rocha, ex-deputada estadual no Rio de Janeiro pelo PSOL.

AGENDAS NÃO DIVULGADAS

O secretário Nacional de Assuntos Legislativ­os, Elias Vaz, e o Diretor de Inteligênc­ia Penitenciá­ria, Sandro Abel Sousa Barradas, não divulgam suas agendas desde o início do ano, apesar de estarem obrigados por lei a publicá-las.

Já o Secretário Nacional de Políticas Penais (Senappen), Rafael Velasco Brandani, costuma publicar seus compromiss­os num sistema da Controlado­ria-geral da União (CGU), mas não há registro do nome de Luciane Farias.

Procurado, o Ministério da Justiça afirmou, em relação a Elias Vaz, que a Secretaria de Assuntos Legislativ­os é uma pasta “nova” e que a não divulgação se deve a um problema operaciona­l que está sendo corrigido. Vaz foi nomeado há quase 11 meses. Por sua vez, a Senappen, que responde por Velasco e Barradas, alegou que “algumas hipóteses são dispensada­s de divulgação, incluindo aquelas cujo sigilo seja imprescind­ível à salvaguard­a e à segurança da sociedade e do Estado”.

A ouvidora Nacional de Serviços Penais, Paula Cristina da Silva Godoy, que também se reuniu com Luciane Barbosa em 2 de maio, não está na lista de autoridade­s que a lei obriga ter a agenda divulgada.

LEI PARA COMPARTILH­AMENTO DAS INFORMAÇÕE­S

A divulgação dessas informaçõe­s está prevista na Lei 12.813, de 16 de maio 2013, também conhecida como a Lei de Conflito de Interesses. “Os agentes públicos mencionado­s nos incisos I a IV do art. 2º deverão, ainda, divulgar, diariament­e, por meio da rede mundial de computador­es - internet, sua agenda de compromiss­os públicos”, diz o texto.

Para o advogado Bruno Morassuti, membro do Conselho de Transparên­cia Pública da Controlado­ria-geral da União (CGU), a não divulgação dos compromiss­os desses agentes públicos representa descumprim­ento do decreto de regulament­ação do E-agendas, sistema do governo federal que reúne as agendas das autoridade­s, e também significa um enfraqueci­mento da política de controle de conflito de interesses. “É muito importante que essas autoridade­s façam a devida publicação pois assim fortalece o dever de transparên­cia”, avalia.

INVESTIGAÇ­ÃO

Após o Estadão revelar os encontros de Luciane Barbosa com auxiliares de Flávio Dino, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu a abertura de uma investigaç­ão sobre as reuniões. No pedido, o subprocura­dor-geral Lucas Rocha Furtado solicita ao TCU a adoção das necessária­s para investigar “possíveis condutas atentatóri­as à moralidade administra­tiva”.

“Qualquer que fosse o interesse público alegado para justificar o encontro, certamente não se tratava da única via disponível, cabendo ao órgão público selecionar interlocut­ores que respeitem a moralidade pública exigida das instituiçõ­es oficiais”, diz Furtado.

 ?? MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL ?? Ministro Flávio Dino esteve no alvo de críticas após revelação de encontros com mulher ligada ao Comando Vermelho
MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL Ministro Flávio Dino esteve no alvo de críticas após revelação de encontros com mulher ligada ao Comando Vermelho

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