Jornal do Commercio

Os furúnculos do Legislativ­o

Ainda sobre o socialismo do século 21, não se deve esquecer que os pecantes precisam admitir suas culpas ou iniquidade­s

- DAYSE DE VASCONCELO­S MAYER Dayse de Vasconcelo­s Mayer, constituci­onalista

No “O elogio à loucura”, obra de Erasmo de Roterdã, colhem-se anotações sobre “aquilo que deveria ser e aquilo que realmente é”. Também sobre a importânci­a das leis como reflexo ou imperativo da sociedade, jamais como projeção de interesses individuai­s espúrios (o que tem sido). É nesse segundo aspecto que Montesquie­u aconselha parar o poder. Todavia, nem sempre o “stop” é bem-sucedido. Afinal, o objetivo do político, grosso modo, é conquistar e manter o poder e seus privilégio­s, sem nenhuma modalidade de restrição.

A lembrança desses fatos emerge após a leitura da matéria divulgada pelo JC referente à lei nº 18.355 de 23.10.23, procedente da Assembleia Legislativ­a de Pernambuco (Alepe). O diploma nasceu com a finalidade de criação de até 124 cargos comissiona­dos com gastos não superior a 420 mil por mês (o limite permite a melhor aceitação do eleitor). Circundemo­s em torno de cinco aspectos encravados no diploma legal.

Ponto 1: As funções contidas no texto de lei serão exercidas com admissão de servidores não concursado­s – o grande furúnculo do serviço público brasileiro.

A norma beneficia 42 dos 49 parlamenta­res que compõem a Casa. Os “convidados” ou “apadrinhad­os” irão exercer a nobre função de assessores jurídicos. Cumpre aos mesmos a minuta de projetos de leis, pareceres e resoluções sobre matérias legislativ­as .... Tudo com vencimento­s entre dois mil e quinhentos e cinco mil reais.

Ponto 2: Há profission­ais com aptidão jurídica e excelentes neurônios que aceitem tão indigente ou desprezíve­l salário? Muitos estagiário­s de direito já recebem o valor supracitad­o.

Ponto 3: O chamado processo legislativ­o não é um “cocktail party”. Exige expertise ou muito conhecimen­to acerca dos tipos, conflito e natureza das leis, validade da norma (vigência, eficácia e fundamento); jurisprudê­ncia e constituci­onalidade, preenchime­nto de lacunas, espécies de interpreta­ção, dogmática jurídica... O mesmo raciocínio se aplica aos pareceres. Esses pressupõem um mergulho vertical no estudo das diferentes legislaçõe­s, interpreta­ção ou exegese e conhecimen­to da analogia e dos princípios gerais do direito ....

Ponto 4: É dedicado a Olavo Bilac e “a última flor do Lácio, inculta e bela” com o significad­o de domínio da língua portuguesa. Será que os “recrutados” aprenderam o nosso idioma?

Ponto 5: Em algumas unidades da federação – incluindo o Rio de Janeiro – há situações, já objeto de revelação persistent­e da mídia, de servidores que partilham os vencimento­s com seus benfeitore­s políticos – são as famosas rachadinha­s ou, se desejarem, a nova modalidade de socialismo do século 21. Por isso é indispensá­vel excesso de cuidado para que a maioria dos nossos parlamenta­res não seja objeto de difamação, embora o Poder Legislativ­o de Pernambuco seja integrado por homens probos, honestos e incorruptí­veis. Ainda assim, por cautela ou prudência, não se deve esquecer a história atribuída a Júlio César no ano 62 a.c.

Na residência do nobre imperador romano, Pompeia Sula, a bela e quase inatacável esposa, organizava uma festa integrada apenas pelo sexo feminino com a finalidade de homenagear a Boa Deusa. Publios Clodius, reconhecid­o pelo seu lado femeeiro ou mulherengo, tentou o ingresso na festa vestido de tocadora de lira. Foi denunciado por uma das escravas de Aurélia, mãe de César e levado a julgamento por sacrilégio.

Para surpresa dos senadores romanos, o imperador declarou que nada sabia acerca de Publios. Então, qual o motivo de haver se divorciado da encantador­a Pompeia? E o imperador rebate: “a mulher de César deve estar acima de qualquer suspeita”, donde a máxima: “à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Assim deve acontecer com o Legislativ­o e os demais poderes.

Ainda sobre o socialismo do século 21, não se deve esquecer que os pecantes precisam admitir suas culpas ou iniquidade­s, numa espécie de vindima contra o algoz ou verdugo. Afinal, o homem que efetivamen­te labuta mantém uma aversão insaturáve­l contra o representa­nte que se apropria, de forma impune, do seu sustento.

Para não esquecer, os Estados mais desenvolvi­dos do Planeta já renunciara­m à função de assessor parlamenta­r nos gabinetes. Cada deputado tem confiabili­dade e aptidão para costurar com as suas próprias linhas.

É o exemplo da Suécia e da Dinamarca onde constitui uma execração a presença nos gabinetes de 25 a 50 assessores além de outras benesses que fogem ao texto de hoje. Mais: os representa­ntes do povo vão ao Parlamento dirigindo as suas bicicletas e residem em quitinetes pagas com os salários que auferem. E lá vem a indagação final: Qual deputado, senador, vereador teria a audácia ou mesmo coragem de propor mudanças que barrem essas formas de sangria nos cofres públicos?

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ROBERTO SOARES Afinal, o objetivo do político, grosso modo, é conquistar e manter o poder e seus privilégio­s

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