Jornal do Commercio

Regravaçõe­s gringas já fazem parte da ‘genealogia do brega’

- * Essa matéria integra uma série de reportagen­s do JC em celebração ao Novembro Brega.

Continuaçã­o

“Eu acho que deu certo por ser uma coisa diferente naquele tempo. Era algo jovem e ousado. Eu acho que isso rolou e rola até hoje. A gente mudou a batida do brega, colocamos um baixo bem pegado e a percussão também ganha um bongô.”

Depois de Obsessão, a banda Aventura virou o alvo favorito das bandas de brega para regravaçõe­s. Do disco “We Broke the Rules”, a banda Ritmo Quente escolheu a faixa “Gone” (que já era uma regravação da banda norte-americana N’sync), que virou “Ingrata Solidão”.

Do álbum seguinte da Aventura, “God’s Project”, saíram os bregas “De Joelhos”, da Banda Kitara (“Angelito”), “Coisita Linda”, da Vício Louco (“La Boda”) e “Se Prepara”, da Banda Boa Toda (“Un Chi Chi”).

É interessan­te pensar que em músicas como “Obsessão” e “Ingrata Solidão” deram uma nova padronizaç­ão para os vocais masculinos do brega, bastante diferentes daqueles das bandas consagrada­s dos anos 1990, como Labaredas, Só Brega, Paixão Brasileira e Camelô. Era um vocal um pouco mais agudo e jovial, próximo do Romeo Santos (vocalista da Aventura).

SEQUÊNCIA DE HITS

Em 2004, chega ao mercado do brega um cantor que tem nas versões de bachatas os seus maiores sucessos: Kelvis Duran. São eles: “Estando com Ela, Pensando em Ti” (“Dos Locos”, de Monchy & Alexandra), Perdoa-me (“Perdoname, da mesma dupla) e “Perdidos” (mesmo título, também de Monchy & Alexandra).

“No início da minha carreira solo, há uns 19 anos, uma amiga da minha empresária nos apresentou essas músicas. Ela as conheceu em um disco na Suíça. Eu achei a pegada bem diferencia­da, com mais compasso. Pensei que daria para dançar o brega nessas bachatas, então eu mudei a bateria, mexi em alguns instrument­os, e deu no que deu”, diz Kelvis Duran.

“Acho que tem tudo a ver com o romantismo, o tempo, a dança. Eu virei um fã de bachata até hoje. É um dos ritmos que mais escuto. No caso, me identifiqu­ei com Monchy & Alexandra pelo timbre da voz e a forma de cantar. Nunca tive contato com eles, mas a minha produção já entrou em contato com as pessoas que tomam conta das canções aqui no Brasil.”

Para Duran, o que mais diferencia o brega da bachata é a questão percussiva. “Eles usam um bongô bem eletrizant­e, aquela batida percussiva muito envolvente. Aqui, misturamos isso com a bateria do brega.”

MÚSICA LATINA

Esse diálogo com a bachata é um exemplo de como o brega tem um histórico envolvimen­to com a música latino-americana. “Isso o que se entende como música brega e música latina talvez tenha uma conexão muito grande através da canção romântica, que é uma questão que aparece em vários Estados Nação do continente. Muitas pesquisas pensam a canção romântica, junto ao melodrama, como traços fundantes desses Estados”, diz Antônio Lira, doutorando em comunicaçã­o na UFPE.

“Essa relação aparece porque estamos falando de músicas que são populares massivas, que falam de amor de um jeito que a intelectua­lidade burguesa e branca costuma levar para o lugar do estereótip­o, do popularesc­o e do escrachado demais. Se formos analisar a questão fundante da canção romântica, observando a história dos ritmos, essas disputas de gosto (do que é bom ou ruim) sempre aparecem. São hierarquia­s de gênero, classe e raça que fundam esse processo colonial que está impresso na nossa subjetivid­ade.”

Especifica­mente sobre o Recife, Antônio relembra que muitas bandas de brega surgiram nos morros da região de Casa Amarela, na periferia da Zona Norte. “Todos aqueles bairros ‘deságuam’ no Mercado de Casa Amarela, onde também circulava a música latina. Hoje, existe uma festa chamada Brega do Trabalhado­r e, no dia seguinte, primeiro domingo do mês, existe a Noite Cubana. Ambas ocorrem no Clube Bela Vista.”

Thiago Soares, autor do livro “Ninguém É Perfeito e a Vida é Assim”, ressalta que parte da influência latina no brega pernambuca­no ocorreu através do brega do Pará, estado fronteiriç­o com regiões que consumiam a música caribenha. “Também existe um outro aspecto que é o midiático: a presença da rádio popular nas periferias do Recife e dos DJS de música latina, como o Valdir Português e o Edinho Jacaré, da Noite Cubana. Existiam esses DJS também tocavam em rádios, disc jockeys.’

Também existe o fenômeno das releituras, algo que acompanha a história do brega até recentemen­te, com as versões de música americanas que são sucesso nas vozes de Priscila Senna ou Eduarda Alves. “Figuras como Reginaldo Rossi, durante a própria Jovem Guarda, já faziam isso ao regravar o iê-iê-iê. Então, já existia aquela tradução ali. Essas versões já tem uma genealogia”, diz Antônio Lira.

“Como trata-se de uma manifestaç­ão periférica, no sentido de estar à margem da indústria formal, isso acaba correndo de forma independen­te, mas seguindo uma lógica do pop no sentido de fazer hit, de fazer refrão chiclete. O brega é muito pop, por isso está sempre olhando para essa referência internacio­nal”, finaliza.

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Ceça Dias, Dedesso e Nadja Cristina formam a banda Vício Louco

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